sábado, setembro 25, 2010

As folhas do pé de ingá

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L E M B R A N Ç A S


Foto: Natureza Divina
Angá
pé de angá
João Cruzué

Meu pai era um homem do campo. Simples, honrado, trabalhador, econômico, mineiro de Ponte Nova. Construiu suas economias ao longo de 60 anos, manejando o cabo de uma enxada. Mas depois dos 60, decidiu descansar dela. Ele gostava muito de andar a pé; ouvi dizer que costumava cobrir distâncias longas, em sua juventude, indo a pé de Ponte Nova a Chopotó, caminhando ao longo da linha do "trem-de-ferro", da maria-fumaça, que seguia de Ponte Nova - Dom Silvério, na terra das Gerais.

Seu gosto por caminhadas foi diminuindo com dos 60, e depois dos 70 ainda mais, por causa de um tamborete. Havia uma caixa d'água na cobertura da casa do sítio; e para examinar o nível da água, ele subia no tamboretinho que costumava "dançar" com usuário. Seu Melo era magro, mas não adiantou. Um dia, o tal tamboretinho o derrubou, e a coluna, já com alguns bicos de papagaio, a partir dali, ficou bem pior.

Então passou a caminhar menos. Aconselhado pelos vizinhos voltou a se exercitar - para agradá-los.

--Sô Melo, o senhor precisa fazer algum exercício, não pode ficar parado.

Terreiro de sítio suja muito. Então ele decidiu usar a vassoura algumas vezes por semama; varrer os terreiro dos quatro lados da casa. E este terreiro era bem grande. Na porta da cozinha, havia um pé de ingá, árvore folhuda, mal-criada, que na minha terra é conhecida por angá; pé de angá. Meu pai varria o terreiro da cozinha de manhã, e o angá, por desaforo, derrubava outro monte de folhas à tarde.


--Melo, você varreu o terreiro da cozinha? Imagino minh minha mãe dizer. Nesse tempo eu já estava há uns 20 anos em São Paulo. De vez em quando eu aparecia por lá, e ficava sabendo das folhas do angá.

Foi assim que meu pai foi pegando inimizade com esse pé de angá. Até que um dia,ele se cansou e deu um basta. Passou a vida inteira plantando árvores, mas pegou um facão e descascou o pé da árvore sem dó nem piedade. O ingazeiro definhou, amarelou e secou. O terreiro da cozinha, depois disso,não deu mais trabalho para meu pai. Estava sempre limpinho.

E por diminuir os exercícios, Pai Melo veio a falecer de ataque cardíaco em 1997, pouco anos depois da morte do pé de angá.


SP. 25.09.2010



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