terça-feira, dezembro 09, 2025

Um Pastor à sombra do Carvalho

 

Troca de Ministério por mandato

João Cruzué

À primeira vista, este texto destoa do pensamento predominante entre as muitas lideranças evangélicas de nosso tempo sobre a necessidade de Pastores como representantes políticos. Digo “à primeira vista” porque, em meu entendimento, existem dois tipos distintos de atuação política: a representação e a ação política. Para mim, a ação política exercida por um pastor dentro de seu rebanho é infinitamente mais valiosa do que sua representação solitária em uma Casa legislativa. Abandonar o ministério para assumir um mandato político é, na minha visão bíblica pessoal, como pisar e desprezar o mandato pastoral que o Senhor entregou.

Um pastor verdadeiramente chamado por Deus se assemelha ao profeta jovem que surgiu em Betel para anunciar o nascimento de Josias, da Casa de Davi, diante do rei Jeroboão, profetizando contra o altar idólatra. Quando o rei, irado, estendeu a mão contra o profeta, esta imediatamente se secou. Humilhado, clamou ao profeta por oração, e sua mão foi restaurada. Grato, o rei o convidou: “Vem comigo a minha casa, conforta-te, e eu te darei um presente”.

Mas o profeta respondeu: “Ainda que me desses a metade da tua casa, eu não iria contigo, nem comeria pão, nem beberia água neste lugar. Porque assim me ordenou o Senhor: Não comerás pão, nem beberás água, nem voltarás pelo mesmo caminho por onde vieste”. E o profeta partiu, obediente, voltando por outro caminho conforme a ordem divina.

Havia, porém, em Betel, um profeta velho. E esse profeta experiente, ao ouvir o que acontecera, selou seu jumento e foi ao encontro do homem de Deus. Encontrando-o sentado à sombra de um carvalho, perguntou: “És tu o homem de Deus que veio de Judá?”. Ele respondeu: “Eu sou”. Então o profeta velho insistiu: “Vem comigo para minha casa e come pão”.

O profeta jovem reafirmou: “Não posso. O Senhor me disse claramente que não deveria ficar nem comer neste lugar”. Mas o profeta velho replicou: “Ah! Também sou profeta como tu, e um anjo me falou pela palavra do Senhor, dizendo: ‘Faze-o voltar contigo para tua casa, para que coma pão e beba água’”. Mas aquilo era mentira. E assim, enganado, o jovem profeta voltou, comeu pão e bebeu água na casa dele.

E aconteceu que, depois de comer e beber, o homem de Deus partiu montado em seu jumento. No caminho, um leão o encontrou e o matou. E o estranho da cena é que tanto o jumento quanto o leão permaneceram ao lado do cadáver — uma imagem silenciosa, porém terrível, encontrada por todos que por ali passaram.

Como esse episódio se ajusta ao nosso momento político atual! Ele soa como um alerta aos homens de Deus que hoje estão “sentados à sombra do carvalho”: à sombra da ociosidade, à sombra do orgulho das conquistas passadas, à sombra da acomodação que se aproxima perigosamente do terraço onde Davi caiu em tentação. Ali, nessa sombra confortável, muitos têm sido abordados por vozes persuasivas, sedutoras, que soam espirituais mas desviam do caminho do Senhor.

É sob essa sombra que inúmeros pastores, evangelistas e bispos têm sido assediados nos últimos quinze anos. Ali, na penumbra, longe do sol, ecoam convites sedutores — discursos de “profetas velhos”, cheios de razões e justificativas “espirituais”: “Olha, eu também sou pastor, bispo, homem de Deus como você. Seu lugar não é no Deserto… você precisa ir para Brasília defender o povo, defender a Igreja Evangélica… volte, coma o pão e beba a água do Planalto!”.

E daí têm surgido escândalos, contradições e fisiologismos envolvendo homens que antes calçavam os sapatos do Evangelho, mas que os trocaram pelos “jumentos” do secularismo. Muitas igrejas estão de luto, olhando para o que restou daqueles que antes cuidavam do rebanho do Senhor: cadáveres espirituais cercados de leões e jumentos — uma metáfora triste, porém precisa, de sua queda.

A representação política está ao alcance de qualquer cidadão deste país. Mas não deveria ser o caminho daquele que possui verdadeira chamada para o santo ministério do Senhor. Se esse homem voltar atrás, o Senhor não terá prazer nele. É bom lembrar sempre disso — e guardar esse alerta com temor e tremor.

 

Publicação original em 2010.


O Fim do Mundo na Visão do Catolicismo

 

Perspectiva do purgatório

João Cruzué

A compreensão do “fim do mundo” difere de modo significativo entre o catolicismo e a perspectiva evangélico-pentecostal, ainda que ambas professem a volta gloriosa de Cristo, o juízo final e a consumação eterna. 

O catolicismo, influenciado majoritariamente por Santo Agostinho, entende o fim como um evento único, no qual Cristo retorna, julga e inaugura a eternidade — incluindo o papel do purgatório, que funciona como uma etapa de purificação anterior à visão beatífica. 

Já a teologia evangélico-pentecostal, fundamentada por autores como George Eldon Ladd e Stanley Horton, vê o fim como uma sequência cronológica de eventos proféticos, rejeitando totalmente o purgatório e afirmando que o destino final é selado exclusivamente nesta vida. Assim, embora converjam quanto ao triunfo final de Cristo, divergem quanto ao caminho que conduz a essa consumação.

No primeiro tema — a estrutura dos eventos finais — a visão evangélico-pentecostal entende que a história progride por fases definidas: o arrebatamento da Igreja, seguido pela Grande Tribulação, a segunda vinda visível de Cristo, o Milênio literal e, por fim, o Juízo Final. Essa sequência deriva de uma hermenêutica literal-gramatical, aplicada especialmente aos livros de Daniel e Apocalipse. Para autores como Ladd e Horton, esse encadeamento demonstra o agir progressivo de Deus na história e reforça a expectativa de vigilância da Igreja diante dos sinais escatológicos.

A visão católica, em contraste, sustenta que a consumação ocorre de modo unitário: Cristo retorna uma única vez, e nesse mesmo momento acontece a ressurreição geral e o juízo final. Essa interpretação, herdada principalmente do pensamento de Agostinho, absorve a ideia de que o “milênio” não é uma etapa futura literal, mas uma representação simbólica da era atual da Igreja. 

Nesse contexto aparece o purgatório, cuja doutrina começou a se formar entre os séculos II e IV, desenvolveu-se no pensamento patrístico (especialmente em Tertuliano e Orígenes) e ganhou estrutura definitiva com Agostinho. Ele entendeu que algumas almas, embora salvas, ainda necessitavam ser purificadas para entrar na presença de Deus. A doutrina foi consolidada no Concílio de Florença (1439) e no Concílio de Trento (século XVI), tornando-se parte formal da escatologia católica. Essa etapa intermediária contrasta diretamente com a visão evangélica, que rejeita qualquer possibilidade de purificação pós-morte.

Quanto ao milênio de Apocalipse 20 — a posição evangélico-pentecostal, inspirada em Ladd e Horton, interpreta o milênio como um período literal, no qual Cristo reina fisicamente sobre a Terra após derrotar o Anticristo. Esse reinado é visto como cumprimento das profecias dadas a Israel e como demonstração universal da autoridade messiânica. Para essa tradição, o milênio é uma etapa indispensável da narrativa escatológica.

Já a visão católica, fundamentada na leitura de Agostinho, entende o milênio como simbólico, representando o reinado espiritual de Cristo já presente na história por meio da Igreja. Assim, Apocalipse 20 não descreve uma fase futura da cronologia humana, mas um quadro teológico do triunfo de Cristo sobre o mal ao longo dos séculos. Essa postura reforça a ênfase católica na unidade e consumação final, sem a necessidade de um reinado terreno literal.

Sobre a interpretação do Apocalipse — também distingue profundamente as duas tradições. A teologia evangélico-pentecostal costuma ler o Apocalipse como uma revelação de eventos futuros concretos, incluindo a figura pessoal do Anticristo, a marca da besta, os juízos divinos e a batalha de Armagedom. Autores como Horton, John Walvoord e Charles Ryrie sustentam que grande parte da profecia permanece por se cumprir e deve ser interpretada literalmente.

Na tradição católica, guiada por Agostinho, Tomás de Aquino e reforçada por teólogos modernos como Joseph Ratzinger (Bento XVI), o Apocalipse é compreendido principalmente como um livro simbólico e espiritual, destinado a fortalecer a esperança dos fiéis. Suas imagens não são, em regra, um roteiro minucioso de eventos futuros, mas representações teológicas da luta da Igreja e do triunfo definitivo de Cristo sobre o mal.

Ambas as tradições afirmam a vitória eterna de Cristo, mas percorrem caminhos interpretativos profundamente diferentes. O catolicismo, influenciado por Agostinho, adota uma visão unitária, simbólica e sacramental, na qual o purgatório tem função purificadora e o milênio é visto de forma espiritual.  Já a teologia evangélico-pentecostal, influenciada por Ladd e Horton, defende uma escatologia cronológica, literal e progressiva, rejeitando o purgatório e enfatizando fases distintas até a consumação final. 

Assim, embora o destino último seja o mesmo — a plena restauração sob o senhorio de Cristo —, o percurso teológico até esse destino é descrito de maneira claramente distinta por cada tradição.


SP- 09/12/2025.