João Cruzué
À primeira vista, este texto destoa do pensamento predominante entre as muitas lideranças
evangélicas de nosso tempo sobre a necessidade de Pastores como representantes políticos. Digo “à primeira vista” porque, em meu
entendimento, existem dois tipos distintos de atuação política: a representação
e a ação política. Para mim, a ação política exercida por um pastor dentro de
seu rebanho é infinitamente mais valiosa do que sua representação solitária em
uma Casa legislativa. Abandonar o ministério para assumir um mandato político
é, na minha visão bíblica pessoal, como pisar e desprezar o mandato pastoral
que o Senhor entregou.
Um pastor verdadeiramente chamado
por Deus se assemelha ao profeta jovem que surgiu em Betel para anunciar o
nascimento de Josias, da Casa de Davi, diante do rei Jeroboão, profetizando
contra o altar idólatra. Quando o rei, irado, estendeu a mão contra o profeta,
esta imediatamente se secou. Humilhado, clamou ao profeta por oração, e sua mão
foi restaurada. Grato, o rei o convidou: “Vem comigo a minha casa, conforta-te,
e eu te darei um presente”.
Mas o profeta respondeu: “Ainda
que me desses a metade da tua casa, eu não iria contigo, nem comeria pão, nem
beberia água neste lugar. Porque assim me ordenou o Senhor: Não comerás pão,
nem beberás água, nem voltarás pelo mesmo caminho por onde vieste”. E o profeta
partiu, obediente, voltando por outro caminho conforme a ordem divina.
Havia, porém, em Betel, um
profeta velho. E esse profeta experiente, ao ouvir o que acontecera, selou seu
jumento e foi ao encontro do homem de Deus. Encontrando-o sentado à sombra de
um carvalho, perguntou: “És tu o homem de Deus que veio de Judá?”. Ele
respondeu: “Eu sou”. Então o profeta velho insistiu: “Vem comigo para minha
casa e come pão”.
O profeta jovem reafirmou: “Não
posso. O Senhor me disse claramente que não deveria ficar nem comer neste
lugar”. Mas o profeta velho replicou: “Ah! Também sou profeta como tu, e um
anjo me falou pela palavra do Senhor, dizendo: ‘Faze-o voltar contigo para tua
casa, para que coma pão e beba água’”. Mas aquilo era mentira. E assim,
enganado, o jovem profeta voltou, comeu pão e bebeu água na casa dele.
E aconteceu que, depois de comer
e beber, o homem de Deus partiu montado em seu jumento. No caminho, um leão o
encontrou e o matou. E o estranho da cena é que tanto o jumento quanto o leão
permaneceram ao lado do cadáver — uma imagem silenciosa, porém terrível,
encontrada por todos que por ali passaram.
Como esse episódio se ajusta ao
nosso momento político atual! Ele soa como um alerta aos homens de Deus que
hoje estão “sentados à sombra do carvalho”: à sombra da ociosidade, à sombra do
orgulho das conquistas passadas, à sombra da acomodação que se aproxima
perigosamente do terraço onde Davi caiu em tentação. Ali, nessa sombra
confortável, muitos têm sido abordados por vozes persuasivas, sedutoras, que
soam espirituais mas desviam do caminho do Senhor.
É sob essa sombra que inúmeros
pastores, evangelistas e bispos têm sido assediados nos últimos quinze anos.
Ali, na penumbra, longe do sol, ecoam convites sedutores — discursos de
“profetas velhos”, cheios de razões e justificativas “espirituais”: “Olha, eu
também sou pastor, bispo, homem de Deus como você. Seu lugar não é no Deserto…
você precisa ir para Brasília defender o povo, defender a Igreja Evangélica…
volte, coma o pão e beba a água do Planalto!”.
E daí têm surgido escândalos,
contradições e fisiologismos envolvendo homens que antes calçavam os sapatos do
Evangelho, mas que os trocaram pelos “jumentos” do secularismo. Muitas igrejas
estão de luto, olhando para o que restou daqueles que antes cuidavam do rebanho
do Senhor: cadáveres espirituais cercados de leões e jumentos — uma metáfora
triste, porém precisa, de sua queda.
A representação política está ao
alcance de qualquer cidadão deste país. Mas não deveria ser o caminho daquele
que possui verdadeira chamada para o santo ministério do Senhor. Se esse homem
voltar atrás, o Senhor não terá prazer nele. É bom lembrar sempre disso — e
guardar esse alerta com temor e tremor.