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terça-feira, dezembro 02, 2025

A Prisão de Pedro e o Rei Herodes

 

Pintura de Valdés Leal

João Cruzue

A segunda prisão de Pedro ocorre em um momento de intensa efervescência espiritual em Jerusalém, quando a Igreja crescia rapidamente por meio de sinais, curas e pregação pública no Pórtico de Salomão. Multidões chegavam da cidade e de aldeias vizinhas trazendo enfermos e oprimidos, e todos eram curados, o que conferia enorme legitimidade ao testemunho apostólico. Esse impacto provocou inquietação no sumo sacerdote e nos saduceus, que temiam perder autoridade religiosa e política. Dominados por “inveja” (zēlos), agiram para prender Pedro e demais apóstolos, colocando-os na prisão pública (tērēsis dēmosia). Aqui surge a grande tensão: dias antes, Tiago, irmão de João, fora morto por Herodes Agripa I; agora, Pedro é preso pelo mesmo ambiente hostil. Por que o primeiro morre e o segundo é preservado? Essa contradição aparente se torna central para entender a soberania divina e a missão apostólica.

Durante a noite, um anjo do Senhor intervém e liberta Pedro e os apóstolos, ordenando que voltem ao templo para ensinar. A ação sobrenatural não apenas reverte a ordem humana, mas demonstra que Deus conduz cada apóstolo segundo Seu próprio propósito. A morte de Tiago não representou abandono, e a libertação de Pedro não representa favoritismo; ambas fazem parte da economia divina em que Deus conduz Sua obra por caminhos variados. Tiago dá testemunho por meio do martírio; Pedro, por meio da continuidade pública da missão. A contradição aparente resolve-se quando se percebe que não há ausência de Deus na morte de um nem privilégio na vida de outro, mas finalidades diferentes para instrumentos diferentes.

Ao amanhecer, as autoridades descobrem que a prisão está lacrada, os guardas a postos, mas os apóstolos ausentes. A perplexidade do Sinédrio aumenta quando recebem a notícia de que Pedro e os outros estão novamente ensinando no templo. Conduzidos para novo interrogatório, são acusados de desobediência. Pedro responde com a célebre frase: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens.” Esse princípio ajuda a compreender por que Tiago morre e Pedro vive: a obediência não garante resultados idênticos, mas submete cada vida ao plano soberano de Deus. O foco não está na autopreservação, mas na fidelidade; e Deus escolhe, conforme Seu propósito, quando a fidelidade é testemunhada pela vida e quando é testemunhada pela morte.

No meio da deliberação do Sinédrio, Gamaliel intervém com prudência, lembrando que obras humanas desaparecem, mas obras divinas permanecem. Sua análise histórica aponta para a mesma verdade revelada na diferença entre Tiago e Pedro: Deus conduz Sua obra por caminhos que ultrapassam a lógica humana, permitindo que alguns concluam seu testemunho rapidamente, enquanto outros permanecem para funções específicas. Gamaliel não compreende completamente a fé cristã, mas intui que há algo maior do que cálculo político operando naqueles acontecimentos, pois a obra dos apóstolos não se comportava como um movimento humano comum.

Ao final, embora açoitados e proibidos de pregar, os apóstolos saem regozijando-se por sofrer pelo nome de Jesus e continuam diariamente no templo e nas casas. Pedro segue vivo — não por ser mais importante do que Tiago, mas porque sua missão ainda não estava concluída. Tiago morre — não por falta de proteção divina, mas porque seu martírio se torna semente para a Igreja. A tensão entre a morte de um e a libertação do outro ilumina a realidade profunda do Reino: Deus não se compromete com resultados uniformes, mas com finalidades eternas. Assim, a segunda prisão de Pedro nos ensina que a obra de Deus avança por meio de vidas preservadas e vidas ofertadas — ambas igualmente valiosas aos olhos daquele que dirige a história.





sábado, junho 26, 2010

Porque Jesus chamou 12 discípulos

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Disciple
Foto do ator Robert Powell, em "Jesus de Nazareth"

João Cruzué

Há vários argumentos que podem explicar bem as razões da chamada de cada um dos doze discípulos que Jesus, depois enviou para pregar o Evangelho do Reino. Neste pequeno texto eu quero abordar a comunhão. Jesus chamou os 12 para ensinar comunhão.

Comunhão para mim é estar junto, em perfeita harmonia com alguém. Jesus queria ensinar os primeiros passos da comunhão com Deus. O início de um relacionamento sincero com o Pai. A evolução deste relacionamento. As crises de relacionamento. As frustrações. A sensação de abandono. Os tempos difíceis. o Vale. O ponto de virada. Uma nova comunhão em um nível mais alto, mais íntimo. Jesus tinha um extensa grade curricular para ensinar de forma muito simples e peripatética os valores mais altos de uma comunhão com Deus.

Jesus chamou os 12 para estarem no dia a dia com Ele. Para aprenderem ouvindo e observando. Eram 12 jovens, provavelmente entre 30 e 40 anos. Tiveram que deixar tudo, para aprenderem a comungar com Ele. Mateus estava assentado na coletoria. Jesus passou e disse duas palavras: "Segue-me". E ele se levantou e O seguiu. A comunhão era a disciplina mais trabalhada e valorizada na "universidade" do Senhor Jesus Cristo.

Os 12 andaram com Jesus durante três anos. Costumeiramente subiam ao Templo em Jerusalém algumas vezes ao ano. Depois voltavam pelo caminho de Samaria em direção à Cafarnaum da Galileia. Indo para Jerusalém, Ele e seus discípulos pousavam na casa de Lázaro e suas irmãs, Marta e Maria. Ele ensinava e eles ouviam. Ele pregava às multidões e eles observavam. Ele expulsava os demônios e eles aprenderam sobre o valor do jejum e da oração. Ele orava frequentemente sozinho pelos montes. E eles sabiam disso.

Será que a comunhão é mesmo tão importante assim? Nos dias atuais não temos mais tempo para conversar uns com os outros. É tudo movido pela pressa. A tecnologia trouxe os computadores. Os computadores turbinaram a tecnologia. As redes de relacionamento ligam centenas de milhões de pessoas. "Nunca na história deste mundo" as pessoas se comunicaram tanto. Mas apenas se comunicam. Redes de relacionamento social são simples sinônimos de relacionamento superficial, onde cada um faz parte da coleção de alguém. Como coleção de figurinhas, selos... O recente filme de Bruce Willis, "Os Substitutos" é um bom exemplo disso. Nele as pessoas ficam deitadas em casa, enquanto seus avatares (robôs) de corpos sarados e esculturais saem para interagir na sociedade. À noite voltam, se recolhem em seus "cabides"e a pessoa real acorda cheia de pensamentos negativos e frustrações, porque a realidade é bem diferente da "virtualidade".

Evoluímos muito em tecnologia, mas estamos desaprendendo rapidamente como nos relacionarmos uns com os outros. O vizinho prefere passar o dia diante do computador e da TV. Ás vezes nem sabe que alguém em nossa casa está doente. E vice versa. Nossas Igrejas estão cheias de membros, que não fazem a mínima ideia do que se passa na casa e na vida familiar uns dos outros. Se vivemos em um ambiente de comunicação formal tão incipiente, estamos mesmo vivendo em comunhão uns com os outros? E se não temos mais comunhão uns com os outros, como podemos dizer que temos comunhão com Deus que nem vemos?

Eis o grande paradoxo: a Igreja que nasceu depois de um trabalho árduo de três anos de ensino sistemático de COMUNHÃO, agora não sabe mais o que isto seja.

Os planos estratégicos da Igreja de hoje está voltado para difusão massiva do conhecimento. Da letra. PhDs em Divindade. Veio-me uma imagem interessante: Um corpo com um cérebro enorme, mas um coração pequeno. A racionalização bem mostrada na parábola do "bom samaritano." Nunca fomos muito bons em lidar com muito conhecimento. Aliás, foi o marketing do saber ilimitado que atraiu a curiosidade de Eva e de tantos outros. Um alto conhecimento, via de regra, não leva a uma profunda comunhão. Talvez, eu creia, que seja pelo fermento da presunção humana ou da soberba, mesmo.

O momento atual da Igreja é de muita prosperidade material ímpar X uma pobreza sem tamanho de comunhão. Bom dia, boa tarde e a paz do Senhor, são apenas cumprimentos. Nas grandes cidades as famílias recolheram-se, isolaram-se. Uma Igreja constituída sobre estes pilares vai seguir o caminho do fracasso. Eu posso ver a ruptura nos olhares dos irmãos nos cultos de domingos. Os evangélicos somam ao redor de 25% da população brasileira, mas o que significa o termo "evangélico" hoje? Apenas um substantivo abstrato religioso. Um predicativo do sujeito.

Jesus chamou 12 discípulos para ensinar o valor da comunhão. E a dislexia dos pregadores de nosso tempo está ensinando humanismo. Secularismo. Um evangelho que agrada aos nossos ouvidos, mas que está desviado dos propósitos de Deus. O primeiro sinal disso, é que o Espírito Santo já saiu do dicionário de muitos pastores. O carro, o bom emprego, a "vitória" substituíram o batismo com o Espírito Santo. Os temas da prosperidade estão destruindo os pilares da comunhão das Igrejas. No final de um curso teológico, sabe-se de quase tudo, menos como praticar a comunhão diária com as pessoas e com Deus. A comunhão cristã é prática. Ela não é teórica.

Diante de tudo isso, como nos resguardar diante de tempos tão difíceis? Precisamos reaprender a ter comunhão uns com os outros. Planejar nosso tempo nos finais de semana, incluindo neles pelo menos uma visita aos vizinhos ou à comunidade. As Igrejas que não ensinarem a comunhão na prática vão desmoronar. Tive uma visão no passado, onde as colunas de uma Igreja estavam com os vergalhões quebrados e à mostra. Uma parte da laje, bem no local onde fica o Círculo de Oração tinha arriado. E uma voz dizia-me: Isto caiu, porque puseram pouco cimento.

A comunhão é o cimento que liga os "grãos de areia", a pedra e as armações das colunas de uma Igreja. Jesus começou investindo na comunhão. Ele poderia ter trazido à terra a melhor tecnologia, uma que em nosso século ainda não é conhecida, mas ele não fez isso. Ele não fundou uma escola de apóstolos.

Jesus chamou 12 discípulos para estarem com ele durante três anos. Para ver, ouvir, partir o pão, resistir ao preconceito e aprender o significado da palavra misericórdia. E Jesus fez assim, porque tinha comunhão com nosso Paizinho. Depois de 40 dias no deserto, em jejum e oração, praticando a comunhão com o Pai, resistindo às sugestões do diabo, Jesus conseguiu entender que projeto da fundação da Igreja tinha que começar com 12 homens unidos a Ele pela comunhão.


SP - 26.06.2010.




domingo, novembro 08, 2009

Pastor Joselito e as caçadoras de demônios


Monte da Tentacao
Monte da Tentação
João Cruzué

Faz algum tempo que não escrevo uma crônica, e para não perder de vez o estilo vou trazer hoje algo bem inusitado. Quer dizer, não tão inusitado assim, pois isto deve acontecer com bastante frequência por essa cidade batizada com o nome do grande apóstolo.

Tenho um amigo, quase parente, que vou chamar de Pastor Joselito. Ele tinha parentesco com minha cunhada, falecida no mês de maio passado. Homem de Deus. Animado. Sábio, bom de enxada, quero dizer, de encher Igrejas, lembrando daquela analogia do uso da pá e da enxada, muito conhecida no meio pastoral.

Certo dia, assim que colocara o garfo no prato, entrou uma senhora muito assustada pela porta. "Pastor, o senhor precisa nos ajudar." Eu e mais algumas irmãs estamos fazendo a "obra" e ao chegar na casa de uma pessoa, ela estava endemoninhada. Nós tentamos expulsar o demônio, mas está difícil! É ali na rua de baixo.

E o Pastor Joselito largou o prato e vai até a rua de baixo. "Sai demônio desta vida. Em nome de Jesus." O demônio caiu fora, sem resistência. Eo pastor voltou para sua casa, mas já encontrou o prato frio. Mas o assunto não ia ficar assim...

Uma semana depois, aparece de novo a mesma irmã. Pastor, corre de novo lá embaixo para nos ajudar. O inimigo está furioso. Nós viemos em consagração, mas o inimigo não quer sair de jeito nenhum!

Surpreso, ele perguntou: O que está acontecendo; porque as senhoras procurando por demônios?

--Ah, pastor depois daquele dia nós voltamos para casa e fomos nos consagrar. Voltamos naquela casa para ver se o demônio tinha voltado. E a mulher estava com cara feia, e nós dissemos: Sai demônio, pois desta vez nós estamos com nossa vida consagrada.

Aborrecido, o Pastor Joselito desceu outra vez à rua.

A casa estava em grande reboliço. Eram panelas voando pela janela, e mulheres rolando pela porta. Um barulhão que chamava atenção de um monte de curiosos. O Pastor entrou e viu aquela cena costumeira. Três senhoras segurando no "demônio." Duas nos cabelos. A mulher esperneava, chutava, mordia e urrava com um voz rouca cavernosa. Uma irmã já estava com um "maço" de cabelo dela na mão. A coisa está muito feia.

--Irmãs, parem em nome de Jesus! Eu vou orar, e Jesus vai expulsar este demônio, mas as senhoras façam-me um favor: vão arranjar serviço nas suas casas. e parem de perturbar as pessoas. Da próxima vez que saírem por aí atrás de demônios, vai ser por conta de vocês.

--Sai demônio, em nome de Jesus. O demônio saiu. A senhora ficou liberta, e o grupo que tinha se "consagrado" uma semana inteira, bateu em retirada de cabeça baixa.

É provável que elas não lessem a Bíblia. Em Lucas 10:20, diz que, quando os discípulos de Jesus voltaram muito alegres, contando suas proezas ao expelir demônios, Jesus os repreendeu quando disse: Não vos alegreis porque se vos submetem os espíritos; alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus."

Moral da história: Isto significa que o foco dos discípulos estava distorcido. A pregação das Boas Novas do Reino de Deus e de sua justiça era e é objetivo principal da grande comissão. Expulsar demônios, apenas uma das consequências do ministério.




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