sábado, fevereiro 09, 2013

A máquina do tempo e secularização dos costumes cristãos


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João Cruzué

Estive conversando com um irmão pentecostal indiano esta semana e ouvi algumas coisas interessantes sobre os pentecostais daquele país. Ele se admirou com a semelhança de costumes quando eu falei dos padrões de conduta e costumes dos pentecostais brasileiros dos anos 60's e 70's. E ele me disse que na Índia esses padrões, que ele chamou de ascetismo, iam um pouco mais além. Então eu comecei a analisar o quanto mudou os padrões evangélicos no Brasil, principalmente o pentecostal nestes últimos 40 anos. E as mudanças foram principalmente fisiológicas e doutrinárias.

 pentecostais na índia que se propuseram a radicalizar sobre usos e costumes. Rejeitam o uso de qualquer calçado, andando com os pés no chão. Nas reuniões não usam esteiras, bancos ou cadeiras como assento. Simplesmente assentam-se no chão. Coisas desse gênero.

No Brasil, soube de tempos que o uso do chapéu (e da bengala) eram obrigatórios. Alcancei o tempo da aversão aos paletós com abertura (rachados) atrás. Da exclusão pela compra e uso de um televisor (e rádio) em casa. Quantas jovens, eu presenciei, foram disciplinadas por ter aparado as pontas do cabelo, etc, etc, etc.

Sabemos que esse tipo de ascetimo, embora muito louvado, não faz da pessoa um cristão, embora um cristão de verdade possa se submeter a esses padrões por obediência à palavra de Deus. Mas não quero focar o texto em padrões de usos e costumes, embora os bons costumes devam ser encorajados. Desejo convidá-lo a pensar sobre a grande mudança que está acontecendo com a igreja evangélica brasileira, notadamente a pentecostal, quanto ao abandono dos princípios cristãos.

Gostaria de comentar o que está acontecendo com o princípio do temor de Deus. Fiquei muito admirado ao ver pastores de grande liderança pentecostal, já em idade avançada, trocar ou estão buscando a troca do púlpito pela tribuna de uma casa legislativa qualquer. A profanação e a relativização do sagrado pelo desejo de exercer o poder no mundo. E a perda desse temor está justamente em: "Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele."

Minha mãe certa vez foi limpar um guarda-roupa. Ela encontrou alguns velhos cobertores e decidiu estendê-los no varal; ficou muito desapontada, quando percebeu que um "ninho" de cupins havia se instalado neles. Pela frente, não havia nem um sinal de cupins; olhando pelos lados, os cobertores estavam perfeitos, mas quando foram erguidos do lugar, o estrago estava por trás.

O povo evangélico de nosso país está surpreso. Decepcionado. Entre ele, me encontro. Decepcionado com a perda de muitos referenciais evangélicos, que se têm mostrado muito mais apaixonados e interessados pela política do que permanecer como paradigmas das gerações mais jovens. O que minhas filhas vão dizer quando aquele pastor presidente de um grande ministério da Assembléia de Deus trocou a palavra pelo discurso, o púlpito pela tribuna, o nome de "Irmão" pelo de "Excelência", sob o pretexto de "defender" os princípios cristãos contra o laicismo e os homossexuais? E o que dizer da enxurrada de "pastores", "bispos" e "apóstolos" que seguiram esse tipo de mau exemplo e estão correndo em desvario atrás de um cargo público que lhes dê mais ostentação?

Para onde estão indo os referenciais de nossa Igreja? E para onde vai a vida espiritual de nossos filhos e netos que já descobriram que eles são obreiros fraudulentos? Hipócritas que não guardaram o testemunho daquilo que pregaram e exigiram dos membros das igrejas, e até excluíram muitas famílias em nome de uma "santidade" que estão pisando agora?

E o que farão agora centenas e milhares de obreiros que sempre honraram e obedeceram estes referenciais que agora se mostram corrompidos de juízo e secos de amor ao Senhor? Vão continuar tranquilos e sustentando o insustentável?

Caro leitor, vou dizer apenas mais uma "coisinha" antes de parar por aqui. Meu irmão indiano me disse que uma das razões (postagem anterior) pela qual sua mãe decidiu ser uma cristã pentecostal, foi a atitude de uma irmã bem simples, que decidiu passar a noite em claro, com ela, no quarto de um hospital, assistindo um marido morrendo de câncer. Solidariedade.

Amor cristão. Quero perguntar e desejo ouvir uma resposta sincera: você tem visto solidariedade nos referenciais de sua Igreja? E uma pergunta ainda mais desconcertante: Valeria a pena ser solidário a alguém com o propósito de atraí-lo a congregar numa igreja dessas? O que essa pessoa iria aprender em uma Igreja onde os valores cristãos de seus referenciais já foram "bichados" por "cupins" e em seus corações a glória desse mundo é muito mais desejada?

Jesus, se eu estiver vendo as coisas de forma errada, o Senhor me perdoa, pois eu não consigo ver de forma diferente. Para mim, o lugar de um pastor presidente é à frente do Ministério. O Lugar de um Bispo, é à frente de uma Igreja. Brasília, pode ser o lugar de muitos crentes. Não de um Bispo ou de um presidente de um campo. A menos que ele não queira mais o cajado.

Os meus antigos referenciais não mais me servem de referência. Eles trocaram seus ministérios de pastores e bispos por cargos de deputados e senadores. Eles foram tentados e caíram, onde Jesus não caiu. E a cada ano eleitoral, estão fazendo mais "discípulos"

Graças a Deus que isto não me surpreende, pois já venho me decepcionando há muitos anos. Mas onde estão os referenciais da Igreja para meus filhos e neto? Se eles me perguntarem, vou dizer que estão de mudança para Brasília!






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A inevitável expansão da cracolândia


Photo: Daylife

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A luz da queima do crack


JOÃO CRUZUÉ

Reportagem/Olhar/ 28.08.2010.


SÃO PAULO - Até o final dos anos 80s, a região próxima à Estação da Luz, compreendida pelo polígono das Avenidas Duque de Caxias, Barão do Rio Branco, Ipiranga e Rua Mauá, formava a zona de meretrício conhecida como "boca do lixo". De uns 20 anos para cá aquele lugar se tornou o berço da cracolândia, um portal do inferno de onde saíram  os demônios para desgraçar milhares de vidas, não importa em que berço nasceram.

Com a perda gradual do fluxo de viajantes que antes desciam na Rodoviária velha, Estações Júlio Prestes e Luz, a "boca do lixo" minguou. O "mercado" do meretrício foi sendo substituído a partir dos anos 90s, pela "boca de fumo" do crack - uma nova e devastadora droga feita com restos de cocaína e bicarbonato. No plano espiritual, um velho processo demoníaco de destruição foi substituído por outro muito mais destrutivo, que reage contra os poderes público e religioso que não sabem como, nem encontram as armas para enfrentá-lo. A cracolândia está saindo da "boca do lixo" para se tornar hoje um fenômeno nacional - de São Paulo para todas as grandes, médias cidades brasileiras.

Em 1978, Caetano Veloso escreveu os versos de SAMPA. "Alguma coisa acontece no meu coração/que só quando cruzo a Ipiranga e a Avenida São João"... Ele também disse: "da feia fumaça que sobe apagando as estrelas". Se ele voltasse ao mesmo local em 2010, não iria mais encontrar a "deselegância discreta das tuas meninas", mas grupos de "noias" maltrapilhos perambulando pela noite à volta daquela esquina. Também iria ter uma grande surpresa sobre a "fumaça que encobria as estrelas". Hoje as "estrelas" brilham no chão da cracolândia pela luz dos isqueirinhos baratos acendendo o crack.

Em 2005, o prefeito da cidade de São Paulo, Sr. Gilberto Kassab, anunciou um plano novo de revitalização para o entorno da Estação da Luz. E para construir um factóide publicitário, mandou demolir um prédio velho, que ele considerava  o símbolo da cracolândia. Assim o prefeito "decretou" o fim da cracolândia.

Mas a cracolândia transcende o plano físico tendo suas raízes no mundo espiritual. É mais forte que a organização do poder público. Ela não foi destruída; nem se tornou uma "página virada" como afirmou Kassab de volta ao local em 2007. Ao contrário, a publicidade produziu sua expansão. Sua globalização. A cracolândia paulistana agora é conhecida da imprensa mundial e as fotos dos viciados e os uploads no YouTube de "noias" acendendo o crack em seus cachimbos correm o mundo.

Se antes a presença dos "noias" (como são chamados os usuários de crack) era restrita ao endereço antigo, hoje eles podem ser vistos, em bandos ou em pequenos grupos, à noite, por todo o Centro de São Paulo. Eles estão na Rua 7 de Abril; na Av. São Joao em frente ao Edifício Andraus - sede da Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Paulo; na Av.São João - em frete à sede mundial da Igreja Internacional da Graça de Deus; no Largo São Francisco - à frente da maior Faculdade de Direito do país; no Pátio do Colégio - onde se iniciou a grande Metróle, na Praça da Sé - sede do poder religioso romano, na Rua José Bonifácio, nas ruas próximas ao Parque Dom Pedro, debaixo dos viadutos, no começo da Avenida 9 de Julho, ao lado da Casa do Pequeno Trabalhador. Até na porta da loja do Pastor Silas, no Prédio do Tribunal de Alçada Civil, na Praça Padre Manoel da Nóbrega, tenho visto viciados dormindo. Na praça Princesa Isabel, debaixo das marquises da Primeira Igreja Batista de São Paulo - também!

Poucos podem estar apercebidos, mas o que Deus está falando com a sociedade através da presença destas infelizes criaturas deitados à porta destas instituições?

Ao ser fustigada pelo poder municipal, ela foi buscar novas áreas. Como um bolo do centro para às bordas, a Cracolândia está "povoando" todas as ruas e avenidas do Centro de São Paulo. Ano passado, ao atravessar a Praça da República pelo meio do parque, em frente a uma escola pública, passei junto a uma "nuvem" de adolescentes em completo frenesi; à luz do meio-dia, porque o crack acabara de chegar. Foi uma visão de algo indescritível. Quem vê, mesmo que não queira, vai me dar razão, quando eu digo que o efeito pré e pós crack é um quadro vivo do inferno. Um processo demoníaco de destruição humana.

A cracolândia é um processo demoníaco porque o poder público é impotente para tratar o viciado. Primeiro porque as leis não permitem que uma pessoa possa ser tratada sem sua aquiescência. Segundo porque ela nunca vai querer sair deste processo cego. Está sendo destruída em vida, mas seus sentidos físicos lhe enganam. Ela se sente no céu, queimando viva no inferno. A publicidade o poder público paulistano lhe deu tem dois efeitos: horror e curiosidade. O "anzol" do crack sempre fisga na primeira "beliscada" diferentemente das outras drogas, onde a dependência é tardia.

Tratar viciados em crack não dá ibope para Igrejas Evangélicas do Centro de São Paulo. Elas criam projetos para a Cracolândia, mas não há investimentos e talvez não funcione, porque depende da vontade do viciado querer ou não, se tratar. Por enquanto ainda não surgiu nenhum "David Wilkerson" para enfrentar Cracolândia de dentro para fora, a partir do reino espiritual. Minha formação pentecostal me diz que este processo demoníaco é organizado e mantém um projeto de alcance nacional. Uma cracolândia em cada grande cidade deste país.

Esta a minha percepção. Trabalhei no Centro de São Paulo na década de 70, 80 e voltei a trabalhar ali nesses últimos dois anos.

Se não houver alguma mudança nas leis deste país que possibilite a internação compulsória de usuários de crack, o poder público vai continuar de mãos atadas. Se as Igrejas deixarem um pouco de lado a política e voltarem a praticar a solidariedade e o amor quem sabe teremos a solução para estas mazelas?

A cracolândia está em franca expansão. Ela é uma resposta ao materialismo social, à insensibilidade das Igrejas, à corrupção e fisiologismo dos políticos e  ao esquecimento dos valores cristãos.

Recentemente (final de 2012) o Governador Alckmin concebeu um projeto para internar compulsoriamente e tratar dos noias que perderam o controle de suas vidas. A procura foi tanta e o que o governo tinha a oferecer era tão pouco, que a boa notícia se converteu em uma grande frustração, tanto para viciados que procuraram por ajuda, quanto por familiares que buscavam tratamento para seus entes.

Diga-me com sinceridade, diante da ação da sociedade e dos poderes constituídos, inclusive o religioso, você vê alguma perspectiva promissora de combate e vitória sobre as cracolândias que estão brotando neste momento pelo Brasil? 

Na minha opinião, todos nós precisamos fazer uma releitura daquele famoso sermão do Pr. Martin Luther King, chamado Redescobrindo os Valores Perdidos .



* Noia é nome do usuário de crack
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