Cruzando o Mar da Galiléia
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João Cruzué------------------------------------------------------------------------------------
"De que se queixa, pois, o homem vivente?
Queixe-se cada um dos seus pecados."
Lamentações 3.39------------------------------------------------------------
Quero refletir um pouco sobre as dificuldades de orientação que nós cristãos, já conhecedores da Palavra, enfrentamos ao ficar insatisfeitos pensando na Igreja perfeita, um porto seguro para congregar com a família em tempos tão profanos. Um dilema bastante comum em nossos dias.
A Igreja do Senhor é perfeita, todavia, constituída de membros imperfeitos que por opção pessoal podem ser lapidados ou não pela palavra. Não sei porquê, mas por duas vezes Ernest Hemingway passou pela minha mente quando dei título ao post, e neste parágrafo em particular, lembrei-me daquele prefácio do pastor anglicano John Donne no Livro "Por Quem os Sinos Dobram":
“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
O individualismo hoje tem um viés mais forte que nunca e o isolamento pode alimentar em nós uma profunda insatisfação com a própria Igreja. É neste ponto que começamos a ver no próximo os defeitos que na verdade estão presentes em nós.
Certa vez Jesus ordenou aos discípulos que cruzassem o "Mar" da Galiléia, enquanto ele ficou para trás. Foi orar. Interessante: Se Jesus era Deus, por que precisava orar? A resposta que encontrei foi: Pelo prazer da comunhão; de estar em contato com o Pai. Há uma didática (antiga) neste hábito: Se o que era perfeito buscava comunhão para suas orientações diárias, então, nós cristãos por mais "sabidos" que somos, também necessitamos da mesma disciplina, para manter viva a mesma comunhão.
Os discípulos corriam perigo. O Senhor os viu em plena luta e os socorreu. Entrou no barco, repreendeu o vento e mandou que o mar se calasse. Há muitos cristãos à deriva, açoitados pela força do vento e fustigados pela fúria do mar. O vento das novidades, o mar do secularismo e a fúria de um olhar crítico. Ficamos insatisfeitos e esta insatisfação tanto pode ser benéfica quanto perigosa, dependendo do caminho que tomarmos.
A crise de identidade evangélica pode nos levar a um aumento da sede de comunhão com o Senhor. Neste sentido, é Deus quem nos coloca no barco e manda que atravessemos o mar. Embora não esteja no barco o tempo todo, Ele observa atentamente. Isso produz experiência, crescimento, e desejo de maior comunhão.
Outro tipo de crise de insatisfação pode nos açoitar - como aconteceu com o filho pródigo. Esta não produz sede de oração nem desejo de comunhão com Deus. Ela é perigosa, pois nossos olhos focam apenas os defeitos naquilo que observam: Excesso de ortodoxia, liturgias adormecedoras, pastores ignorantes, antagonistas em lugar de irmãos, teologia da prosperidade entrando e saindo dos púlpitos, política secular ocupando mais o tempo pastoral que planos de evangelizção. Nesse ponto, o mundo começa a parecer mais justo que a própria Igreja. Aqui mora o perigo.
Não havia nada errado com com a casa do Filho Pródigo. O coração do moço foi sendo envenenado aos poucos pelo seu (ou de outrem) pensamento crítico exagerado. Sua insatisfação pessoal o levou ao desvario, depois ao desvio, ao desperdício e à derrota. Creio que foram as orações do Pai que o trouxe de volta, pois coube ao jovem o benefício da inexperiência.
A insatisfação de cristãos experientes pode ser mais complexa. E tanto mais perigosa. É a insatisfação do filho mais velho da mesma parábola. Ele começou a criticar a justiça do próprio pai.
Eu fico pensando. É bem possível que a causa do "envenenamento" da mente do irmão caçula pode ter sido as críticas do primogênito. E esta também pode ser a mesma explicação para tantos filhos de crentes que tomam o destino do mundo, envenenados pelo criticismo dos mais velhos, que se parecem mais com o "acusador" de Jó.
Se por um lado é difícil encontrar a Igreja perfeita, aquela que possa satisfazer o gosto de cada um, por outro, o conhecimento bíblico de lidar com a situação já faz parte da bagagem. Se Jesus, que era muito mais experiente e sábio, tinha seus problemas de orientação e solidão e os resolvia através de mais comunhão, não há outro caminho senão buscá-la através de orações individuais ou em cultos domésticos.
O Senhor era profundo conhecedor dos corações e da hipocrisia humana. Não desperdiçava seu tempo anotando defeitos, nem murmurando das pessoas, nem jogando-lhes na face os pecados. Por então um crente deveria adotar este comportamento mesquinho? O diabo sim, quando nos vê, só comenta coisas ruins. Jesus não é assim: Ele nos vê com olhos compassivos. Ainda que tivéssemos mil defeitos e apenas uma virtude, é sobre ela que Ele focaria seus olhos para nos animar.
O mar está revolto por causa da fúria do vento? O barco está fazendo água e parece cada vez menor diante das ondas do mar? Quem sabe a solução não esteja em abandonar o barco, mas em trazer Jesus para dentro dele?
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O mar está revolto por causa da fúria do vento? O barco está fazendo água e parece cada vez menor diante das ondas do mar? Quem sabe a solução não esteja em abandonar o barco, mas em trazer Jesus para dentro dele?
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