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sábado, dezembro 27, 2025

Estudo sobre a Lepra - Hanseníase


Os 10 Leprosos

Pesquisa de João Cruzué

A hanseníase (antigamente chamada de lepra) é uma doença infecciosa crônica que ainda existe hoje, mas tem cura e, quando tratada cedo, quase sempre evita sequelas permanentes. Organização Mundial da Saúde+1

1. O que é hanseníase?

A hanseníase é uma doença causada por bactérias do gênero Mycobacterium leprae (e, em alguns casos, M. lepromatosis). São bacilos de crescimento muito lento, que atacam principalmente:

Ela é considerada uma doença infecciosa crônica e negligenciada: ainda causa sofrimento e incapacidade em países de baixa e média renda, apesar de existirem diagnóstico e tratamento eficazes há décadas. Wiley Online Library+1

O termo “lepra” é cada vez menos usado na medicina por causa do estigma histórico associado à doença — isolamento compulsório, discriminação religiosa e social. O termo “hanseníase” (do médico norueguês Gerhard Hansen, que identificou o bacilo em 1873) é preferido para reduzir preconceito e reforçar a ideia de que se trata de uma doença tratável e curável. SciELO+1


2. Agente etiológico e fisiopatologia

2.1. A bactéria

  • Mycobacterium leprae é uma micobactéria “parente” do bacilo da tuberculose, ácido-álcool resistente, que cresce muito lentamente (tempo de duplicação de cerca de 12–14 dias).

  • Ela tem enorme preferência por células de Schwann (que envolvem os nervos periféricos) e por áreas do corpo com temperatura mais baixa, como orelhas, extremidades das mãos e dos pés. Anais de Dermatologia+1

Esse tropismo explica por que a hanseníase é, principalmente, uma neuropatia infecciosa com manifestações na pele.

2.2. Resposta imunológica e espectro da doença

A forma como o organismo reage à bactéria determina um espectro clínico:

  • Pessoas com resposta imune celular forte (Th1) tendem a limitar a multiplicação do bacilo → formas tuberculoides, com poucas lesões, bacilos escassos e doença mais localizada.

  • Pessoas com resposta humoral predominante (Th2) não conseguem controlar bem a infecção → formas lepromatosas, com muitos bacilos, lesões extensas e maior risco de transmissão e complicações. Anais de Dermatologia+1

Entre esses extremos, existem formas intermediárias (borderline). Essa visão “espectral” é a base da clássica classificação de Ridley–Jopling (TT, BT, BB, BL, LL). International Textbook of Leprosy+1


3. Incubação e formas de transmissão

3.1. Período de incubação

A hanseníase tem incubação longa: em média cerca de 5 anos, podendo chegar a mais de 10–20 anos entre a infecção e o aparecimento dos primeiros sintomas. Organização Mundial da Saúde+1

3.2. Como se transmite?

A evidência científica atual indica que:

  • A principal via de transmissão são gotículas respiratórias (aerossóis) da boca e do nariz de pessoas com hanseníase multibacilar não tratada, durante contato próximo e prolongado (familiares, convivência diária etc.). PMC+3Organização Mundial da Saúde+3Don't Forget the Bubbles+3

  • A doença não é altamente contagiosa: mais de 95% das pessoas têm imunidade natural e nunca desenvolvem hanseníase, mesmo que entrem em contato com a bactéria. Don't Forget the Bubbles+1

  • Há evidência de transmissão zoonótica em situações específicas (por exemplo, contato intenso com tatus em certas regiões dos EUA) e possibilidade de reservatórios ambientais, mas isso ainda é menos relevante que a transmissão humano-humano. Leprosy Review+2ResearchGate+2

Importante: pessoas em tratamento com poliquimioterapia (PQT/MDT) deixam de transmitir a doença após poucas doses, embora precisem terminar todo o esquema para ficar curadas. Organização Pan-Americana da Saúde+2Saúde NT+2


4. Epidemiologia global e no Brasil

4.1. Situação mundial

Dados da OMS mostram que, em 2023, foram notificados cerca de 182.815 novos casos de hanseníase no mundo, com registros em todas as seis regiões da OMS. Organização Mundial da Saúde+1

Apesar da redução de incidência nas últimas décadas, a doença ainda é considerada problema de saúde pública em vários países, principalmente no sul e sudeste da Ásia, na África e nas Américas. Organização Mundial da Saúde+1

4.2. Situação nas Américas e no Brasil

  • Nas Américas, em 2023 foram registrados cerca de 24–25 mil novos casos, o que corresponde a aproximadamente 13–14% do total mundial.

  • Mais de 90% desses casos ocorreram no Brasil, que é o país com maior número de casos na região e o segundo no mundo. OPAS+2OPAS+2

Estudos de carga global da doença mostram que, de 1990 a 2019, houve redução na incidência e na prevalência no Brasil, mas a hanseníase continua concentrada em regiões com piores indicadores socioeconômicos, revelando forte relação com pobreza, saneamento deficiente e acesso limitado aos serviços de saúde. ScienceDirect+1


5. Manifestações clínicas

A hanseníase é conhecida como doença neurocutânea, porque os sintomas mais importantes envolvem pele e nervos periféricos. A apresentação pode variar bastante, mas alguns elementos são clássicos:

5.1. Sinais na pele

  • Manchas (máculas ou placas) na pele que podem ser mais claras que o tom normal, avermelhadas ou acastanhadas

  • Essas lesões podem ter:

    • alteração ou perda da sensibilidade (tato, dor, calor/frio)

    • diminuição de pelos e de suor na região

  • Em formas mais avançadas, surgem lesões maiores e múltiplas, distribuídas pelo corpo. Organização Pan-Americana da Saúde+2NCBI+2

5.2. Comprometimento neural

A infecção dos nervos periféricos pode levar a:

  • dormência ou formigamento em mãos e pés

  • fraqueza muscular (dificuldade de segurar objetos, “pé caído”)

  • espessamento palpável de nervos periféricos (como ulnar, tibial posterior, fibular comum) NCBI+1

Se não tratada, a neuropatia pode evoluir para incapacidades físicas (dificuldade para andar, deformidades, úlceras crônicas em pés e mãos). Os serviços de saúde classificam a gravidade em graus de incapacidade (0, I, II) para monitorar o impacto da doença. Revista Mundo da Saúde+1

5.3. Reações hansênicas

Mesmo durante o tratamento, alguns pacientes apresentam episódios chamados reações hansênicas, que são “tempestades imunológicas” agudas:

  • Reação tipo 1 (reversa) – geralmente em formas borderline, com inflamação de lesões pré-existentes e nervos.

  • Reação tipo 2 (eritema nodoso hansênico) – mais comum em formas lepromatosas, com nódulos dolorosos, febre e comprometimento sistêmico. www.elsevier.com+1

Esses episódios exigem manejo médico cuidadoso (frequentemente com corticoides ou outros imunomoduladores) para evitar danos permanentes aos nervos.


6. Classificações: Ridley–Jopling e classificação operacional da OMS

6.1. Ridley–Jopling (espectral)

Baseada em critérios clínicos, histopatológicos, bacteriológicos e imunológicos, divide a doença em: International Textbook of Leprosy+1

  • TT – Tuberculoide polar

  • BT – Borderline tuberculoide

  • BB – Borderline borderline

  • BL – Borderline lepromatosa

  • LL – Lepromatosa polar

Essa classificação é muito útil em pesquisa e em serviços especializados, porque se relaciona diretamente com o tipo de resposta imune e com o número de bacilos.

6.2. Classificação operacional da OMS (PB vs MB)

Para fins de tratamento em serviços de rotina, a OMS adotou um sistema mais simples: IJID Online+3Organização Mundial da Saúde+3SciELO+3

  • Paucibacilar (PB):

    • até 5 lesões de pele e, em geral, baciloscopia negativa;

    • menor carga bacilar.

  • Multibacilar (MB):

    • 6 ou mais lesões de pele e/ou múltiplos nervos afetados, com maior probabilidade de baciloscopia positiva;

    • maior carga bacilar e maior potencial de transmissão.

Essa classificação é simples e facilita definir o esquema de tratamento em programas de controle.


7. Diagnóstico

O diagnóstico da hanseníase é, acima de tudo, clínico, reforçado por exames complementares.

7.1. Critérios clínicos principais

Manuais de referência consideram suspeita forte de hanseníase quando há: International Textbook of Leprosy+2International Textbook of Leprosy+2

  1. Lesão(ões) de pele com:

    • alteração ou perda de sensibilidade, e/ou

    • alteração de pelos e suor;

  2. Espessamento de nervos periféricos, com alteração sensitiva ou motora;

  3. Comprometimento de nervos com queixas neurológicas compatíveis, mesmo sem lesões de pele claras.

7.2. Exames complementares

  • Baciloscopia: raspado dérmico de lesões ou lóbulos de orelha, corado por Ziehl–Neelsen, para pesquisar bacilos álcool-ácido resistentes. Georgia Department of Public Health+1

  • Biópsia de pele ou nervo: mostra padrão histológico compatível com o espectro de Ridley–Jopling e presença de bacilos. International Textbook of Leprosy+1

  • Testes moleculares (PCR): usados em alguns centros de referência para detectar DNA de M. leprae, especialmente em casos duvidosos. PMC+1


8. Tratamento: poliquimioterapia (PQT/MDT)

8.1. Esquemas clássicos da OMS

Desde a década de 1980, a OMS recomenda a poliquimioterapia (MDT), que combina três antibióticos: rifampicina, dapsona e clofazimina. HPSC+4Organização Mundial da Saúde+4Organização Pan-Americana da Saúde+4

A duração varia conforme a classificação operacional:

  • Paucibacilar (PB):

    • tratamento por 6 meses, com doses supervisionadas mensais de rifampicina e dapsona + uso diário de dapsona;

  • Multibacilar (MB):

    • tratamento por 12 meses (em alguns protocolos até 18–24 meses), com doses mensais de rifampicina + clofazimina e uso diário de dapsona + clofazimina. Anais de Dermatologia+2HPSC+2

A multidroga é altamente eficaz, com baixas taxas de recidiva quando usada corretamente. Estudos de seguimento de longo prazo em centros de referência brasileiros mostram taxas de recaída muito baixas depois de 12 doses em hanseníase multibacilar. Nature+1

8.2. Novas abordagens terapêuticas

Pesquisas recentes em revistas brasileiras de doenças infecciosas discutem novos esquemas, como o regime RIMOXCLAMIN, focado em recuperação de sensibilidade e possivelmente regimes mais curtos ou alternativos, ainda em avaliação. Revista de Doenças Infecciosas+1

Por enquanto, porém, a base do tratamento continua sendo a PQT/MDT padronizada pela OMS.


9. Prevenção, profilaxia e BCG

9.1. Diagnóstico precoce e tratamento

A estratégia central de controle da hanseníase é diagnosticar cedo e tratar corretamente todos os casos, o que: Organização Mundial da Saúde+2OPAS+2

  • interrompe a cadeia de transmissão;

  • previne incapacidades físicas;

  • reduz o estigma.

9.2. Contatos e dose única de rifampicina (SDR-PEP)

Nos últimos anos, ganhou força a profilaxia pós-exposição em contatos próximos de pacientes, com uma única dose de rifampicina (SDR-PEP):

  • Ensaios clínicos e revisões mostram redução de cerca de 50–60% do risco de adoecer nos primeiros anos entre contatos que recebem SDR. PLOS+3Leprosy Review+3JBI+3

  • Por isso, as Diretrizes da OMS (2018 em diante) recomendam SDR-PEP para contatos elegíveis, como parte da estratégia global 2021–2030 para eliminação da hanseníase. Iris+2Organização Mundial da Saúde+2

A aplicação é feita de forma organizada pelos serviços de saúde, sempre após descartar doença ativa e tuberculose nos contatos.

9.3. Vacina BCG

Embora a vacina BCG tenha sido criada para prevenir tuberculose, diversos estudos mostram que ela também oferece proteção parcial contra hanseníase, com eficácia variando aproximadamente entre 18% e 90% conforme o estudo e o contexto. Revistas UniCesumar+4The Lancet+4Revista Ind. de Dermatologia+4

Por isso:

  • em países endêmicos, recomenda-se manter a BCG no calendário vacinal;

  • em muitos programas, contatos intradomiciliares de pacientes de hanseníase recebem BCG adicional, dependendo das normas nacionais.


10. Impacto psicossocial e estigma

Além dos aspectos biológicos, a hanseníase tem enorme impacto social e psicológico:

As estratégias atuais de controle da doença incorporam:

  • educação em saúde para a população

  • combate a preconceitos

  • proteção dos direitos humanos e inclusão social de pessoas que tiveram hanseníase


11. Prognóstico

Com diagnóstico precoce e adesão ao tratamento:

  • a maioria dos pacientes é curada sem sequelas;

  • a mortalidade diretamente ligada à hanseníase é baixa;

  • os principais problemas são as incapacidades físicas, que podem ser evitadas com tratamento e reabilitação apropriados (fisioterapia, órteses, cuidado com pés e mãos). Leprosy Review+2Revista de Saúde e Ciências Biomédicas+2


12. Resumo:

  • Hanseníase é uma doença infecciosa crônica causada por M. leprae, que afeta pele e nervos periféricos.

  • A transmissão ocorre principalmente por gotículas respiratórias, em contato próximo e prolongado com pessoas multibacilares não tratadas.

  • Ela não é altamente contagiosa e tem cura com poliquimioterapia (rifampicina, dapsona, clofazimina), oferecida gratuitamente em programas nacionais e recomendada pela OMS.

  • A classificação em paucibacilar e multibacilar orienta o tempo de tratamento (6 ou 12 meses, em geral).

  • Estratégias modernas de controle incluem profilaxia com dose única de rifampicina para contatos e uso de BCG, além de forte atuação contra o estigma.