quarta-feira, dezembro 17, 2025

O Massacre de Judeus durante celebração do Hanukkah em Bondi Beach

 

Bondi Pavilion

Joao Cruzué

O que deveria ser uma tarde de celebração religiosa à beira-mar transformou-se, em poucos minutos, em um dos mais mais sombrios acontecimentos da história recente da Austrália. No domingo passado, dia 14 de dezembro de 2025, um evento público de Hanukkah, que reunia famílias, idosos e crianças em Bondi Beach, foi interrompido por um ataque armado que espalhou pânico, correria e mortes em um dos pontos turísticos mais conhecidos de Sydney. A escolha do local e do público não deixou dúvidas às autoridades: tratava-se de um ataque direcionado à comunidade judaica, rapidamente classificado como terrorismo de motivação antissemita.

A palavra  Hanukkah deriva do verbo hebraico חנך (ḥanákh), que significa dedicar, inaugurar ou consagrar. Historicamente, o termo refere-se à rededicação do Templo de Jerusalém após sua profanação no século II a.C., durante o domínio de Antíoco IV Epifânio. Por isso, embora seja popularmente chamada de “Festa das Luzes”, essa é uma designação simbólica e posterior. O sentido literal e original de Hanukkah está ligado à restauração do culto, da fé e da identidade religiosa judaica, e não apenas ao milagre da luz.

O Hanukkah é uma das celebrações mais significativas do calendário judaico. Com duração de oito dias, a festividade relembra a resistência do povo judeu contra a opressão religiosa e cultural e o chamado milagre do azeite, quando uma pequena quantidade de óleo, suficiente para apenas um dia, manteve acesa a chama do Templo de Jerusalém por oito dias consecutivos. 

É uma celebração associada à liberdade religiosa, perseverança, identidade e esperança, marcada pelo acendimento progressivo da menorá, cânticos, refeições comunitárias e encontros familiares — exatamente o espírito que motivou a reunião pacífica realizada à beira da praia.

Essa memória remonta ao século II a.C., período em que a Judeia estava sob o domínio do Império Selêucida. O rei Antíoco IV Epifânio impôs uma política agressiva de helenização forçada, proibindo práticas centrais do judaísmo, como a circuncisão, a observância do sábado e o estudo da Torá. O Templo de Jerusalém foi profanado, sacrifícios pagãos foram impostos e a fé judaica passou a ser criminalizada. Foi nesse contexto de perseguição sistemática que eclodiu a Revolta dos Macabeus, um levante não apenas militar, mas espiritual, cujo êxito passou a simbolizar a resistência contra a supressão da liberdade religiosa — núcleo histórico e teológico do Hanukkah.

Retornando ao assunto principal, segundo a polícia de Nova Gales do Sul, os autores do ataque em Bondi foram pai e filho, Sajid Akram, de 50 anos, e Naveed Akram, de 24. Armados, eles abriram fogo contra a multidão durante cerca de dez minutos, gerando cenas de desespero em um espaço aberto e sem rotas claras de fuga. Sajid morreu no confronto com a polícia ainda no local, enquanto Naveed foi gravemente ferido, hospitalizado e posteriormente formalmente acusado. As denúncias contra ele são de extrema gravidade: 15 homicídios, dezenas de tentativas de homicídio e crimes enquadrados na legislação antiterrorismo australiana, com possibilidade de prisão perpétua.

O balanço humano do massacre é devastador. Quinze pessoas morreram e dezenas ficaram feridas, algumas em estado grave. Entre as vítimas estão idosos, adultos, uma criança, líderes comunitários e uma sobrevivente do Holocausto, o que conferiu ao episódio uma carga simbólica particularmente dolorosa. Os funerais começaram dias depois sob forte comoção, vigilância policial reforçada e manifestações de solidariedade vindas de líderes religiosos, chefes de Estado e organizações internacionais.

Em meio ao caos, também surgiram relatos de coragem. Civis tentaram proteger desconhecidos, improvisaram socorros e, em pelo menos um caso, enfrentaram diretamente um dos atiradores. Policiais, alguns fora de serviço, reagiram sob risco extremo para conter o ataque e evitar um número ainda maior de vítimas. Esses gestos, embora incapazes de apagar a tragédia, revelaram o contraste entre a brutalidade do ato e a solidariedade humana diante do terror.

À medida que a investigação avançou, vieram à tona questões inquietantes. As autoridades confirmaram que o suspeito sobrevivente já havia sido investigado anos antes por possível radicalização, sem que houvesse elementos suficientes para impedir legalmente seu acesso a armas. Também surgiram indícios de inspiração em ideologias extremistas internacionais, reacendendo o debate sobre falhas na integração entre serviços de inteligência, sistemas de licenciamento de armas e mecanismos preventivos de avaliação de risco.

O massacre de Bondi provocou uma reação política imediata. O governo estadual anunciou a convocação extraordinária do Parlamento para discutir o endurecimento das leis sobre armas, a revisão dos critérios de concessão e renovação de licenças e novas estratégias de prevenção ao extremismo violento. Mesmo em um país reconhecido por controles rigorosos desde o massacre de Port Arthur, o episódio expôs vulnerabilidades práticas que agora pressionam por reformas adicionais.

Por fim, o atentado ultrapassou as fronteiras australianas ao alimentar uma onda de desinformação e estigmatização nas redes sociais, com falsas acusações e generalizações contra pessoas e comunidades sem qualquer vínculo com o crime. Esse efeito colateral mostrou que atentados contemporâneos não produzem apenas vítimas físicas, mas também feridas sociais profundas. Bondi Beach, símbolo de lazer, convivência e pluralidade, tornou-se assim um marco trágico de como o ódio pode invadir até os espaços mais abertos e cotidianos da vida pública.

SP - 17/12/2025.


REFERÊNCIAS

ASSOCIATED PRESS. Australian police charge alleged Bondi Beach gunman as funerals begin. AP News, 2025. Disponível em: https://apnews.com/. Acesso em: 17 dez. 2025.

AUSTRÁLIA. Prime Minister of Australia. Official statements and press releases. Canberra, 2025. Disponível em: https://www.pm.gov.au/. Acesso em: 17 dez. 2025.

AUSTRÁLIA. New South Wales Police Force. Media releases and official updates. Sydney, 2025. Disponível em: https://www.police.nsw.gov.au/news. Acesso em: 17 dez. 2025.

AUSTRÁLIA. New South Wales Government. Government announcements and legislative measures. Sydney, 2025. Disponível em: https://www.nsw.gov.au/. Acesso em: 17 dez. 2025.

BBC NEWS. Sydney attack: What we know about the Bondi Beach shooting. London, 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/news. Acesso em: 17 dez. 2025.

BRITANNICA, The Editors of Encyclopaedia. Hanukkah. Encyclopaedia Britannica, 2024. Disponível em: https://www.britannica.com/topic/Hanukkah. Acesso em: 17 dez. 2025.

BRITANNICA, The Editors of Encyclopaedia. Antiochus IV Epiphanes. Encyclopaedia Britannica, 2024. Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Antiochus-IV-Epiphanes. Acesso em: 17 dez. 2025.

EURONEWS. Tiroteio em Bondi Beach durante celebração judaica choca a Austrália. Lyon, 2025. Disponível em: https://www.euronews.com/. Acesso em: 17 dez. 2025.

JEWISH VIRTUAL LIBRARY. Hanukkah (Festival of Lights). New York, 2024. Disponível em: https://www.jewishvirtuallibrary.org/hanukkah. Acesso em: 17 dez. 2025.

JEWISH VIRTUAL LIBRARY. The Maccabean Revolt. New York, 2024. Disponível em: https://www.jewishvirtuallibrary.org/maccabean-revolt. Acesso em: 17 dez. 2025.

MY JEWISH LEARNING. Hanukkah 101: History and significance. New York, 2024. Disponível em: https://www.myjewishlearning.com/article/hanukkah-101/. Acesso em: 17 dez. 2025.

REUTERS. Sydney funerals begin after Bondi Beach Hanukkah attack. London, 2025. Disponível em: https://www.reuters.com/world/asia-pacific/. Acesso em: 17 dez. 2025.

THE GUARDIAN. Bondi Beach shooting sparks debate on gun laws in Australia. London, 2025. Disponível em: https://www.theguardian.com/australia-news. Acesso em: 17 dez. 2025.

UNITED STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM. Holocaust Encyclopedia. Washington, DC, 2024. Disponível em: https://www.ushmm.org/. Acesso em: 17 dez. 2025.





domingo, dezembro 14, 2025

A Psicologia e os versos repetidos a exaustão na música evangélica atual

 

João Cruzué

Sob a ótica da psicologia, a preferência contemporânea por músicas cristãs estruturadas em frases curtas e repetidas não pode ser reduzida a um empobrecimento cultural ou espiritual. Trata-se de um fenômeno complexo, resultado direto da reorganização do funcionamento psíquico em um contexto de hiperestimulação, instabilidade emocional e fragmentação do sentido.

Do ponto de vista cognitivo, o cérebro humano opera segundo o princípio da economia de energia. A psicologia cognitiva demonstra que, diante de ambientes saturados de informação, o sistema atencional tende a privilegiar estímulos previsíveis, simples e de baixo custo mental. A repetição musical reduz a carga cognitiva, diminui a necessidade de elaboração simbólica e permite que o indivíduo permaneça engajado sem esforço reflexivo intenso. Em termos práticos, a música repetitiva protege a mente da exaustão intelectual típica da era digital.

No campo da memória, a repetição ativa predominantemente a memória implícita e emocional, e não a memória declarativa. Isso significa que o conteúdo não é assimilado como conceito, mas como sensação internalizada. Psicologicamente, frases repetidas funcionam como scripts internos ou autoafirmações, semelhantes às utilizadas na terapia cognitivo-comportamental para reestruturação de crenças. A música, nesse caso, torna-se um meio de reprogramação emocional mais do que de instrução racional.

Sob a perspectiva da regulação emocional, a repetição desempenha um papel decisivo. Padrões rítmicos constantes e previsíveis reduzem a ativação do sistema límbico associado ao medo e à ansiedade, favorecendo estados de segurança psíquica. Em gerações marcadas por insegurança existencial, ansiedade crônica e instabilidade relacional, a música repetitiva opera como um mecanismo compensatório, oferecendo contenção emocional onde faltam estruturas internas consolidadas.

A psicologia social acrescenta outro elemento fundamental: a repetição facilita a coesão grupal. Letras simples permitem participação imediata, eliminando barreiras cognitivas e simbólicas. O indivíduo sente-se pertencente antes mesmo de compreender plenamente o conteúdo. Isso é particularmente relevante para uma geração em crise identitária, na qual o pertencimento precede a convicção. A música cria comunidade antes de formar consciência.

Há ainda um aspecto ligado à experiência corporal da espiritualidade. A psicologia contemporânea reconhece que o sentido não nasce apenas da razão discursiva, mas também do corpo, da emoção e da repetição simbólica. A música repetitiva desloca a experiência religiosa do campo conceitual para o campo sensório-afetivo. A fé é sentida antes de ser pensada. Isso explica por que muitos jovens relatam “experimentar Deus” sem necessariamente saber articulá-Lo teologicamente.

O lado negativo desse fenômeno, do ponto de vista psicológico, manifesta-se quando a repetição deixa de ser um meio de interiorização e passa a funcionar como substituto do significado. Quando a experiência musical é centrada quase exclusivamente na ativação emocional, o indivíduo pode desenvolver uma relação instrumental com a fé, buscando na música não a verdade que confronta e transforma, mas o alívio imediato que anestesia. Psicologicamente, isso favorece um padrão de dependência emocional: a sensação espiritual passa a ser o critério de autenticidade da experiência religiosa. Quando a emoção não vem, instala-se o vazio; quando o estímulo cessa, a fé enfraquece. Forma-se, assim, um sujeito espiritualmente sensível, porém estruturalmente frágil, incapaz de sustentar a crença fora do ambiente musical.

Há ainda um impacto mais profundo e silencioso: a atrofia da elaboração simbólica e crítica. A psicologia do desenvolvimento indica que a maturidade psíquica exige a capacidade de tolerar tensão, ambiguidade e complexidade. Músicas excessivamente repetitivas, quando dominam o espaço formativo da fé, podem impedir esse avanço, mantendo o indivíduo em estágios emocionais primários, onde a repetição serve como contenção, mas não como crescimento. O resultado é uma espiritualidade pouco integrada ao pensamento, à ética e às decisões concretas da vida. Nesse cenário, a fé corre o risco de se tornar regressiva: conforta o sujeito, mas não o amadurece; acolhe a dor, mas não produz discernimento; emociona o coração, mas não forma consciência.

Em síntese, a psicologia explica esse fenômeno como uma resposta adaptativa de uma geração emocionalmente sobrecarregada, cognitivamente fatigada e espiritualmente carente de segurança. A repetição não é, em si, patológica nem empobrecedora; torna-se problemática apenas quando substitui o processo de construção de sentido. O desafio saudável está em integrar experiência emocional, profundidade simbólica e maturidade cognitiva — pois a fé que não é pensada pode confortar, mas dificilmente transforma.


SP-14/12/2025


Bases da pesquisa:

A análise apresentada não se apoia em uma única escola psicológica, mas em um diálogo interdisciplinar entre correntes consolidadas da psicologia e áreas afins. Abaixo estão as principais matrizes teóricas que fundamentam os argumentos, com indicação clara de como cada uma contribui para a leitura do fenômeno:


1. Psicologia Cognitiva

Principais autores: George A. Miller, John Sweller, Daniel Kahneman

Esta corrente sustenta a ideia de economia cognitiva, carga mental (cognitive load) e processamento limitado da atenção. A explicação de que frases repetidas reduzem esforço mental, aumentam previsibilidade e facilitam engajamento deriva diretamente dessa tradição. Kahneman, com a distinção entre Sistema 1 (rápido, automático) e Sistema 2 (lento, reflexivo), ajuda a compreender por que a música repetitiva ativa respostas imediatas sem exigir elaboração racional.


2. Psicologia da Memória e Aprendizagem

Principais autores: Endel Tulving, Eric Kandel, Donald Hebb

A distinção entre memória implícita e explícita, bem como os mecanismos de consolidação por repetição, fundamenta a análise da música como veículo de internalização emocional mais do que conceitual. A ideia de que frases repetidas funcionam como scripts internos ou autoafirmações tem base na neuropsicologia da aprendizagem e na teoria hebbiana (“neurônios que disparam juntos, conectam-se”).


3. Psicologia Emocional e Neurociência Afetiva

Principais autores: Joseph LeDoux, Antonio Damasio

O argumento de que a repetição musical regula ansiedade e cria sensação de segurança está ancorado na compreensão do funcionamento do sistema límbico, especialmente da amígdala. Damasio contribui com a noção de que emoção e razão não são opostas, mas integradas, o que explica por que experiências emocionais intensas podem preceder — ou substituir — a elaboração racional.


4. Psicologia Social

Principais autores: Henri Tajfel, Kurt Lewin, Jonathan Haidt

A explicação do papel da música repetitiva na coesão grupal e pertencimento deriva da teoria da identidade social. Frases simples e repetidas reduzem barreiras simbólicas, promovendo inclusão imediata. Haidt contribui ao mostrar que vínculos morais e identitários são frequentemente construídos por intuições emocionais antes de argumentos racionais.


5. Psicologia do Desenvolvimento

Principais autores: Jean Piaget, Erik Erikson

A crítica ao risco de regressão emocional e à estagnação do amadurecimento espiritual encontra base nessas teorias. A ideia de que a maturidade exige tolerância à complexidade, à frustração e à ambiguidade está alinhada com os estágios de desenvolvimento cognitivo (Piaget) e psicossocial (Erikson). Quando a repetição substitui a elaboração, ocorre fixação em estágios anteriores.


6. Psicologia Humanista e Fenomenológica

Principais autores: Carl Rogers, Abraham Maslow, Viktor Frankl

A valorização da experiência subjetiva, do sentido vivido e da dimensão existencial da fé encontra respaldo nessa tradição. Frankl, especialmente, fundamenta a crítica ao vazio de sentido quando a experiência emocional não é integrada a um propósito maior. A música pode oferecer consolo, mas não substitui a construção de significado.


7. Psicologia da Religião

Principais autores: William James, Gordon Allport

A compreensão da experiência religiosa como vivência afetiva, simbólica e progressiva dialoga diretamente com essa área. James fornece base para entender a experiência mística e emocional; Allport contribui com a distinção entre religiosidade madura e imatura, essencial para avaliar quando a repetição forma fé ou apenas reforça dependência emocional.


Síntese final

A análise é sustentada por um eixo cognitivo-afetivo-social, integrando psicologia cognitiva, emocional, social, do desenvolvimento e da religião, com apoio da neurociência e da psicologia existencial. Essa convergência permite compreender o fenômeno sem reducionismos: nem demonizando a música repetitiva, nem romantizando seus efeitos, mas avaliando seus impactos reais sobre a formação psíquica e espiritual do indivíduo.


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Meditação em Oséias 6:3

 

Profeta Oséias

Por João Cruzué

Oseias foi o profeta do Antigo Testamento que registrou esta triste constatação de Deus: O meu povo foi destruído porque lhe faltou o conhecimento. Ao rejeitar o conhecimento [da vontade de JEOVÁ], Israel também foi rejeitado por Deus. Ao se esquecer da LEI do SENHOR, o SENHOR DEUS também se esqueceu do Seu povo (Oseias 4:6). Como solução, o profeta deu este conselho: Vinde e tornemos para o SENHOR, porque ele castigou, mas sarará a ferida. Depois de um tempo nos dará a vida e ao terceiro dia ressuscitará e viveremos diante dele (Oseias 6:1-2).

Depois desta curta introdução, a proposta desta meditação é a seguinte: em tempos de tanta disponibilidade e facilidade em adquirir o conhecimento, nunca tantos crentes conheceram tão pouco a vontade do SENHOR. Isto, hoje, seria um paradoxo.

O conhecimento de Deus não é teórico nem litúrgico. Trata-se de um conhecimento relacional, existencial, vivido. Conhecer o Senhor implica andar com Ele, submeter-se à sua vontade, aceitar o peso ético da aliança. O drama do texto é que Israel sabe dizer as palavras certas, mas não sustenta a prática correspondente. O versículo revela uma teologia correta na boca de um coração instável. Há discurso de maturidade, mas ausência de permanência.

O apóstolo Pedro também se preocupou com este assunto: Antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo... (II Pedro 3:18). Mas foi Paulo quem escreveu, na Carta aos Efésios, esta palavra magnífica: Não cesso de dar graças a Deus por vós, lembrando-me de vós nas minhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da Glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação (Efésios 1:16-17).

O que precisamos conhecer a respeito do SENHOR Jesus Cristo? Esta é a pergunta-chave!

1.  Jesus Cristo é o Filho do Pai da Glória?

Assim diz a palavra do SENHOR: Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu único filho, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (João 3:16). A razão de Jesus Cristo ter vindo ao mundo foi o grande amor de Deus, nosso Pai Celestial, pela humanidade perdida.

João ainda registra que Deus enviou Jesus para o povo judeu, o povo que recebeu a promessa de Deus, mas este povo o rejeitou. E quando houve esta rejeição, Deus usou o plano "B". Todas as pessoas estrangeiras (os não judeus - gentios) que cressem em JESUS CRISTO e o recebessem receberiam esta promessa: o poder de serem adotadas e registradas no Livro da Vida como filhos de Deus, tendo os mesmos direitos de Cristo, o filho legítimo, na herança celestial.

2.     Por que Deus enviou Jesus Cristo ao mundo?

Conhecer este assunto é de suma importância para todo crente. Deus enviou Jesus Cristo a este mundo para promover uma reconciliação entre Deus, nosso Pai Celestial, e cada pessoa. Esta reconciliação é necessária por causa do pecado.

O primeiro homem, Adão, pecou. O vírus deste primeiro pecado (desobediência) continua sendo transmitido a cada ser humano que nasce. O homem possui, além do corpo, uma alma e um espírito. Para adquirir um corpo físico, ele nasce da união entre um homem e uma mulher. Por outro lado, para ter vida espiritual, ele precisa nascer do Espírito Santo. Sem Deus, o espírito do homem está morto por causa do pecado.

O pecado é como um vírus de computador. Assim como a máquina, por si mesma, não tem a capacidade de produzir um antivírus, Deus enviou Jesus Cristo ao mundo para pagar pelos nossos pecados. Cada pessoa que aceita Jesus como seu Salvador pessoal, recebendo-o publicamente em seu coração, é nascida do Espírito.

O ato de crer e aceitar Jesus produz como efeito o perdão e a adoção de Deus (registro do nome no Livro da Vida) e a regeneração do modo de viver com a ajuda do Espírito Santo. Cristo é a pessoa enviada pela graça de Deus para promover nossa libertação do reino das trevas através do perdão de nossos pecados.

3. Onde está formalmente escrito estes direitos?

Na Bíblia Sagrada, o Livro que registra a palavra e revela a vontade de Deus para cada um que quiser. Neste ponto, por uma questão de negligência ou falta de interesse mesmo, muitos estão dentro da Igreja sem conhecer a missão de Cristo e o grande amor de Deus, nosso Pai Eterno.

Um cristão que não se aprofunda no estudo da Palavra de Deus fica sujeito ao ataque da dúvida, uma das armas mais poderosas do diabo, para levar as pessoas a desconfiarem de Deus e deixarem de inquirir mais de perto sobre a salvação.

A Bíblia Sagrada é um manual que Deus planejou pela sua vontade, inspirando mais de 40 autores no espaço de mais de 1500 anos. Nela está contida a palavra de Deus. Quando o pecador aceita Jesus como Salvador, ele se torna um crente. Quando este crente procura adquirir o conhecimento da palavra de Deus e se esforça neste sentido, ele passa a conhecer a Cristo, também, como SENHOR da sua vontade.

4. Você tem certeza da sua salvação?

Esta é uma das perguntas mais inquietantes que provoca uma reação silenciosa da maioria dos crentes. Afinal, eu sou ou não salvo em Cristo? Uma das razões pelas quais a consciência dos crentes pode parecer como as ondas do mar, que se repetem sucessivamente ao quebrar na praia, é justamente esta dúvida. Ela é o resultado da falta de estudo da palavra de Deus.

É preciso CONHECER os versículos da Palavra de Deus que garantem a nossa salvação. Se não tivermos esta certeza de que somos salvos, nem soubermos em detalhes como funciona o Plano de Deus para salvação de nossas almas, nossa vida cristã vai ser uma vida medíocre, cheia de muitas dúvidas e poucas bênçãos.

Esta certeza vem de guardar no coração os versículos da Palavra de Deus que falam sobre este assunto. As bases da nossa salvação devem estar fundamentadas desta forma. Um dos versículos é este: Se confessares com tua boca o nome do Senhor Jesus (aceitar Jesus) e creres que Deus (Pai) o ressuscitou dos mortos, SERÁS salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça (justificação) e com a boca se faz confissão para a salvação (Romanos 10:9-10).

Uma segunda evidência pode ser obtida com a resposta a esta pergunta: Depois que você aceitou Jesus, você tem prazer em continuar vivendo no pecado, ou deseja abandoná-lo?

5. Deus tem um plano individual e pessoal para cada crente?

Com certeza. Para chegar ao CONHECIMENTO deste plano, é preciso aceitar Jesus como Senhor e Salvador. Mas conhecer este assunto e dar estes passos não é o bastante.

Nos dias atuais, o padrão de comportamento das pessoas que vivem ao nosso redor, na maioria das vezes, não é um padrão que agrada a Deus. É por isto que o Apóstolo João escreveu na sua 1ª Carta: Não ameis o mundo, nem o que no mundo há (comportamento e costumes). Se alguém ama o mundo, o amor do PAI não está nele. Porque tudo o que há no mundo (na sociedade), a concupiscência (desejo intenso, compulsão) da carne, dos olhos e a soberba da vida, não é do PAI, mas do mundo (I João 2:15-16).

Se alcançamos o NOVO NASCIMENTO (Evangelho de João, capítulo 3), nossa natureza não procura por coisas mundanas, pois o Espírito Santo fala ao nosso coração que precisamos agradar a Deus, conhecendo a vontade dEle e praticando aquilo que Ele aprova. Isto se chama santificação.

O crente que diz estar salvo, cujo coração ainda tem amor ao pecado (prostituição, vícios, pornografia, desonestidades, mentiras e afins), tem o coração ainda longe de DEUS.

6. Se eu deixar de conhecer a palavra de Deus, Ele me dará o benefício da inocência?

NÃO! A vontade dEle pode ser revelada ao nosso coração quando demonstramos um interesse profundo de conhecer a palavra dEle para colocar em prática. CONHECIMENTO da palavra de Deus, para viver na VONTADE de Deus.

Quando um casal de jovens está namorando, se cada um deles gosta mesmo do outro, vai procurar conhecer do que a pessoa amada gosta e, para agradá-la, vai procurar fazer aquilo, via de regra, que ela gosta. Da mesma forma, para demonstrar o amor a DEUS, é preciso conhecer aquilo de que ELE se agrada, para fazer sua vontade.

7.  O conhecimento de Deus e da sua vontade é suficiente para manter a salvação?

NÃO! A pessoa, para demonstrar que é um verdadeiro cristão, precisa juntar o conhecimento com a prática. O diabo tem conhecimento de Deus e também conhece 100% a palavra do SENHOR; entretanto, é um ser perdido porque sabe tudo, mas não pratica nada de bom.

O testemunho é a prova do caráter de um cristão. Se ele diz que ama a Deus, então ele DEVE praticar as obras de um verdadeiro filho de DEUS.

8. Os pastores, bispos, apóstolos e papas já estão salvos pelo conhecimento que possuem de Deus?

NÃO! Quanto mais alto é a responsabilidade ministerial, maiores são os planos do diabo para corromper e derrubar o líder cristão. Basta um ato de desobediência sem um concerto com Deus para que a cegueira apareça e a nudez fique despercebida.

Uma coisa é pensar que é santo, e outra bem diferente é andar no caminho da santidade, aquele caminho estreito que o próprio Jesus disse que poucos são os que andam por ele. O que acontece, na maioria das vezes, é que o líder vai perdendo a presença de Deus de uma forma tão lenta e imperceptível que, aos seus olhos, isto não é perceptível. Por fim, ele acha que a corrupção é uma coisa normal e que todos são corruptos ou mais corruptos que ele.

Esta é a razão pela qual um líder religioso pode ver no inferno sua família inteira. Que adianta ganhar 7,5 bilhões de almas para Cristo se a própria família, junto com ele, está fora do caminho estreito?

9. Qual é a responsabilidade dos pastores e co-pastores quando comprovadamente o líder da denominação é um homem comprovadamente corrupto e desviado?

Esta é uma pergunta que, a princípio, parece difícil de ser respondida. A resposta dela deve ser obtida ouvindo a voz do Espírito Santo. E para ouvir a voz do Espírito Santo, é preciso oração e jejum.

Dar suporte às malandragens de uma liderança corrupta é também fazer parte de suas más obras. A questão muito delicada é: Deus vai me sustentar financeiramente se eu tomar uma posição de confronto?

E uma boa resposta é: Está havendo uma busca incessante da sua parte para ter um esclarecimento do Espírito Santo? Quem, afinal, é o seu SENHOR? É o Pai Celestial ou um líder corrupto contumaz?

Que Deus nos guarde e nos ajude contra a ignorância, negligência, desânimo, indiferença e perda do amor.

A paz de Cristo.


sábado, dezembro 13, 2025

Quando Falta Visão - Seis Casos de Miopia Estratégica

Visão
 

João Cruzué

 1. A Xerox, por meio do seu centro de pesquisa PARC (Palo Alto Research Center), desenvolveu nos anos 1970 tecnologias revolucionárias como a interface gráfica com janelas, o mouse, a metáfora de desktop e a computação pessoal em rede. À época, a alta administração da Xerox, voltada ao negócio tradicional de copiadoras, considerou tais inovações pouco relevantes comercialmente e não estruturou uma estratégia agressiva de patenteamento e exploração de mercado.

A Apple, liderada por Steve Jobs, teve acesso a essas tecnologias e incorporou a GUI ao Lisa e, posteriormente, ao Macintosh, redefinindo a indústria de computadores pessoais. A Microsoft seguiu o mesmo caminho com o Windows, tornando-se uma das empresas mais valiosas do planeta. A Xerox, embora pioneira, perdeu a chance de se tornar uma gigante da computação pessoal, enquanto Apple e Microsoft construíram impérios bilionários sobre conceitos que a Xerox julgou periféricos.

2. Os Bell Labs, da AT&T, criaram o UNIX no final da década de 1960, um sistema operacional altamente robusto, modular e portátil. Por restrições regulatórias e visão estratégica limitada, a AT&T licenciou o UNIX a preços simbólicos para universidades e centros de pesquisa, sem perceber seu potencial comercial global e de longo prazo.

Décadas depois, o UNIX tornou-se a base de inúmeros sistemas operacionais, incluindo Linux, BSD, Solaris e, indiretamente, macOS e Android. Empresas como Red Hat, IBM, Google e Apple construíram modelos de negócios bilionários sobre essa arquitetura. A AT&T, por sua vez, não capitalizou o valor estratégico do UNIX e perdeu protagonismo em um dos pilares da economia digital.

3. A Kodak inventou a primeira câmera digital funcional em 1975, desenvolvida por um de seus próprios engenheiros. No entanto, a empresa optou por não explorar a tecnologia, temendo que ela canibalizasse seu altamente lucrativo mercado de filmes fotográficos e revelação química. A patente foi subutilizada e a inovação ficou engavetada por décadas.

Empresas como Sony, Canon, Nikon e, posteriormente, fabricantes de smartphones, dominaram o mercado de imagem digital, criando cadeias produtivas bilionárias. A Kodak, presa a um modelo de negócio obsoleto, entrou em colapso financeiro e pediu falência em 2012. O caso tornou-se um dos exemplos mais clássicos de miopia estratégica e falha de governança da inovação.

4. A Nokia, líder absoluta em telefonia móvel no início dos anos 2000, possuía tecnologias avançadas em mobilidade, design de hardware e comunicação sem fio. No entanto, subestimou o valor estratégico do ecossistema de software, especialmente sistemas operacionais modernos e plataformas de aplicativos, tratando-os como acessórios e não como núcleo do negócio.

Com a ascensão do iOS (Apple) e do Android (Google), ambos fortemente protegidos por patentes e integrados a ecossistemas digitais, a Nokia perdeu rapidamente relevância. O Android, em especial, tornou-se a base do maior sistema operacional móvel do mundo, gerando receitas bilionárias indiretas ao Google. A Nokia, apesar de sua base tecnológica, acabou vendendo sua divisão de celulares e perdendo protagonismo global.

5. A IBM, ao lançar seu computador pessoal em 1981, decidiu não proteger rigidamente a arquitetura do PC, adotando componentes de terceiros e permitindo compatibilidade aberta. A empresa considerava o PC um produto secundário frente a seus grandes sistemas corporativos e mainframes, não antecipando a explosão do mercado de computadores pessoais.

Essa decisão permitiu que empresas como Microsoft (com o MS-DOS e depois Windows) e fabricantes de clones como Compaq, Dell e HP dominassem o mercado. A Microsoft, em especial, transformou o licenciamento de software em um dos modelos mais lucrativos da história, alcançando valorizações trilionárias. A IBM permaneceu relevante em outros segmentos, mas abriu mão do maior ciclo de riqueza já gerado na indústria de tecnologia pessoal.

Assim, esses cinco casos revelam um padrão recorrente: o erro não foi técnico, mas estratégico. As empresas pioneiras detinham conhecimento, patentes e capital humano, mas falharam em compreender o valor futuro da inovação e em alinhar governança, visão de longo prazo e modelo de negócios.

 Agora que chegou até aqui, vou contextuar este assunto comercial com a dimensão espiritual. O erro de estratégia que cometeu condenou sua família a uma vida de perdedores. Talvez isso possa acontecer com você no futudo - leitor -, diante de um assunto  espiritaul abstrato hoje que se tornará concreto no futuro. Você já ouviu falar do Reino de Deus? Pois bem no 6º e último erro de estratégia você vai começar a denteder.

6. Esaú, é um personagem bíblico. Foi protagonista do maior  clássico de miopia estratégica registrado na Bíblia Sagrada.  Esaú era primogênito de sua família, e naquele tempo como tal detinha direitos espirituais, jurídicos e econômicos: liderança da família, herança dobrada e participação direta na linhagem da promessa. 

Contudo, movido por uma necessidade imediata e racional, vendeu sua primogenitura por um prato de comida porque estava com muita fome. Com essa atitutde demonstrou achava desprezível e sem valor  um ativo que tinha valor eterno. As Escrituras destacam que ele “desprezou a primogenitura”, revelando não ignorância, mas desdém consciente pelo futuro. E este futuro era uma bênção espiritural que repercutiria no mundo material.

Assim,  a forma como entender o Reino de Deus, hoje, se desprezível e pura perda de tempo ou algo muito valioso, vai contar na balança de Deus que pesa  seu futuro.

O Novo Testamento Bíblico interpreta esse episódio como advertência severa: Esaú perdeu algo irrecuperável, mesmo tendo se arrendido do que fez, já era tarde demais. 

Encerrando, por hoje, não vou conceituar aqui o que é o Reino de Deus. Uma pesquisa básica daria conta do recado.  Mas, vou deixar um subsídio: "O reino dos céus é também semelhante a um comerciante que procura boas pérolas; e, tendo achado uma pérola de grande valor, vendeu tudo o que possuía e a comprou.

O Reino de Deus é o melhor investimento para uma vida inteira. Um legado para as gerações da sua família.

SP - 13/12/2025






quarta-feira, dezembro 10, 2025

Meditação no Capítulo 3 do Livro Profeta Miqueias

 

Profeta Miqueias

João Cruzué

O Capítulo 3 de Miqueias é o ponto mais alto da indignação do profeta contra as lideranças de Judá e Israel. O capítulo se divide em três golpes certeiros, três oráculos que desnudam a corrupção institucional do século VIII a.C. Logo no início, o profeta dirige-se aos governantes que deveriam guardar o mishpat, mas trocaram a justiça pela ganância. Para expor a gravidade do pecado, Miqueias usa imagens que ferem a alma: líderes que arrancam a pele do povo, quebram seus ossos e os lançam na panela como se fossem carne comum. Não era exagero poético; era a radiografia de um sistema que esmagava os vulneráveis por meio de tributos abusivos, perda de propriedades, escravidão por dívida e um Judiciário vendido ao suborno. E diante dessa violência institucionalizada, o profeta anuncia um juízo proporcional: quem não ouviu o clamor dos pobres não será ouvido quando clamar; Deus esconderá o rosto no dia da angústia.

Na segunda parte, Miqueias volta sua mirada contra outro grupo igualmente responsável pela decadência espiritual do povo: os profetas mercenários. Eles tinham transformado a Palavra do Senhor em moeda de troca. Era “shalom” para quem pagava, e ameaça para quem não sustentava seu ministério. A sentença divina cai pesada: para esses homens, o dia se tornaria noite; não haveria visão, não haveria resposta; cobririam o rosto em vergonha porque Deus já não falaria com eles. Em contraste, o profeta verdadeiro se apresenta: “Mas eu estou cheio do poder do Espírito do SENHOR.” Ou seja: onde há vocação genuína, há coragem moral, discernimento espiritual e força para denunciar o pecado — mesmo quando a mensagem fere, mesmo quando custa relacionamentos, posição ou sustento.

O terceiro oráculo abre o leque e coloca toda a engrenagem de Jerusalém sob avaliação. Miqueias vê uma corrupção com três pilares: justiça pervertida, obras públicas construídas à base de sangue, e religião financiada por interesses. Juízes que só julgam mediante propina, sacerdotes que ensinam por salário, profetas que adivinham por dinheiro. E o mais grave: todos esses líderes ainda tinham a ousadia de dizer: “O Senhor está conosco; nenhum mal nos alcançará.” Acreditavam que a simples existência do Templo funcionava como escudo moral. Confundiam privilégio religioso com aprovação divina. Enquanto isso, edificavam uma cidade brilhante sobre os ombros esmagados dos pobres.

É nesse cenário que Miqueias pronuncia uma das profecias mais ousadas da Bíblia: Sião seria arada como um campo, Jerusalém se tornaria em montes de ruínas, e o monte do Templo viraria matagal. A palavra foi tão séria que, um século depois, foi lembrada no julgamento de Jeremias e serviu para lhe salvar a vida. O recado era claro: quando a injustiça domina, nem o Templo — símbolo máximo da presença de Deus — é poupado. Deus não compactua com estruturas religiosas que se tornaram capa para opressão. A cidade santa podia ostentar sua glória, mas suas fundações estavam manchadas.

Miqueias 3 continua a nos confrontar hoje. Questiona líderes: estamos servindo ou nos servindo? Pregamos a verdade ou apenas o que sustenta nossa reputação? Temos coragem de enfrentar sistemas injustos? E questiona a Igreja: não corremos nós o risco de presumir que Deus está conosco apenas porque mantemos templos, programas e prosperidade? Nosso conforto não pode ser construído em cima do sofrimento alheio. A mensagem permanece tão viva quanto no dia em que foi pronunciada.

O capítulo termina ecoando uma verdade que atravessa séculos: Deus não fecha os olhos para a exploração dos fracos; muito menos quando ela é praticada pelas mãos de quem deveria protegê-los. A denúncia de Miqueias desemboca em seu chamado definitivo, que resume a ética do Reino: praticar a justiça, amar a misericórdia e andar humildemente com Deus. Tudo o que passa disso é religião sem vida — e liderança sem autoridade diante do Senhor.



SP-10/12/2025

terça-feira, dezembro 09, 2025

Quando vai Chegar o Reino de Deus?

 

A conversão de Zaqueu

João Cruzué

O Reino de Deus, na perspectiva pentecostal, não é um conceito distante nem uma promessa adiada. Ele começa exatamente onde o senhorio de Cristo é recebido. Quando Jesus toma o lugar que Lhe pertence, quando o coração se rende e o Espírito Santo passa a governar a vida do crente, o Reino já está presente. Para nós, pentecostais, o Reino não é apenas explicado — é vivido. Ele se manifesta nas orações que tocam o céu, nos cultos onde a presença de Deus é palpável e na transformação diária que só o Espírito pode realizar.

Esse Reino avança, não permanece estático, nem espera circunstâncias favoráveis para se mover. Onde a Palavra é anunciada com convicção e o Espírito opera com liberdade, o Reino se expande. A cada vida regenerada, a cada lar restaurado, a cada pessoa liberta do pecado, o domínio de Cristo se estabelece com mais força. Evangelizar não é apenas falar de Jesus; é estender Seu governo, desfazer obras das trevas e abrir espaço para que a luz de Deus prevaleça.

Os sinais e dons espirituais, tão caros à fé pentecostal, são vistos como expressões concretas desse Reino entre nós. Uma cura, uma libertação, uma palavra profética, uma resposta de oração — nada disso é acidental. Cada intervenção é um lembrete vivo de que o Rei está presente e que Seu poder continua o mesmo. Quando o oprimido é liberto, o Reino se afirma; quando o enfermo se levanta, o Reino se revela; quando o Espírito toca a Igreja, o Reino avança silenciosamente, mas com autoridade.

Mas também sabemos que este Reino, embora já presente, ainda não se completou. Vivemos numa tensão entre o “já” e o “ainda não”. Já experimentamos a presença, mas ainda aguardamos a glória. Já desfrutamos do governo do Espírito, mas ainda esperamos o governo visível do Senhor Jesus Cristo que voltará. Por isso, a igreja pentecostal vive com o coração desperto, em constante expectativa. Não se acomoda, não negocia a esperança e não se esquece de que cada culto pode ser o prelúdio de algo maior.

Assim, o Reino de Deus, em nossa compreensão, é realidade espiritual que transforma e promessa futura que sustenta. Ele alcança o crente hoje, moldando caráter, quebrando cadeias, renovando forças e produzindo santidade. E dominará o mundo amanhã, quando todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é Senhor. Até que esse dia chegue, continuamos orando com convicção, e desejando: "Maraná ta"!

SP - 12/2025




Porque Cristo não Curou todos os Doentes

 

O paralítico do Tanque 

João Cruzué

Os milagres e sinais, quando vistos pela lente da exegese bíblica, não são meros acontecimentos extraordinários lançados na história para despertar espanto. Eles surgem como atos deliberados de Deus, marcados por propósito, direção e pedagogia espiritual. Em cada intervenção, não é apenas o braço de Deus que se move, mas a revelação de Seu caráter, conduzindo homens e mulheres a enxergarem além do fenômeno imediato, para o significado eterno que ele aponta.

No Antigo Testamento, os “sinais” — aqueles gestos divinos que rasgam o curso natural das coisas — aparecem como confirmações da presença e palavra de Deus. A sarça que ardia sem se consumir, o Mar Vermelho que se abriu e o maná que caía do céu não eram apenas respostas às necessidades do povo; eram declarações de quem Deus é. Por trás de cada detalhe, a mão do Senhor ensinava Israel a abandonar os ídolos, fortalecer a fé e caminhar com confiança, mesmo quando a estrada lhes era desconhecida.

Entre os profetas, os milagres surgem como selo que autentica a voz do mensageiro. Elias e Eliseu não buscavam aplausos nem recompensas; suas ações serviam para lembrar ao povo que o Deus de Israel não estava calado. A exegese mostra que os sinais ali não eram para “convencer por força”, mas para conduzir o coração à obediência. Um milagre, para o profeta, era antes um chamado do que um espetáculo.

Quando chegamos ao Novo Testamento, especialmente ao Evangelho de João, os milagres ganham novo nome e novo peso: são “sinais”. Isso porque apontam para Alguém. A água transformada em vinho revela sua autoridade sobre a criação; o cego que passa a enxergar revela quem é a verdadeira luz; a ressurreição de Lázaro revela a fonte da vida. João deixa claro que cada sinal tem um alvo: conduzir o homem a reconhecer que Jesus é o Filho de Deus e, reconhecendo, crer.

Mas a exegese também nos obriga a reconhecer algo que o leitor desatento pode ignorar: nem todos foram curados. Jesus passou por cidades onde muitos continuaram enfermos. Não porque Lhe faltasse poder, mas porque a lógica divina não é a distribuição igualitária de prodígios, mas a realização do propósito do Pai. Os sinais são atos escolhidos, não automatizados; são respostas à agenda eterna de Deus, não a demandas humanas.

Nas cartas apostólicas, os milagres continuam a aparecer, mas agora como extensão da obra de Cristo por meio do Espírito. São dons distribuídos como o Espírito quer, sempre para edificação e não para exibição. Paulo deixa isso claro quando orienta a igreja de Corinto: sinais não são troféus espirituais, mas ferramentas. E, como toda ferramenta divina, precisam servir ao corpo de Cristo, jamais ao ego de alguém.

Há, aqui, uma tensão inevitável: vivemos entre o “já” e o “ainda não”. Os milagres nos lembram que o Reino já irrompeu, mas ainda não se consumou. Hoje vemos cura, libertação e transformação; amanhã veremos redenção plena, quando Deus enxugará toda lágrima. Assim, os sinais de agora não são a promessa final, mas o anúncio preliminar do que está por vir. São lampejos do futuro, entregues como consolo para o presente.

Por fim, quando interpretados com cuidado, os milagres deixam de ser curiosidades sobrenaturais e se tornam janelas para a realidade de Deus. Eles não são o centro da fé, mas apontam para o centro: o próprio Senhor. A exegese nos mostra que o milagre mais importante não é o que transforma circunstâncias, mas o que transforma o coração. Assim, cada sinal, grande ou pequeno, cumpre sua função maior: reconduzir a criatura ao Criador e lembrar a todos nós que, por trás de cada ato visível, sempre há um propósito eterno em movimento.


SP-09/12/2025

Um Pastor à sombra do Carvalho

 

Troca de Ministério por mandato

João Cruzué

À primeira vista, este texto destoa do pensamento predominante entre as muitas lideranças evangélicas de nosso tempo sobre a necessidade de Pastores como representantes políticos. Digo “à primeira vista” porque, em meu entendimento, existem dois tipos distintos de atuação política: a representação e a ação política. Para mim, a ação política exercida por um pastor dentro de seu rebanho é infinitamente mais valiosa do que sua representação solitária em uma Casa legislativa. Abandonar o ministério para assumir um mandato político é, na minha visão bíblica pessoal, como pisar e desprezar o mandato pastoral que o Senhor entregou.

Um pastor verdadeiramente chamado por Deus se assemelha ao profeta jovem que surgiu em Betel para anunciar o nascimento de Josias, da Casa de Davi, diante do rei Jeroboão, profetizando contra o altar idólatra. Quando o rei, irado, estendeu a mão contra o profeta, esta imediatamente se secou. Humilhado, clamou ao profeta por oração, e sua mão foi restaurada. Grato, o rei o convidou: “Vem comigo a minha casa, conforta-te, e eu te darei um presente”.

Mas o profeta respondeu: “Ainda que me desses a metade da tua casa, eu não iria contigo, nem comeria pão, nem beberia água neste lugar. Porque assim me ordenou o Senhor: Não comerás pão, nem beberás água, nem voltarás pelo mesmo caminho por onde vieste”. E o profeta partiu, obediente, voltando por outro caminho conforme a ordem divina.

Havia, porém, em Betel, um profeta velho. E esse profeta experiente, ao ouvir o que acontecera, selou seu jumento e foi ao encontro do homem de Deus. Encontrando-o sentado à sombra de um carvalho, perguntou: “És tu o homem de Deus que veio de Judá?”. Ele respondeu: “Eu sou”. Então o profeta velho insistiu: “Vem comigo para minha casa e come pão”.

O profeta jovem reafirmou: “Não posso. O Senhor me disse claramente que não deveria ficar nem comer neste lugar”. Mas o profeta velho replicou: “Ah! Também sou profeta como tu, e um anjo me falou pela palavra do Senhor, dizendo: ‘Faze-o voltar contigo para tua casa, para que coma pão e beba água’”. Mas aquilo era mentira. E assim, enganado, o jovem profeta voltou, comeu pão e bebeu água na casa dele.

E aconteceu que, depois de comer e beber, o homem de Deus partiu montado em seu jumento. No caminho, um leão o encontrou e o matou. E o estranho da cena é que tanto o jumento quanto o leão permaneceram ao lado do cadáver — uma imagem silenciosa, porém terrível, encontrada por todos que por ali passaram.

Como esse episódio se ajusta ao nosso momento político atual! Ele soa como um alerta aos homens de Deus que hoje estão “sentados à sombra do carvalho”: à sombra da ociosidade, à sombra do orgulho das conquistas passadas, à sombra da acomodação que se aproxima perigosamente do terraço onde Davi caiu em tentação. Ali, nessa sombra confortável, muitos têm sido abordados por vozes persuasivas, sedutoras, que soam espirituais mas desviam do caminho do Senhor.

É sob essa sombra que inúmeros pastores, evangelistas e bispos têm sido assediados nos últimos quinze anos. Ali, na penumbra, longe do sol, ecoam convites sedutores — discursos de “profetas velhos”, cheios de razões e justificativas “espirituais”: “Olha, eu também sou pastor, bispo, homem de Deus como você. Seu lugar não é no Deserto… você precisa ir para Brasília defender o povo, defender a Igreja Evangélica… volte, coma o pão e beba a água do Planalto!”.

E daí têm surgido escândalos, contradições e fisiologismos envolvendo homens que antes calçavam os sapatos do Evangelho, mas que os trocaram pelos “jumentos” do secularismo. Muitas igrejas estão de luto, olhando para o que restou daqueles que antes cuidavam do rebanho do Senhor: cadáveres espirituais cercados de leões e jumentos — uma metáfora triste, porém precisa, de sua queda.

A representação política está ao alcance de qualquer cidadão deste país. Mas não deveria ser o caminho daquele que possui verdadeira chamada para o santo ministério do Senhor. Se esse homem voltar atrás, o Senhor não terá prazer nele. É bom lembrar sempre disso — e guardar esse alerta com temor e tremor.

 

Publicação original em 2010.


O Fim do Mundo na Visão do Catolicismo

 

Perspectiva do purgatório

João Cruzué

A compreensão do “fim do mundo” difere de modo significativo entre o catolicismo e a perspectiva evangélico-pentecostal, ainda que ambas professem a volta gloriosa de Cristo, o juízo final e a consumação eterna. 

O catolicismo, influenciado majoritariamente por Santo Agostinho, entende o fim como um evento único, no qual Cristo retorna, julga e inaugura a eternidade — incluindo o papel do purgatório, que funciona como uma etapa de purificação anterior à visão beatífica. 

Já a teologia evangélico-pentecostal, fundamentada por autores como George Eldon Ladd e Stanley Horton, vê o fim como uma sequência cronológica de eventos proféticos, rejeitando totalmente o purgatório e afirmando que o destino final é selado exclusivamente nesta vida. Assim, embora converjam quanto ao triunfo final de Cristo, divergem quanto ao caminho que conduz a essa consumação.

No primeiro tema — a estrutura dos eventos finais — a visão evangélico-pentecostal entende que a história progride por fases definidas: o arrebatamento da Igreja, seguido pela Grande Tribulação, a segunda vinda visível de Cristo, o Milênio literal e, por fim, o Juízo Final. Essa sequência deriva de uma hermenêutica literal-gramatical, aplicada especialmente aos livros de Daniel e Apocalipse. Para autores como Ladd e Horton, esse encadeamento demonstra o agir progressivo de Deus na história e reforça a expectativa de vigilância da Igreja diante dos sinais escatológicos.

A visão católica, em contraste, sustenta que a consumação ocorre de modo unitário: Cristo retorna uma única vez, e nesse mesmo momento acontece a ressurreição geral e o juízo final. Essa interpretação, herdada principalmente do pensamento de Agostinho, absorve a ideia de que o “milênio” não é uma etapa futura literal, mas uma representação simbólica da era atual da Igreja. 

Nesse contexto aparece o purgatório, cuja doutrina começou a se formar entre os séculos II e IV, desenvolveu-se no pensamento patrístico (especialmente em Tertuliano e Orígenes) e ganhou estrutura definitiva com Agostinho. Ele entendeu que algumas almas, embora salvas, ainda necessitavam ser purificadas para entrar na presença de Deus. A doutrina foi consolidada no Concílio de Florença (1439) e no Concílio de Trento (século XVI), tornando-se parte formal da escatologia católica. Essa etapa intermediária contrasta diretamente com a visão evangélica, que rejeita qualquer possibilidade de purificação pós-morte.

Quanto ao milênio de Apocalipse 20 — a posição evangélico-pentecostal, inspirada em Ladd e Horton, interpreta o milênio como um período literal, no qual Cristo reina fisicamente sobre a Terra após derrotar o Anticristo. Esse reinado é visto como cumprimento das profecias dadas a Israel e como demonstração universal da autoridade messiânica. Para essa tradição, o milênio é uma etapa indispensável da narrativa escatológica.

Já a visão católica, fundamentada na leitura de Agostinho, entende o milênio como simbólico, representando o reinado espiritual de Cristo já presente na história por meio da Igreja. Assim, Apocalipse 20 não descreve uma fase futura da cronologia humana, mas um quadro teológico do triunfo de Cristo sobre o mal ao longo dos séculos. Essa postura reforça a ênfase católica na unidade e consumação final, sem a necessidade de um reinado terreno literal.

Sobre a interpretação do Apocalipse — também distingue profundamente as duas tradições. A teologia evangélico-pentecostal costuma ler o Apocalipse como uma revelação de eventos futuros concretos, incluindo a figura pessoal do Anticristo, a marca da besta, os juízos divinos e a batalha de Armagedom. Autores como Horton, John Walvoord e Charles Ryrie sustentam que grande parte da profecia permanece por se cumprir e deve ser interpretada literalmente.

Na tradição católica, guiada por Agostinho, Tomás de Aquino e reforçada por teólogos modernos como Joseph Ratzinger (Bento XVI), o Apocalipse é compreendido principalmente como um livro simbólico e espiritual, destinado a fortalecer a esperança dos fiéis. Suas imagens não são, em regra, um roteiro minucioso de eventos futuros, mas representações teológicas da luta da Igreja e do triunfo definitivo de Cristo sobre o mal.

Ambas as tradições afirmam a vitória eterna de Cristo, mas percorrem caminhos interpretativos profundamente diferentes. O catolicismo, influenciado por Agostinho, adota uma visão unitária, simbólica e sacramental, na qual o purgatório tem função purificadora e o milênio é visto de forma espiritual.  Já a teologia evangélico-pentecostal, influenciada por Ladd e Horton, defende uma escatologia cronológica, literal e progressiva, rejeitando o purgatório e enfatizando fases distintas até a consumação final. 

Assim, embora o destino último seja o mesmo — a plena restauração sob o senhorio de Cristo —, o percurso teológico até esse destino é descrito de maneira claramente distinta por cada tradição.


SP- 09/12/2025.