sábado, dezembro 13, 2025

Quando Falta Visão - Seis Casos de Miopia Estratégica

Visão
 

João Cruzué

 1. A Xerox, por meio do seu centro de pesquisa PARC (Palo Alto Research Center), desenvolveu nos anos 1970 tecnologias revolucionárias como a interface gráfica com janelas, o mouse, a metáfora de desktop e a computação pessoal em rede. À época, a alta administração da Xerox, voltada ao negócio tradicional de copiadoras, considerou tais inovações pouco relevantes comercialmente e não estruturou uma estratégia agressiva de patenteamento e exploração de mercado.

A Apple, liderada por Steve Jobs, teve acesso a essas tecnologias e incorporou a GUI ao Lisa e, posteriormente, ao Macintosh, redefinindo a indústria de computadores pessoais. A Microsoft seguiu o mesmo caminho com o Windows, tornando-se uma das empresas mais valiosas do planeta. A Xerox, embora pioneira, perdeu a chance de se tornar uma gigante da computação pessoal, enquanto Apple e Microsoft construíram impérios bilionários sobre conceitos que a Xerox julgou periféricos.

2. Os Bell Labs, da AT&T, criaram o UNIX no final da década de 1960, um sistema operacional altamente robusto, modular e portátil. Por restrições regulatórias e visão estratégica limitada, a AT&T licenciou o UNIX a preços simbólicos para universidades e centros de pesquisa, sem perceber seu potencial comercial global e de longo prazo.

Décadas depois, o UNIX tornou-se a base de inúmeros sistemas operacionais, incluindo Linux, BSD, Solaris e, indiretamente, macOS e Android. Empresas como Red Hat, IBM, Google e Apple construíram modelos de negócios bilionários sobre essa arquitetura. A AT&T, por sua vez, não capitalizou o valor estratégico do UNIX e perdeu protagonismo em um dos pilares da economia digital.

3. A Kodak inventou a primeira câmera digital funcional em 1975, desenvolvida por um de seus próprios engenheiros. No entanto, a empresa optou por não explorar a tecnologia, temendo que ela canibalizasse seu altamente lucrativo mercado de filmes fotográficos e revelação química. A patente foi subutilizada e a inovação ficou engavetada por décadas.

Empresas como Sony, Canon, Nikon e, posteriormente, fabricantes de smartphones, dominaram o mercado de imagem digital, criando cadeias produtivas bilionárias. A Kodak, presa a um modelo de negócio obsoleto, entrou em colapso financeiro e pediu falência em 2012. O caso tornou-se um dos exemplos mais clássicos de miopia estratégica e falha de governança da inovação.

4. A Nokia, líder absoluta em telefonia móvel no início dos anos 2000, possuía tecnologias avançadas em mobilidade, design de hardware e comunicação sem fio. No entanto, subestimou o valor estratégico do ecossistema de software, especialmente sistemas operacionais modernos e plataformas de aplicativos, tratando-os como acessórios e não como núcleo do negócio.

Com a ascensão do iOS (Apple) e do Android (Google), ambos fortemente protegidos por patentes e integrados a ecossistemas digitais, a Nokia perdeu rapidamente relevância. O Android, em especial, tornou-se a base do maior sistema operacional móvel do mundo, gerando receitas bilionárias indiretas ao Google. A Nokia, apesar de sua base tecnológica, acabou vendendo sua divisão de celulares e perdendo protagonismo global.

5. A IBM, ao lançar seu computador pessoal em 1981, decidiu não proteger rigidamente a arquitetura do PC, adotando componentes de terceiros e permitindo compatibilidade aberta. A empresa considerava o PC um produto secundário frente a seus grandes sistemas corporativos e mainframes, não antecipando a explosão do mercado de computadores pessoais.

Essa decisão permitiu que empresas como Microsoft (com o MS-DOS e depois Windows) e fabricantes de clones como Compaq, Dell e HP dominassem o mercado. A Microsoft, em especial, transformou o licenciamento de software em um dos modelos mais lucrativos da história, alcançando valorizações trilionárias. A IBM permaneceu relevante em outros segmentos, mas abriu mão do maior ciclo de riqueza já gerado na indústria de tecnologia pessoal.

Assim, esses cinco casos revelam um padrão recorrente: o erro não foi técnico, mas estratégico. As empresas pioneiras detinham conhecimento, patentes e capital humano, mas falharam em compreender o valor futuro da inovação e em alinhar governança, visão de longo prazo e modelo de negócios.

 Agora que chegou até aqui, vou contextuar este assunto comercial com a dimensão espiritual. O erro de estratégia que cometeu condenou sua família a uma vida de perdedores. Talvez isso possa acontecer com você no futudo - leitor -, diante de um assunto  espiritaul abstrato hoje que se tornará concreto no futuro. Você já ouviu falar do Reino de Deus? Pois bem no 6º e último erro de estratégia você vai começar a denteder.

6. Esaú, é um personagem bíblico. Foi protagonista do maior  clássico de miopia estratégica registrado na Bíblia Sagrada.  Esaú era primogênito de sua família, e naquele tempo como tal detinha direitos espirituais, jurídicos e econômicos: liderança da família, herança dobrada e participação direta na linhagem da promessa. 

Contudo, movido por uma necessidade imediata e racional, vendeu sua primogenitura por um prato de comida porque estava com muita fome. Com essa atitutde demonstrou achava desprezível e sem valor  um ativo que tinha valor eterno. As Escrituras destacam que ele “desprezou a primogenitura”, revelando não ignorância, mas desdém consciente pelo futuro. E este futuro era uma bênção espiritural que repercutiria no mundo material.

Assim,  a forma como entender o Reino de Deus, hoje, se desprezível e pura perda de tempo ou algo muito valioso, vai contar na balança de Deus que pesa  seu futuro.

O Novo Testamento Bíblico interpreta esse episódio como advertência severa: Esaú perdeu algo irrecuperável, mesmo tendo se arrendido do que fez, já era tarde demais. 

Encerrando, por hoje, não vou conceituar aqui o que é o Reino de Deus. Uma pesquisa básica daria conta do recado.  Mas, vou deixar um subsídio: "O reino dos céus é também semelhante a um comerciante que procura boas pérolas; e, tendo achado uma pérola de grande valor, vendeu tudo o que possuía e a comprou.

O Reino de Deus é o melhor investimento para uma vida inteira. Um legado para as gerações da sua família.

SP - 13/12/2025






quarta-feira, dezembro 10, 2025

Meditação no Capítulo 3 do Livro Profeta Miqueias

 

Profeta Miqueias

João Cruzué

O Capítulo 3 de Miqueias é o ponto mais alto da indignação do profeta contra as lideranças de Judá e Israel. O capítulo se divide em três golpes certeiros, três oráculos que desnudam a corrupção institucional do século VIII a.C. Logo no início, o profeta dirige-se aos governantes que deveriam guardar o mishpat, mas trocaram a justiça pela ganância. Para expor a gravidade do pecado, Miqueias usa imagens que ferem a alma: líderes que arrancam a pele do povo, quebram seus ossos e os lançam na panela como se fossem carne comum. Não era exagero poético; era a radiografia de um sistema que esmagava os vulneráveis por meio de tributos abusivos, perda de propriedades, escravidão por dívida e um Judiciário vendido ao suborno. E diante dessa violência institucionalizada, o profeta anuncia um juízo proporcional: quem não ouviu o clamor dos pobres não será ouvido quando clamar; Deus esconderá o rosto no dia da angústia.

Na segunda parte, Miqueias volta sua mirada contra outro grupo igualmente responsável pela decadência espiritual do povo: os profetas mercenários. Eles tinham transformado a Palavra do Senhor em moeda de troca. Era “shalom” para quem pagava, e ameaça para quem não sustentava seu ministério. A sentença divina cai pesada: para esses homens, o dia se tornaria noite; não haveria visão, não haveria resposta; cobririam o rosto em vergonha porque Deus já não falaria com eles. Em contraste, o profeta verdadeiro se apresenta: “Mas eu estou cheio do poder do Espírito do SENHOR.” Ou seja: onde há vocação genuína, há coragem moral, discernimento espiritual e força para denunciar o pecado — mesmo quando a mensagem fere, mesmo quando custa relacionamentos, posição ou sustento.

O terceiro oráculo abre o leque e coloca toda a engrenagem de Jerusalém sob avaliação. Miqueias vê uma corrupção com três pilares: justiça pervertida, obras públicas construídas à base de sangue, e religião financiada por interesses. Juízes que só julgam mediante propina, sacerdotes que ensinam por salário, profetas que adivinham por dinheiro. E o mais grave: todos esses líderes ainda tinham a ousadia de dizer: “O Senhor está conosco; nenhum mal nos alcançará.” Acreditavam que a simples existência do Templo funcionava como escudo moral. Confundiam privilégio religioso com aprovação divina. Enquanto isso, edificavam uma cidade brilhante sobre os ombros esmagados dos pobres.

É nesse cenário que Miqueias pronuncia uma das profecias mais ousadas da Bíblia: Sião seria arada como um campo, Jerusalém se tornaria em montes de ruínas, e o monte do Templo viraria matagal. A palavra foi tão séria que, um século depois, foi lembrada no julgamento de Jeremias e serviu para lhe salvar a vida. O recado era claro: quando a injustiça domina, nem o Templo — símbolo máximo da presença de Deus — é poupado. Deus não compactua com estruturas religiosas que se tornaram capa para opressão. A cidade santa podia ostentar sua glória, mas suas fundações estavam manchadas.

Miqueias 3 continua a nos confrontar hoje. Questiona líderes: estamos servindo ou nos servindo? Pregamos a verdade ou apenas o que sustenta nossa reputação? Temos coragem de enfrentar sistemas injustos? E questiona a Igreja: não corremos nós o risco de presumir que Deus está conosco apenas porque mantemos templos, programas e prosperidade? Nosso conforto não pode ser construído em cima do sofrimento alheio. A mensagem permanece tão viva quanto no dia em que foi pronunciada.

O capítulo termina ecoando uma verdade que atravessa séculos: Deus não fecha os olhos para a exploração dos fracos; muito menos quando ela é praticada pelas mãos de quem deveria protegê-los. A denúncia de Miqueias desemboca em seu chamado definitivo, que resume a ética do Reino: praticar a justiça, amar a misericórdia e andar humildemente com Deus. Tudo o que passa disso é religião sem vida — e liderança sem autoridade diante do Senhor.



SP-10/12/2025

terça-feira, dezembro 09, 2025

Quando vai Chegar o Reino de Deus?

 

A conversão de Zaqueu

João Cruzué

O Reino de Deus, na perspectiva pentecostal, não é um conceito distante nem uma promessa adiada. Ele começa exatamente onde o senhorio de Cristo é recebido. Quando Jesus toma o lugar que Lhe pertence, quando o coração se rende e o Espírito Santo passa a governar a vida do crente, o Reino já está presente. Para nós, pentecostais, o Reino não é apenas explicado — é vivido. Ele se manifesta nas orações que tocam o céu, nos cultos onde a presença de Deus é palpável e na transformação diária que só o Espírito pode realizar.

Esse Reino avança, não permanece estático, nem espera circunstâncias favoráveis para se mover. Onde a Palavra é anunciada com convicção e o Espírito opera com liberdade, o Reino se expande. A cada vida regenerada, a cada lar restaurado, a cada pessoa liberta do pecado, o domínio de Cristo se estabelece com mais força. Evangelizar não é apenas falar de Jesus; é estender Seu governo, desfazer obras das trevas e abrir espaço para que a luz de Deus prevaleça.

Os sinais e dons espirituais, tão caros à fé pentecostal, são vistos como expressões concretas desse Reino entre nós. Uma cura, uma libertação, uma palavra profética, uma resposta de oração — nada disso é acidental. Cada intervenção é um lembrete vivo de que o Rei está presente e que Seu poder continua o mesmo. Quando o oprimido é liberto, o Reino se afirma; quando o enfermo se levanta, o Reino se revela; quando o Espírito toca a Igreja, o Reino avança silenciosamente, mas com autoridade.

Mas também sabemos que este Reino, embora já presente, ainda não se completou. Vivemos numa tensão entre o “já” e o “ainda não”. Já experimentamos a presença, mas ainda aguardamos a glória. Já desfrutamos do governo do Espírito, mas ainda esperamos o governo visível do Senhor Jesus Cristo que voltará. Por isso, a igreja pentecostal vive com o coração desperto, em constante expectativa. Não se acomoda, não negocia a esperança e não se esquece de que cada culto pode ser o prelúdio de algo maior.

Assim, o Reino de Deus, em nossa compreensão, é realidade espiritual que transforma e promessa futura que sustenta. Ele alcança o crente hoje, moldando caráter, quebrando cadeias, renovando forças e produzindo santidade. E dominará o mundo amanhã, quando todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é Senhor. Até que esse dia chegue, continuamos orando com convicção, e desejando: "Maraná ta"!

SP - 12/2025




Porque Cristo não Curou todos os Doentes

 

O paralítico do Tanque 

João Cruzué

Os milagres e sinais, quando vistos pela lente da exegese bíblica, não são meros acontecimentos extraordinários lançados na história para despertar espanto. Eles surgem como atos deliberados de Deus, marcados por propósito, direção e pedagogia espiritual. Em cada intervenção, não é apenas o braço de Deus que se move, mas a revelação de Seu caráter, conduzindo homens e mulheres a enxergarem além do fenômeno imediato, para o significado eterno que ele aponta.

No Antigo Testamento, os “sinais” — aqueles gestos divinos que rasgam o curso natural das coisas — aparecem como confirmações da presença e palavra de Deus. A sarça que ardia sem se consumir, o Mar Vermelho que se abriu e o maná que caía do céu não eram apenas respostas às necessidades do povo; eram declarações de quem Deus é. Por trás de cada detalhe, a mão do Senhor ensinava Israel a abandonar os ídolos, fortalecer a fé e caminhar com confiança, mesmo quando a estrada lhes era desconhecida.

Entre os profetas, os milagres surgem como selo que autentica a voz do mensageiro. Elias e Eliseu não buscavam aplausos nem recompensas; suas ações serviam para lembrar ao povo que o Deus de Israel não estava calado. A exegese mostra que os sinais ali não eram para “convencer por força”, mas para conduzir o coração à obediência. Um milagre, para o profeta, era antes um chamado do que um espetáculo.

Quando chegamos ao Novo Testamento, especialmente ao Evangelho de João, os milagres ganham novo nome e novo peso: são “sinais”. Isso porque apontam para Alguém. A água transformada em vinho revela sua autoridade sobre a criação; o cego que passa a enxergar revela quem é a verdadeira luz; a ressurreição de Lázaro revela a fonte da vida. João deixa claro que cada sinal tem um alvo: conduzir o homem a reconhecer que Jesus é o Filho de Deus e, reconhecendo, crer.

Mas a exegese também nos obriga a reconhecer algo que o leitor desatento pode ignorar: nem todos foram curados. Jesus passou por cidades onde muitos continuaram enfermos. Não porque Lhe faltasse poder, mas porque a lógica divina não é a distribuição igualitária de prodígios, mas a realização do propósito do Pai. Os sinais são atos escolhidos, não automatizados; são respostas à agenda eterna de Deus, não a demandas humanas.

Nas cartas apostólicas, os milagres continuam a aparecer, mas agora como extensão da obra de Cristo por meio do Espírito. São dons distribuídos como o Espírito quer, sempre para edificação e não para exibição. Paulo deixa isso claro quando orienta a igreja de Corinto: sinais não são troféus espirituais, mas ferramentas. E, como toda ferramenta divina, precisam servir ao corpo de Cristo, jamais ao ego de alguém.

Há, aqui, uma tensão inevitável: vivemos entre o “já” e o “ainda não”. Os milagres nos lembram que o Reino já irrompeu, mas ainda não se consumou. Hoje vemos cura, libertação e transformação; amanhã veremos redenção plena, quando Deus enxugará toda lágrima. Assim, os sinais de agora não são a promessa final, mas o anúncio preliminar do que está por vir. São lampejos do futuro, entregues como consolo para o presente.

Por fim, quando interpretados com cuidado, os milagres deixam de ser curiosidades sobrenaturais e se tornam janelas para a realidade de Deus. Eles não são o centro da fé, mas apontam para o centro: o próprio Senhor. A exegese nos mostra que o milagre mais importante não é o que transforma circunstâncias, mas o que transforma o coração. Assim, cada sinal, grande ou pequeno, cumpre sua função maior: reconduzir a criatura ao Criador e lembrar a todos nós que, por trás de cada ato visível, sempre há um propósito eterno em movimento.


SP-09/12/2025

Um Pastor à sombra do Carvalho

 

Troca de Ministério por mandato

João Cruzué

À primeira vista, este texto destoa do pensamento predominante entre as muitas lideranças evangélicas de nosso tempo sobre a necessidade de Pastores como representantes políticos. Digo “à primeira vista” porque, em meu entendimento, existem dois tipos distintos de atuação política: a representação e a ação política. Para mim, a ação política exercida por um pastor dentro de seu rebanho é infinitamente mais valiosa do que sua representação solitária em uma Casa legislativa. Abandonar o ministério para assumir um mandato político é, na minha visão bíblica pessoal, como pisar e desprezar o mandato pastoral que o Senhor entregou.

Um pastor verdadeiramente chamado por Deus se assemelha ao profeta jovem que surgiu em Betel para anunciar o nascimento de Josias, da Casa de Davi, diante do rei Jeroboão, profetizando contra o altar idólatra. Quando o rei, irado, estendeu a mão contra o profeta, esta imediatamente se secou. Humilhado, clamou ao profeta por oração, e sua mão foi restaurada. Grato, o rei o convidou: “Vem comigo a minha casa, conforta-te, e eu te darei um presente”.

Mas o profeta respondeu: “Ainda que me desses a metade da tua casa, eu não iria contigo, nem comeria pão, nem beberia água neste lugar. Porque assim me ordenou o Senhor: Não comerás pão, nem beberás água, nem voltarás pelo mesmo caminho por onde vieste”. E o profeta partiu, obediente, voltando por outro caminho conforme a ordem divina.

Havia, porém, em Betel, um profeta velho. E esse profeta experiente, ao ouvir o que acontecera, selou seu jumento e foi ao encontro do homem de Deus. Encontrando-o sentado à sombra de um carvalho, perguntou: “És tu o homem de Deus que veio de Judá?”. Ele respondeu: “Eu sou”. Então o profeta velho insistiu: “Vem comigo para minha casa e come pão”.

O profeta jovem reafirmou: “Não posso. O Senhor me disse claramente que não deveria ficar nem comer neste lugar”. Mas o profeta velho replicou: “Ah! Também sou profeta como tu, e um anjo me falou pela palavra do Senhor, dizendo: ‘Faze-o voltar contigo para tua casa, para que coma pão e beba água’”. Mas aquilo era mentira. E assim, enganado, o jovem profeta voltou, comeu pão e bebeu água na casa dele.

E aconteceu que, depois de comer e beber, o homem de Deus partiu montado em seu jumento. No caminho, um leão o encontrou e o matou. E o estranho da cena é que tanto o jumento quanto o leão permaneceram ao lado do cadáver — uma imagem silenciosa, porém terrível, encontrada por todos que por ali passaram.

Como esse episódio se ajusta ao nosso momento político atual! Ele soa como um alerta aos homens de Deus que hoje estão “sentados à sombra do carvalho”: à sombra da ociosidade, à sombra do orgulho das conquistas passadas, à sombra da acomodação que se aproxima perigosamente do terraço onde Davi caiu em tentação. Ali, nessa sombra confortável, muitos têm sido abordados por vozes persuasivas, sedutoras, que soam espirituais mas desviam do caminho do Senhor.

É sob essa sombra que inúmeros pastores, evangelistas e bispos têm sido assediados nos últimos quinze anos. Ali, na penumbra, longe do sol, ecoam convites sedutores — discursos de “profetas velhos”, cheios de razões e justificativas “espirituais”: “Olha, eu também sou pastor, bispo, homem de Deus como você. Seu lugar não é no Deserto… você precisa ir para Brasília defender o povo, defender a Igreja Evangélica… volte, coma o pão e beba a água do Planalto!”.

E daí têm surgido escândalos, contradições e fisiologismos envolvendo homens que antes calçavam os sapatos do Evangelho, mas que os trocaram pelos “jumentos” do secularismo. Muitas igrejas estão de luto, olhando para o que restou daqueles que antes cuidavam do rebanho do Senhor: cadáveres espirituais cercados de leões e jumentos — uma metáfora triste, porém precisa, de sua queda.

A representação política está ao alcance de qualquer cidadão deste país. Mas não deveria ser o caminho daquele que possui verdadeira chamada para o santo ministério do Senhor. Se esse homem voltar atrás, o Senhor não terá prazer nele. É bom lembrar sempre disso — e guardar esse alerta com temor e tremor.

 

Publicação original em 2010.


O Fim do Mundo na Visão do Catolicismo

 

Perspectiva do purgatório

João Cruzué

A compreensão do “fim do mundo” difere de modo significativo entre o catolicismo e a perspectiva evangélico-pentecostal, ainda que ambas professem a volta gloriosa de Cristo, o juízo final e a consumação eterna. 

O catolicismo, influenciado majoritariamente por Santo Agostinho, entende o fim como um evento único, no qual Cristo retorna, julga e inaugura a eternidade — incluindo o papel do purgatório, que funciona como uma etapa de purificação anterior à visão beatífica. 

Já a teologia evangélico-pentecostal, fundamentada por autores como George Eldon Ladd e Stanley Horton, vê o fim como uma sequência cronológica de eventos proféticos, rejeitando totalmente o purgatório e afirmando que o destino final é selado exclusivamente nesta vida. Assim, embora converjam quanto ao triunfo final de Cristo, divergem quanto ao caminho que conduz a essa consumação.

No primeiro tema — a estrutura dos eventos finais — a visão evangélico-pentecostal entende que a história progride por fases definidas: o arrebatamento da Igreja, seguido pela Grande Tribulação, a segunda vinda visível de Cristo, o Milênio literal e, por fim, o Juízo Final. Essa sequência deriva de uma hermenêutica literal-gramatical, aplicada especialmente aos livros de Daniel e Apocalipse. Para autores como Ladd e Horton, esse encadeamento demonstra o agir progressivo de Deus na história e reforça a expectativa de vigilância da Igreja diante dos sinais escatológicos.

A visão católica, em contraste, sustenta que a consumação ocorre de modo unitário: Cristo retorna uma única vez, e nesse mesmo momento acontece a ressurreição geral e o juízo final. Essa interpretação, herdada principalmente do pensamento de Agostinho, absorve a ideia de que o “milênio” não é uma etapa futura literal, mas uma representação simbólica da era atual da Igreja. 

Nesse contexto aparece o purgatório, cuja doutrina começou a se formar entre os séculos II e IV, desenvolveu-se no pensamento patrístico (especialmente em Tertuliano e Orígenes) e ganhou estrutura definitiva com Agostinho. Ele entendeu que algumas almas, embora salvas, ainda necessitavam ser purificadas para entrar na presença de Deus. A doutrina foi consolidada no Concílio de Florença (1439) e no Concílio de Trento (século XVI), tornando-se parte formal da escatologia católica. Essa etapa intermediária contrasta diretamente com a visão evangélica, que rejeita qualquer possibilidade de purificação pós-morte.

Quanto ao milênio de Apocalipse 20 — a posição evangélico-pentecostal, inspirada em Ladd e Horton, interpreta o milênio como um período literal, no qual Cristo reina fisicamente sobre a Terra após derrotar o Anticristo. Esse reinado é visto como cumprimento das profecias dadas a Israel e como demonstração universal da autoridade messiânica. Para essa tradição, o milênio é uma etapa indispensável da narrativa escatológica.

Já a visão católica, fundamentada na leitura de Agostinho, entende o milênio como simbólico, representando o reinado espiritual de Cristo já presente na história por meio da Igreja. Assim, Apocalipse 20 não descreve uma fase futura da cronologia humana, mas um quadro teológico do triunfo de Cristo sobre o mal ao longo dos séculos. Essa postura reforça a ênfase católica na unidade e consumação final, sem a necessidade de um reinado terreno literal.

Sobre a interpretação do Apocalipse — também distingue profundamente as duas tradições. A teologia evangélico-pentecostal costuma ler o Apocalipse como uma revelação de eventos futuros concretos, incluindo a figura pessoal do Anticristo, a marca da besta, os juízos divinos e a batalha de Armagedom. Autores como Horton, John Walvoord e Charles Ryrie sustentam que grande parte da profecia permanece por se cumprir e deve ser interpretada literalmente.

Na tradição católica, guiada por Agostinho, Tomás de Aquino e reforçada por teólogos modernos como Joseph Ratzinger (Bento XVI), o Apocalipse é compreendido principalmente como um livro simbólico e espiritual, destinado a fortalecer a esperança dos fiéis. Suas imagens não são, em regra, um roteiro minucioso de eventos futuros, mas representações teológicas da luta da Igreja e do triunfo definitivo de Cristo sobre o mal.

Ambas as tradições afirmam a vitória eterna de Cristo, mas percorrem caminhos interpretativos profundamente diferentes. O catolicismo, influenciado por Agostinho, adota uma visão unitária, simbólica e sacramental, na qual o purgatório tem função purificadora e o milênio é visto de forma espiritual.  Já a teologia evangélico-pentecostal, influenciada por Ladd e Horton, defende uma escatologia cronológica, literal e progressiva, rejeitando o purgatório e enfatizando fases distintas até a consumação final. 

Assim, embora o destino último seja o mesmo — a plena restauração sob o senhorio de Cristo —, o percurso teológico até esse destino é descrito de maneira claramente distinta por cada tradição.


SP- 09/12/2025.


O Fim do Mundo na Perspectiva Hinduísta

 

Hinduísmo

João Cruzué

A ortodoxia evangélico-pentecostal e o hinduísmo apresentam visões completamente distintas sobre o que chamamos de “fim do mundo”, porque partem de concepções muito diferentes de Deus, tempo, história e destino humano. Para a fé cristã, o fim é um momento único e decisivo da história; para o hinduísmo, é apenas uma etapa dentro de um ciclo sem fim. Assim, embora ambos reconheçam que a realidade atual não permanece para sempre, cada tradição interpreta essa mudança de forma profundamente diversa.

Na visão evangélico-pentecostal, o fim do mundo é o ato final da intervenção de Deus na história humana, quando Cristo retorna, o mal é derrotado, os mortos ressuscitam e uma nova criação é inaugurada. O tempo é linear: Deus criou o mundo, sustém a história e a conduz para uma consumação planejada, onde justiça, redenção e restauração se unem. O fim não é destruição absoluta, mas transformação — a antiga ordem marcada pelo pecado chega ao fim para que novos céus e nova terra sejam plenamente revelados. O destino humano é definitivo: cada pessoa comparece diante do juízo divino e entra em eternidade com ou sem Deus.

O hinduísmo, por sua vez, não vê o fim como algo final ou absoluto. O cosmos existe em ciclos eternos de criação, preservação e destruição, chamados Yugas, Kalpas ou Pralayas. O tempo é cíclico, não linear; o mundo não caminha para um encerramento definitivo, mas para processos repetidos de dissolução e renovação. A destruição efetuada por Shiva não é um juízo moral, mas parte natural do equilíbrio cósmico. Após cada dissolução, o universo retorna em outra forma. Não há um evento único que encerra a história, nem uma vitória final do bem sobre o mal. O destino humano também é cíclico: reencarnações sucessivas moldadas pelo karma conduzem à libertação individual (moksha), não a um juízo final coletivo.

A diferença essencial está na natureza e no propósito da existência. No cristianismo pentecostal, Deus é pessoal, soberano e conduz a história a um clímax redentor. Há direção, sentido e destino. No hinduísmo, a divindade pode ser pessoal, múltipla ou impessoal, e o universo não tem começo nem fim absolutos. A história não avança; ela gira. O cristianismo vê uma narrativa com início, meio e fim; o hinduísmo vê um fluxo contínuo que se renova indefinidamente.

Essas duas visões também divergem quanto ao significado de salvação. Para a fé evangélica, salvação e fim da história estão ligados: Cristo retorna, julga, restaura e inaugura a eternidade. Para o hinduísmo, a libertação é interior e individual, não depende do destino do cosmos nem de um julgamento final. Enquanto o cristianismo proclama um fim que encerra a antiga ordem para instaurar uma nova, o hinduísmo descreve um fim que simplesmente reinicia o ciclo cósmico.

Em síntese, o cristianismo evangélico-pentecostal anuncia um fim que é consumação — um ponto final que abre um novo capítulo eterno. Já o hinduísmo vê o fim como transição, não como conclusão: o universo se dissolve, mas sempre retorna, e nunca chega a um destino final definitivo. Assim, enquanto a fé cristã oferece a esperança de uma redenção plena e final, o hinduísmo apresenta a realidade imperfeita como um movimento eterno sem término absoluto.

SP- 09/12/2025.



O Fim do Mundo na Perspectiva Popular


Nova Terra
João Cruzué

Na compreensão popular, a expressão “fim do mundo” costuma ser associada à destruição completa do planeta — um colapso total onde nada sobreviveria. É uma ideia moldada por filmes, rumores, previsões sensacionalistas e imaginário coletivo, não pela Bíblia. Nesse entendimento comum, o fim do mundo aparece como um evento caótico e imprevisível, provocado por guerras globais, desastres naturais gigantescos ou impactos cósmicos. A visão dominante é aniquiladora: tudo termina, e a existência deixa de continuar.

A ortodoxia bíblica, porém, apresenta um conceito muito diferente. Quando a Escritura fala do “fim”, ela se refere ao encerramento de uma era — o término do sistema atual marcado por injustiça, corrupção e pecado. Não se trata do fim da criação, mas do fim da ordem presente. O termo usado por Jesus (sunteleia tou aiōnos, Mt 24:3) significa literalmente “conclusão da era”, não destruição do mundo físico. Em vez de aniquilação, o foco bíblico é transformação, purificação e renovação.

Segundo o ensino das Escrituras, aquilo que muitos chamam de “fim do mundo” corresponde ao conjunto de eventos escatológicos que culminam no retorno de Cristo, na ressurreição dos mortos, no juízo final e no estabelecimento definitivo do Reino de Deus. Textos como 2 Pedro 3:10, frequentemente interpretados como destruição total, na verdade descrevem um processo de refinamento, semelhante ao fogo que purifica o ouro. O universo não é eliminado, mas restaurado para cumprir plenamente o propósito de Deus.

Enquanto a visão popular enxerga o fim como algo sem controle, aleatório e destrutivo, a ortodoxia bíblica mostra que tudo ocorre dentro de um plano ordenado. Cada etapa — arrebatamento (na leitura pré-tribulacionista), tribulação, milênio, juízo final e novos céus e nova terra — segue uma sequência com sentido e propósito. Nada é acidental; tudo está sob a direção soberana de Deus.

Assim, o contraste é claro: para a cultura popular, o fim do mundo é destruição; para a Bíblia, é renovação. O mundo como o conhecemos realmente chegará ao fim, mas não por aniquilação — e sim para dar lugar ao mundo que Deus sempre planejou: renovado, justo, livre do mal e repleto da glória divina. A mensagem bíblica não é de desespero, mas de esperança: Deus não destrói Sua criação; Ele a conduz ao seu destino perfeito.


SP-09/12/2025.



Autores demonstrados no texto:

-Gordon Fee (interpretação de “aiōn” e “consumação da era”);

-D. A. Carson (Mateus 24:3 e linguagem apocalíptica);

-Leon Morris (relação AT/NT em temas escatológicos);

-John Stott (visão equilibrada entre juízo e renovação);

-Russell P. Shedd (ênfase no Reino de Deus como renovação, não aniquilação);

Autores Pentecostais:

-Stanley Horton – forte ênfase na renovação da criação e consumação do plano divino;

-Myer Pearlman – didática clara sobre “fim da era”;

-George Eldon Ladd – conceito chave de já e ainda não do Reino.


domingo, dezembro 07, 2025

Meditação nas Parábolas de Mateus 25


 Genini

Parábola das de virgens

João Cruzué

O capítulo 25 do  Evangelho segundo Mateus representa o ápice do sermão escatológico de Jesus, iniciado no capítulo 24, e constitui uma profundo passagens bíblica sobre vigilância, responsabilidade e julgamento final. Este capítulo compõe-se de três narrativas interligadas: a parábola das dez virgens, a parábola dos talentos e o julgamento das nações. Todas convergem para um tema central: a necessidade de preparo ativo e responsável diante da vinda iminente do Reino de Deus. O contexto imediato é o Sermão Profético proferido no Monte das Oliveiras, onde Jesus responde às perguntas dos discípulos sobre os sinais do fim dos tempos e de sua parousia.

A parábola das dez virgens (vv. 1-13) ilustra dramaticamente a necessidade de vigilância constante. As virgens representam aqueles que aguardam a vinda do noivo — Cristo —, mas a distinção entre prudentes e insensatas não reside simplesmente em aguardar, mas em como aguardam. As cinco virgens prudentes levaram azeite extra em suas vasilhas, enquanto as insensatas confiaram apenas no suprimento imediato de suas lâmpadas. O azeite representa simbolicamente a preparação espiritual genuína, a fé viva mantida através do andar em espírito, perseverança e comunhão contínua com Deus. A demora do noivo não foi casual, mas um  teste da autenticidade dessa preparação.

O momento crucial da parábola ocorre à meia-noite, quando o clamor anuncia a chegada do noivo: 

- Aí vem o esposo! Saí-lhe ao encontro!

As virgens insensatas descobrem tarde demais que não podem pedir emprestado a preparação espiritual de outros — a salvação é pessoal e intransferível. A recusa de empréstimo pelas virgens prudentes não é egoísmo, mas reconhecimento de uma realidade espiritual: a preparação individual não pode ser compartilhada no último momento. 

A porta fechada e a declaração "não vos conheço" (v. 12) ecoam advertências anteriores de Jesus sobre a necessidade de relacionamento autêntico com Ele, não mera aparência religiosa. A exortação final "vigiai" (v. 13) sintetiza toda a parábola.



A parábola dos talentos (vv. 14-30) complementa a primeira ao enfatizar não apenas vigilância passiva, mas mordomia ativa. Um homem, partindo para o exterior, confia seus bens a três servos segundo a capacidade de cada um. Os talentos — moedas de alto valor — representam recursos, dons, oportunidades e responsabilidades confiados por Deus a cada pessoa. É fundamental observar que a distribuição é desigual: cinco, dois e um talento, respectivamente. Isso reflete a soberania divina em distribuir dons conforme Sua sabedoria, mas também demonstra que a avaliação será proporcional: Deus não espera colheita de cinco talentos de quem recebeu apenas um.

Os dois primeiros servos demonstram fidelidade ao negociarem seus talentos e dobrarem o capital confiado. A aprovação do senhor é idêntica para ambos: "Muito bem, servo bom e fiel. Foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei" (vv. 21, 23). Essa igualdade de reconhecimento revela que Deus avalia não a quantidade de resultados, mas a fidelidade proporcional ao que foi confiado. O convite a "entrar no gozo do teu senhor" indica participação escatológica na alegria e comunhão do Reino. A parábola ensina que vigilância genuína manifesta-se em trabalho diligente, não em passividade contemplativa aguardando o retorno do Mestre.

O servo que recebeu um talento, porém, revela uma compreensão distorcida de Deus ao chamá-lo de "homem severo" que colhe onde não semeou (v. 24). Essa percepção errônea paralisa-o em medo e leva-o a enterrar o talento — comportamento que preserva o capital mas nega o propósito da confiança. Jesus expõe a hipocrisia dessa justificativa: mesmo aceitando sua lógica distorcida, o servo deveria ao menos ter depositado o dinheiro com banqueiros para render juros. A condenação não vem por falha nos resultados, mas por recusa deliberada em tentar. O servo é chamado de "mau e negligente", e o talento lhe é tirado, demonstrando que dons não exercitados atrofiam-se e podem ser perdidos.

O julgamento das nações (vv. 31-46) apresenta a cena culminante: o Filho do Homem, em Sua glória, assentado no trono, separando as nações como pastor separa ovelhas de bodes. Este não é julgamento de indivíduos isolados, mas de "todas as nações" (ta ethne), sugerindo dimensão universal e coletiva. O critério surpreendente do julgamento não são credos teológicos ou rituais religiosos, mas ações concretas de misericórdia: alimentar famintos, dar água aos sedentos, acolher forasteiros, vestir nus, cuidar de enfermos e visitar prisioneiros. Esta lista não é exaustiva, mas representativa de solidariedade com os vulneráveis.

O elemento revolucionário dessa passagem é a identificação de Cristo com "os menores destes meus irmãos" (v. 40). Jesus estabelece união mística entre Si mesmo e os sofredores: servir aos necessitados é servir a Cristo; ignorá-los é ignorar a Cristo. Essa identificação radical fundamenta toda ética cristã de justiça social. Tanto os justos quanto os injustos expressam surpresa: "quando foi que te vimos?" (vv. 37-39, 44). Isso indica que o julgamento avalia não ações calculadas para mérito, mas expressão espontânea de caráter transformado. Os justos praticaram misericórdia sem consciência de estar servindo a Cristo — marca de autenticidade.

A unidade temática do capítulo emerge claramente: as três seções abordam preparação para o Reino sob perspectivas complementares. As virgens enfatizam vigilância contínua; os talentos, mordomia ativa dos recursos confiados; o julgamento final, frutos éticos dessa preparação espiritual. Juntas, essas narrativas desafiam tanto quietismo piedoso quanto ativismo sem raízes espirituais. A vida cristã autêntica integra oração e ação, contemplação e serviço, fé e obras. O capítulo refuta reducionismos que separam salvação pessoal de responsabilidade social, ou que separam ortodoxia de ortopraxia.

A relevância contemporânea de Mateus 25 permanece urgente e desafiadora. Em contexto de desigualdades crescentes, crises humanitárias e individualismo religioso, este capítulo convoca a Igreja a redescobrir o cristianismo integral. A preparação para a vinda de Cristo não se resume a especulações escatológicas ou experiências místicas isoladas, mas manifesta-se em vida transformada que reflete o caráter de Cristo através de fidelidade nos dons recebidos e solidariedade concreta com os marginalizados. 

Assim, não haverá neutralidade no julgamento final: seremos avaliados não apenas pelo que cremos ou professamos, mas fundamentalmente por como vivemos essa fé em relação aos mais vulneráveis da sociedade, nos quais Cristo misteriosamente se faz presente e nos convoca ao serviço do Reino.


SP- 07/12/2025




A Lógica na Distribuição dos Talentos em Mateus 25

 


IA do Gemini
O Bom Samaritano 

João Cruzué

O Evangelho em Mateus 25 relata que certo homem (ánthrōpos)  distribuiu talentos “a cada um conforme a sua capacidade”, o que indica que a distribuição não foi aleatória, mas criteriosa e baseada no conhecimento prévio que o Senhor tinha de cada servo. Este homem representa o Senhor Deus. Essa expressão revela que Ele não entrega grandes responsabilidades a quem Ele sabe que não conseguirá administrá-las. A questão não é favoritismo, mas discernimento divino: antes mesmo de entregar os talentos, seu Senhor já sabia de que tipo de fidelidade poderia esperar de cada um. Por isso, o servo negligente recebeu apenas um talento — não como punição, mas como medida de misericórdia e adequação à sua maturidade espiritual e capacidade real de administração. Outra interpretação, seria que este servo fosse novo e estivesse sendo testado para verificar seu empenho.

Se você tivesse três filhos, como distribuiria as responsabilidades dentro da sua casa se tivesse que viajar por três dias? Daria a mesma coisa para qualquer um deles?

O fato do servo com cinco talentos (τάλαντα) ter frutificado abundantemente mostra que seu Senhor conhecia seu caráter e confiava em sua diligência. É importante notar que Jesus não apresenta esse servo como alguém favorecido, mas como alguém coerentemente incumbido de uma tarefa proporcional às suas condições. Se alguém na parábola tivesse recebido “seis talentos”, a lógica do texto indica que se trataria de um servo ainda mais capaz e fiel, pois o Senhor só amplia a responsabilidade de quem já demonstrou fidelidade na medida anterior. Assim, quem recebesse seis talentos certamente não os enterraria, porque o Senhor não confiaria essa porção maior a um servo propenso à negligência.

O servo negligente, ao justificar seu fracasso, revela não sua incapacidade, mas sua visão distorcida de Deus: “Eu sabia que és homem severo…”. Essa confissão expõe o verdadeiro problema: ele não fracassou por falta de talento, mas por falta de confiança, entendimento e relacionamento. Seu medo não é santo; é fruto de uma percepção equivocada do caráter do Senhor. Assim, a negligência nasce da teologia errada — ele age com base em uma falsa imagem de Deus, e essa postura o paralisa.

Os outros servos, ao contrário, demonstram compreensão adequada do caráter do Senhor. Trabalham com alegria, responsabilidade e iniciativa. Sabem que o Senhor é bom e considera seus esforços. Por isso, ao invés de enterrar o talento, colocam-no em movimento, sem medo de falhar. A resposta do Mestre — “Muito bem, servo bom e fiel” — confirma que o que Ele avalia não é o tamanho do resultado, mas a fidelidade proporcional ao que confiou. Se houvesse um servo com seis talentos, sua fidelidade seria igualmente medida, não pelo volume, mas pela relação entre dom e resposta.

A parábola ensina, portanto, que Deus não amplia responsabilidades sobre quem Ele sabe que não as suportará. Antes de confiar um talento — ou cinco, ou seis — Ele observa, conhece e avalia o coração. Não entrega “cinco talentos espirituais” a covardes, nem “seis talentos ministeriais” a egoístas, porque isso não seria benção, mas ruína. A sabedoria divina distribui dons de acordo com a capacidade presente do indivíduo, com uma expectativa de crescimento, e não de colapso.

Assim, o servo com um talento não foi rejeitado pelo Senhor, mas recebeu a porção que correspondia à sua condição. Ele tinha exatamente o necessário para ser fiel, mas escolheu não ser. Seu fracasso não se deve à quantidade do que recebeu, mas ao que fez com aquilo que recebeu. A parábola deixa claro que, se tivesse recebido cinco ou seis talentos, sua negligência teria sido ainda mais grave — e por isso o Senhor, sábio, não sobrecarregou quem já se mostrava limitado.

A lógica espiritual do texto, portanto, é esta: Deus entrega o mais àqueles que já demonstraram fidelidade no pouco. Aquele que multiplica cinco talentos multiplicaria seis; aquele que enterra um talento enterraria qualquer quantidade. A parábola não trata de desigualdade, mas de discernimento divino e de responsabilidade proporcional. Assim, Deus nos chama não a desejar o que não recebemos, mas a multiplicar com alegria o que Ele colocou em nossas mãos — porque foi exatamente isso que Ele sabia que poderíamos administrar, frutificar e devolver com fidelidade.

Questão para meditar: Quantos talentos você julgar ter o sacerdote (ἱερεύς), o levita (Λευΐτης) e o samaritano (Σαμαρίτης) na parábola do capítulo 10, do Evangelho segundo Lucas?




quinta-feira, dezembro 04, 2025

Vinte anos Gratuitos na Plataforma Blogger - 2005 a 2025

 


João Cruzué

Não posso deixar de agradecer formalmente ao Google pelos 20 anos (2005 - 2025) que tem disponibilizado gratuitamente a plataforma blogspot.com. Falo em meu nome e em nome de todos os colegas evangélicos que criaram seus blogs a partir daquela época, para a publicação de posts de assuntos cristãos.

Aproveito para dizer que somos agradecidos por esta incrível ferramenta  que o Google ainda mantém gratuita. O tempo de criar blogs e escrever sobre as coisas maravilhosas que Deus tem feito em nossos vidas.

Eu comecei a escrever em 2004, para comunicar aos meus poucos leitores, naquela época, sobre as grandes coisas que Deus tem feito em minha vida. Hoje, depois desses 20 anos, ao menos 5 milhões de leituras foram feitas em meus blogs, principalmente no www.olharcristao.blogspot.com  e no www.cursobiblico.blogspot.com.

Ainda é tempo de começar. Os blogs ainda estão aqui. Aproveite, a criação de um blog e as publicações no www.blogger.com ainda são de graça. Isto acontece porque o Google  banca os custos. 

Quanto mais blogueiros escreverem, principalmente boas coisas, notícias bem apuradas, assuntos de utilidade pública, mais tempo esta gratuidade terá. A qualidade da sua publicação vem com esforço, dedicação e com tempo. 

Eu sempre cri que Blogs são as oficinas dos futuros escritores mais lidos do Brasil. Que a maioria deles sejam cristãos. Vi muitos colegas que começaram na UBE em 2007 publicando seus livros. Estive Pessoalmente em 31/03/2015, na Livraria Cultura, Conjunto Nacional, da Avenida Paulista,  para o lançamento de um livro do irmão Rubens Teixeira da Silva, pela Editora Sextante. 








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quarta-feira, dezembro 03, 2025

O Encontro de Jesus com a Mulher Siro-Fenícia

 

Jesus e a Mulher Siro-Fenícia

João Cruzué

O encontro de Jesus com a mulher siro-fenícia revela um dos momentos mais enigmáticos e, ao mesmo tempo, mais abençoado do Evangelho. Jesus havia se retirado para a região de Tiro e Sidom — território gentio — em uma espécie de recolhimento. Ali, onde jamais se pensaria em uma intervenção divina, eis que surge uma mulher estrangeira, descrita por Marcos como “grega, siro-fenícia de origem”.  Aos olhos dos judeus, ela representava tudo de desprezível. Não tinha direito à promessa, etnia gentia, religião errada, território errado. Mesmo assim, ela veio. Seu pedido não era para si, mas para sua filha endemoninhada, revelando uma fé que nasce da dor, mas também da esperança.

O primeiro silêncio de Jesus, relatado por Mateus, não era rejeição, mas provocação pedagógica. Jesus, ao dizer que veio “apenas às ovelhas perdidas da casa de Israel”, expôs um limite que a própria missão messiânica ultrapassaria mais tarde. A mulher, contudo, não recuou; e continuou firme. Avançou. Prostrou-se. Adorou. Insistiu. E quando Jesus utilizou a dura expressão — “Não é bom tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos” — Ele não a humilha, mas revela a tensão histórica entre judeus e gentios. A resposta dela, entretanto, se torna uma das declarações de fé mais extraordinárias das Escrituras: “Sim, Senhor; mas até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos.”

Ali, a barreira entre a promessa e o estrangeiro caiu por terra.

A fé da mulher siro-fenícia não exigiu privilégios; ela apenas reconheceu que uma migalha da graça de Cristo é suficiente para alterar toda a realidade. Sua confiança desarmou qualquer limite cultural, religioso ou étnico. Ela não disputou a primazia de Israel, mas discerniu que a misericórdia de Deus é tão abundante que transborda mesas, templos e fronteiras. O que poucos em Israel perceberam, ela enxergou: Jesus era, é e será suficiente.  Melhor: Jesus é mais do que suficiente.

O milagre que se seguiu — a libertação imediata de sua filha — foi a assinatura divina sobre uma fé que ultrapassou séculos de separação. O Reino de Deus avançou, chegando primeiro justamente a quem estava mais distante. Esse encontro, portanto, não é casual; ele antecipa a inclusão dos gentios, confirma que a fé é a chave que abre portas e demonstra que nenhum limite humano consegue aprisionar a misericórdia divina. Cristo não mudou Sua vontade; Ele revelou progressivamente seu alcance.

A história da mulher siro-fenícia nos desafia ainda hoje.

Quantas vezes aceitamos limites que Deus não colocou? Quantas vezes desistimos ao primeiro silêncio? A fé dessa mulher nos ensina a insistir, a permanecer, a adorar mesmo quando não entendemos, e a reconhecer que mesmo quando tudo parece fechado, há migalhas do Reino caindo — e nelas há poder suficiente para transformar vidas inteiras. Assim como aquela mulher, somos convidados a ultrapassar barreiras e a descobrir que a graça de Cristo é maior do que qualquer rótulo, distância ou impossibilidade.


Humilhai-vos, portanto, 

sob a poderosa mão de Deus, 

para que ele, 

em tempo oportuno, vos exalte;

(I Pedro 5:6)


terça-feira, dezembro 02, 2025

Resumo do Filme Deixados para Trás I

 

O Filme

João Cruzue

O filme "Deixados para Trás I" (Left Behind, 2000), é baseado no best-seller de Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins, e tem início em um mundo contemporâneo onde o piloto de avião Rayford Steele (Brad Johnson) vive um casamento em crise com Irene, que se converteu ao cristianismo evangélico. Enquanto Rayford flerta com a comissária Hattie Durham, seu filho adulto Buck Williams (Kirk Cameron), um repórter de TV, investiga conspirações globais envolvendo o cientista israelense Chaim Rosenzweig e seu milagroso fertilizante que resolve a fome mundial.

De repente, ocorre o Arrebatamento: milhões de cristãos verdadeiros desaparecem instantaneamente, deixando roupas e pertences para trás. Aviões caem, carros batem, o caos se instala. Rayford, pilotando um voo transatlântico, percebe que sua esposa e filho pequeno sumiram, enquanto Buck, no mesmo avião, grava o pânico dos passageiros. No solo, a filha de Rayford, Chloe (Janaya Stephens), enfrenta a realidade ao encontrar a casa vazia.

Buck descobre uma conspiração liderada pelo carismático Nicolae Carpathia (Gordon Currie), um jovem político romeno que ascende rapidamente na ONU prometendo paz mundial. Carpathia controla bancos, mídia e governos, usando o fertilizante de Rosenzweig como moeda de troca. Buck obtém uma fita comprometedora que revela o plano de Carpathia para dominar o mundo.

Rayford, desesperado para voltar aos EUA, enfrenta problemas no avião e questiona sua descrença anterior. Chloe, inicialmente cética, começa a conectar os desaparecimentos às profecias bíblicas que sua mãe pregava. Buck e Chloe se encontram em meio ao caos em Chicago e formam uma aliança improvável. Um pastor que "ficou para trás", Bruce Barnes (Clarence Gilyard), explica que o Arrebatamento foi o cumprimento de 1 Tessalonicenses 4:16-17.

O filme culmina com Buck confrontando Carpathia na ONU, revelando sua identidade como o Anticristo. Rayford e Chloe se convertem genuinamente, formando o núcleo da Tribulação Força, um grupo de resistência espiritual. O longa termina com a mensagem de que ainda há esperança para os "deixados para trás" se aceitarem Cristo antes dos sete anos de Tribulação, prenunciando as sequências da série.


SP-02/12/2025



A Prisão de Pedro e o Rei Herodes

 

Pintura de Valdés Leal

João Cruzue

A segunda prisão de Pedro ocorre em um momento de intensa efervescência espiritual em Jerusalém, quando a Igreja crescia rapidamente por meio de sinais, curas e pregação pública no Pórtico de Salomão. Multidões chegavam da cidade e de aldeias vizinhas trazendo enfermos e oprimidos, e todos eram curados, o que conferia enorme legitimidade ao testemunho apostólico. Esse impacto provocou inquietação no sumo sacerdote e nos saduceus, que temiam perder autoridade religiosa e política. Dominados por “inveja” (zēlos), agiram para prender Pedro e demais apóstolos, colocando-os na prisão pública (tērēsis dēmosia). Aqui surge a grande tensão: dias antes, Tiago, irmão de João, fora morto por Herodes Agripa I; agora, Pedro é preso pelo mesmo ambiente hostil. Por que o primeiro morre e o segundo é preservado? Essa contradição aparente se torna central para entender a soberania divina e a missão apostólica.

Durante a noite, um anjo do Senhor intervém e liberta Pedro e os apóstolos, ordenando que voltem ao templo para ensinar. A ação sobrenatural não apenas reverte a ordem humana, mas demonstra que Deus conduz cada apóstolo segundo Seu próprio propósito. A morte de Tiago não representou abandono, e a libertação de Pedro não representa favoritismo; ambas fazem parte da economia divina em que Deus conduz Sua obra por caminhos variados. Tiago dá testemunho por meio do martírio; Pedro, por meio da continuidade pública da missão. A contradição aparente resolve-se quando se percebe que não há ausência de Deus na morte de um nem privilégio na vida de outro, mas finalidades diferentes para instrumentos diferentes.

Ao amanhecer, as autoridades descobrem que a prisão está lacrada, os guardas a postos, mas os apóstolos ausentes. A perplexidade do Sinédrio aumenta quando recebem a notícia de que Pedro e os outros estão novamente ensinando no templo. Conduzidos para novo interrogatório, são acusados de desobediência. Pedro responde com a célebre frase: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens.” Esse princípio ajuda a compreender por que Tiago morre e Pedro vive: a obediência não garante resultados idênticos, mas submete cada vida ao plano soberano de Deus. O foco não está na autopreservação, mas na fidelidade; e Deus escolhe, conforme Seu propósito, quando a fidelidade é testemunhada pela vida e quando é testemunhada pela morte.

No meio da deliberação do Sinédrio, Gamaliel intervém com prudência, lembrando que obras humanas desaparecem, mas obras divinas permanecem. Sua análise histórica aponta para a mesma verdade revelada na diferença entre Tiago e Pedro: Deus conduz Sua obra por caminhos que ultrapassam a lógica humana, permitindo que alguns concluam seu testemunho rapidamente, enquanto outros permanecem para funções específicas. Gamaliel não compreende completamente a fé cristã, mas intui que há algo maior do que cálculo político operando naqueles acontecimentos, pois a obra dos apóstolos não se comportava como um movimento humano comum.

Ao final, embora açoitados e proibidos de pregar, os apóstolos saem regozijando-se por sofrer pelo nome de Jesus e continuam diariamente no templo e nas casas. Pedro segue vivo — não por ser mais importante do que Tiago, mas porque sua missão ainda não estava concluída. Tiago morre — não por falta de proteção divina, mas porque seu martírio se torna semente para a Igreja. A tensão entre a morte de um e a libertação do outro ilumina a realidade profunda do Reino: Deus não se compromete com resultados uniformes, mas com finalidades eternas. Assim, a segunda prisão de Pedro nos ensina que a obra de Deus avança por meio de vidas preservadas e vidas ofertadas — ambas igualmente valiosas aos olhos daquele que dirige a história.