sábado, dezembro 20, 2025

Os efeitos dos Pogrons Russos na 3ª Aliá dos Judeus para a Palestina

Pogrons Russos :
destruição de propriedades de judeus

João Cruzué

Os pogroms representam um dos episódios mais sombrios da história judaica moderna e ajudam a explicar, de forma direta, o surgimento da 3ª Aliá. Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, comunidades judaicas do Leste Europeu viveram sob a ameaça constante de ataques coletivos marcados por extrema violência. Casas eram saqueadas, sinagogas incendiadas e famílias inteiras massacradas. Mais grave ainda era a percepção de que o Estado, em vez de proteger, frequentemente fechava os olhos ou estimulava indiretamente esses crimes.

O pogrom ocorrido em Kishinev, em 1903, tornou-se um símbolo dessa realidade brutal. Os relatos de mortos, feridos e bairros inteiros destruídos chocaram a opinião pública internacional e produziram um abalo profundo no mundo judaico. A lição deixada por Kishinev foi amarga e clara: a vida judaica na Europa Oriental estava à mercê da violência popular e da indiferença governamental, sem garantias reais de segurança ou justiça.

O pogrom de Kishinev ocorreu durante a Páscoa judaica, em abril de 1903, após a circulação de boatos antissemitas conhecidos como libelos de sangue, que falsamente acusavam judeus de assassinato ritual. Durante dois dias, multidões atacaram sistematicamente bairros judaicos, assassinando civis indefesos, violentando mulheres e destruindo centenas de casas e estabelecimentos comerciais. Estima-se que cerca de 49 judeus tenham sido mortos e centenas feridos, embora o impacto psicológico tenha sido muito maior do que os números sugerem. As forças policiais permaneceram em grande parte inertes, intervindo tardiamente ou simplesmente observando, o que reforçou a percepção de cumplicidade estatal. Kishinev marcou um ponto de ruptura: para muitos judeus, ficou evidente que a violência não era episódica, mas estrutural, e que a permanência naquelas sociedades significava viver sob ameaça permanente.

Nos anos seguintes, a situação piorou. A Revolução Russa de 1905 e, posteriormente, a Guerra Civil Russa, entre 1918 e 1921, mergulharam a região no caos. Milícias armadas, tropas irregulares e facções políticas rivais transformaram comunidades judaicas em alvos recorrentes. Milhares de judeus foram mortos, e incontáveis outros perderam tudo o que possuíam. Para muitos, tornou-se impossível acreditar que a emancipação jurídica ou a assimilação cultural fossem capazes de protegê-los da perseguição.

É nesse cenário de medo, luto e desesperança que se forma a 3ª Aliá (1919–1923). Diferentemente de ondas migratórias anteriores, ela foi composta majoritariamente por jovens profundamente marcados pela violência dos pogroms. Esses imigrantes não partiam apenas em busca de melhores condições econômicas, mas movidos pela convicção de que a sobrevivência do povo judeu exigia uma solução coletiva, concreta e duradoura.

Os pogroms atuaram, assim, como um poderoso fator de expulsão e, ao mesmo tempo, como um impulso ideológico. Ao demonstrar os limites da convivência segura na Europa Oriental, fortaleceram o sionismo como resposta prática à perseguição. A Palestina passou a ser vista não apenas como uma promessa histórica ou religiosa, mas como um espaço onde os judeus poderiam reconstruir suas vidas com autonomia, trabalho próprio e autodefesa.

A criação dos kibutzim (em hebraico, קיבוץ, “coletivo”) foi uma das expressões mais concretas do espírito da 3ª Aliá. Para os pioneiros — os halutzim (חלוצים) — o assentamento agrícola comunitário não era apenas uma forma de sobrevivência econômica, mas um projeto ético e nacional. Inspirados por ideais de igualdade e cooperação (שיתוף – shituf), eles defenderam a avodá ivrit (עבודה עברית, trabalho judaico) como meio de reconstrução da dignidade após os pogroms. Cultivar a adamah (אדמה, a terra) com as próprias mãos simbolizava romper com séculos de marginalização e dependência. Nos kibutzim, a vida coletiva, a partilha dos bens e a educação comum buscavam formar um “novo judeu”, livre do medo, capaz de se defender e de construir o futuro com autonomia.

Resumindo, os pogroms não foram apenas antecedentes históricos da 3ª Aliá, mas seu principal motor. Eles romperam definitivamente a ilusão de segurança na Europa Oriental e empurraram uma geração inteira para a ação histórica. A 3ª Aliá canalizou dor e medo em construção — especialmente por meio dos kibutzim — lançando bases humanas, sociais e institucionais que seriam decisivas, anos mais tarde, para a formação do Estado de Israel.

Livro recomendado: Israel - uma História, por Anita Shapira

SP- 20/12/2025.






Pespectiva de Duração da Guerra Rússia x Ucrânia em 2026

Putin x Zelensky

João Cruzué

A Guerra da Rússia x Ucrânia é sem dúvida o maior conflito mundial em andamento nesta véspera de Natal de 2025. A invasão da Ucrânia pelo exército russo iniciada em 24 de fevereiro de 2022 caminha para quatro anos de carnificina. Estimativas ocidentais dão conta de que a Rússia tenha perdido 250.000 combatentes entre  1.000.000 de baixas (mortos e feridos). Do outro lado,  a Ucrânia deve ter 100.000 mortos em 500.000 baixas. Isso soma 1.500.000 baixas, sendo 350.000 mortos. O que era para durar poucos dias ou semanas, de acordo com a perspectiva inicial dos estrategistas russos, pode se estender  mais tempo. Quanto esse tempo vai durar é incerto, porém a duração está estreitamenta relacionada com a capacidade russa em manter esse esforço de guerra. Veja a opinião dos principais analistas:

Institute for the Study of War (ISW)

O ISW avalia que a Rússia reestruturou sua economia e seu aparato militar para uma guerra de longa duração, operando em regime de mobilização parcial e economia de guerra. Segundo o instituto, Moscou consegue sustentar o conflito por vários anos, desde que mantenha controle político interno, continue redirecionando recursos civis para o setor militar e preserve canais de comércio indireto com países não alinhados às sanções. O ISW ressalta, contudo, que essa capacidade não é ilimitada: o custo humano crescente, o desgaste de equipamentos e a dependência de munições de menor qualidade indicam um modelo sustentável no tempo, porém com progressiva perda de eficiência estratégica.


Center for Strategic and International Studies (CSIS)

O CSIS estima que a Rússia possui capacidade material e industrial para sustentar o esforço bélico entre 3 e 5 anos, desde que mantenha elevados gastos militares (acima de 6% do PIB) e continue priorizando a produção de armamentos em detrimento do bem-estar econômico interno. O centro destaca que a Rússia compensou sanções com reorientação comercial, uso de estoques herdados da era soviética e importações paralelas. Entretanto, o CSIS alerta que a continuidade da guerra nesse horizonte temporal ampliará fragilidades fiscais, inflacionárias e tecnológicas, tornando o conflito cada vez mais oneroso para o Estado russo.


Chatham House

O Chatham House sustenta que a Rússia não opera com um “relógio econômico clássico”, mas com um cálculo político de sobrevivência do regime. Para seus analistas, Moscou pode sustentar a guerra por tempo indeterminado em termos formais, desde que a elite permaneça coesa e a repressão interna neutralize pressões sociais. O limite não seria financeiro imediato, mas político: a guerra se torna insustentável apenas quando os custos ameaçam a estabilidade do poder central. Assim, o instituto considera plausível um conflito prolongado por 5 anos ou mais, mesmo sob deterioração econômica gradual.


RAND Corporation

A RAND adota uma leitura cautelosa e baseada em cenários, avaliando que a Rússia dispõe de recursos para manter a guerra entre 2 e 4 anos em alta intensidade, ou por um período maior caso reduza o ritmo operacional e aceite ganhos territoriais limitados. A instituição destaca que o maior risco para Moscou não é a escassez imediata de recursos, mas o efeito cumulativo da guerra sobre produtividade, inovação tecnológica e legitimidade política. Para a RAND, a Rússia pode “aguentar mais”, mas cada ano adicional reduz sua margem estratégica futura.


War on the Rocks

Os analistas do War on the Rocks argumentam que a Rússia adaptou seu modelo de guerra para um formato de atrito prolongado, no qual aceita perdas elevadas para obter ganhos incrementais. Na visão do portal, Moscou possui recursos humanos e industriais suficientes para continuar a guerra por vários anos, mas com forças progressivamente menos qualificadas e equipamentos cada vez mais degradados. O tempo joga a favor da Rússia apenas se o apoio ocidental à Ucrânia diminuir; caso contrário, o conflito tende a se tornar um impasse custoso para ambos os lados.


Tim Willasey-Wilsey

Willasey-Wilsey entende que a Rússia planejou o conflito como uma disputa de resistência estratégica, apostando que o Ocidente se cansaria antes. Em sua avaliação, Moscou tem condições de sustentar a guerra por pelo menos 4 a 6 anos, desde que o regime mantenha controle narrativo interno e evite colapsos econômicos abruptos. Ele ressalta que a liderança russa está disposta a aceitar empobrecimento relativo da população como preço político aceitável para alcançar objetivos geopolíticos.


Evgeny Finkel

Finkel argumenta que a capacidade russa de continuar a guerra não depende apenas de recursos materiais, mas da normalização da violência e da repressão interna. Para ele, a Rússia pode sustentar o conflito por um período prolongado, potencialmente superior a 5 anos, porque o regime demonstrou disposição histórica de absorver perdas humanas elevadas. O verdadeiro limite, segundo Finkel, surgiria se a guerra passasse a ameaçar diretamente a estabilidade interna ou provocasse fraturas significativas entre elites civis e militares.


Atlantic Council – UkraineAlert

O Atlantic Council avalia que a Rússia possui recursos financeiros, industriais e humanos para continuar a guerra no médio prazo (3 a 5 anos), mas alerta que essa capacidade é diretamente influenciada pela intensidade e continuidade das sanções e pelo apoio externo à Ucrânia. Segundo o grupo, a Rússia consegue sustentar o conflito porque transformou a guerra em pilar de legitimação interna, mas cada ano adicional aumenta o custo estratégico e reduz sua capacidade de projeção global no pós-guerra.


Anders Puck Nielsen

Nielsen avalia que a Rússia tem condições de continuar lutando por vários anos, mas não indefinidamente no mesmo ritmo. Para ele, Moscou pode manter a guerra enquanto conseguir mobilizar tropas, produzir munições e compensar perdas, porém a qualidade operacional tende a cair com o tempo. O fator decisivo não é apenas quanto tempo a Rússia pode lutar, mas se consegue transformar esse esforço prolongado em ganhos estratégicos reais antes que o desgaste se torne irreversível.


Michael Clarke

Michael Clarke destaca que a Rússia estruturou sua narrativa interna para justificar uma guerra longa, preparando a sociedade para sacrifícios contínuos. Em sua análise, Moscou dispõe de recursos para sustentar o conflito por vários anos — possivelmente uma década em baixa intensidade, caso aceite estagnação econômica e isolamento internacional. O maior risco para o Kremlin não é a falta de recursos, mas a erosão gradual da legitimidade política se a guerra deixar de produzir resultados visíveis.


Síntese Geral

O consenso entre os principais analistas internacionais é que a Rússia não enfrenta um limite imediato de recursos, podendo sustentar a guerra entre 3 e 6 anos, ou até mais, se reduzir a intensidade do conflito e mantiver controle político interno. O verdadeiro fator limitante não é econômico no curto prazo, mas político, social e estratégico. A duração final da guerra dependerá menos da capacidade russa isolada e mais do nível de apoio ocidental à Ucrânia, da coesão interna do regime russo e da disposição de ambas as partes em aceitar um conflito prolongado de desgaste.

Minha opinião depois de ouvir os especialistas: A Rússia pode sustentar esta guerra por pelo menos mais 5 anos. O porém desta perspectiva é que, quanto mais tempo ela durar,  mais a Rússia  vai se  fragilizar politico e economicamdente. Em poucas palavras: pode ser uma vitória de Pirro. 

Mas, tem outra coisa.

É bem possível que o Senhor Deus esteja cobrando agora a "fatura" dos Pogrons. Assunto de post futuro. Veja isto:

Os perpetradores dos pogroms os organizavam localmente, algumas vezes com o incentivo do governo e da polícia. Eles estupravam e matavam suas vítimas, além de vandalizar e roubar suas propriedades. Durante a guerra civil que se seguiu à Revolução Bolchevique de 1917, nacionalistas ucranianos, autoridades polonesas, e soldados do Exército Vermelho se engajaram em violentos pogroms na região oeste da Bielorrússia e na província da Galícia, na Polônia (atualmente Ucrânia ocidental), matando dezenas de milhares de judeus entre 1918 e 1920.  Foi mais ou menos por esse tempo que ocorreu a Terceira Aliá (terceira onda de imigração judaica moderna para a Palestina) entre 1919 a 1923, logo após o fim da Primeira Guerra Mundial.  


SP-20/12/2025





sexta-feira, dezembro 19, 2025

As Três Bestas do Apocalipse

 

Apóstolo João


João Cruzué

O Apocalipse apresenta três figuras do mal em aliança — o Dragão, a Besta que sobe do mar e a Besta que sobe da terra (o falso profeta) — formando uma paródia profana da Trindade. Essas figuras não são meros personagens isolados, mas expressões articuladas do mal espiritual, político e religioso. A tradição cristã leu esses textos de maneiras distintas conforme o método teológico adotado. A seguir, são expostas, de modo contínuo e comparativo, as interpretações de Stanley M. Horton, John F. Walvoord, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, com cinco parágrafos dedicados a cada Besta.

O Dragão, em Apocalipse 12, é compreendido por Stanley Horton como Satanás pessoal e real, a fonte espiritual de toda perseguição e engano. Para ele, o texto não permite uma leitura meramente simbólica: trata-se do inimigo histórico da Igreja, derrotado judicialmente pela cruz, mas ainda ativo no tempo presente. Horton enfatiza que o Dragão atua por meio de sistemas e poderes humanos, nunca de forma isolada.

John Walvoord interpreta o Dragão de maneira igualmente literal, mas com forte ênfase escatológica. Para ele, Apocalipse 12 descreve eventos objetivos ligados ao fim dos tempos, incluindo a expulsão definitiva de Satanás da esfera celestial e sua fúria concentrada contra Israel e os santos. O Dragão é um ser pessoal, inteligente e estrategista, cujo tempo é curto e delimitado.

Santo Agostinho vê o Dragão como a personificação do mal espiritual que atravessa toda a história. Em sua teologia das duas cidades, o Dragão é o princípio animador da Cidade dos Homens em oposição à Cidade de Deus. Não está restrito a um momento final, mas age continuamente por meio da soberba, da violência e da idolatria do poder.

São Tomás de Aquino, em continuidade com Agostinho, entende o Dragão como Satanás enquanto intelecto decaído, cuja ação se dá primariamente no plano moral e racional. Para Tomás, o Dragão não cria o mal, mas o parasita, desviando a vontade humana da lei natural e divina. Sua atuação é real, porém sempre subordinada à providência de Deus.

Comparativamente, os quatro concordam que o Dragão é Satanás pessoal; divergem, porém, quanto ao foco temporal. Horton e Walvoord enfatizam sua atuação escatológica direta, enquanto Agostinho e Tomás o veem como um agente permanente da história humana. Ainda assim, todos afirmam que seu poder é limitado e já condenado.

A Besta que sobe do mar (Apocalipse 13:1–10) é interpretada por Stanley Horton como um sistema político anticristão, inspirado por Satanás e manifestado em impérios e governos opressores. Horton admite a possibilidade de uma liderança pessoal final, mas insiste que a Besta já opera historicamente sempre que o poder se absolutiza e persegue os santos.

John Walvoord entende essa Besta como o Anticristo literal, um governante mundial futuro que exercerá autoridade global real. Para ele, a conexão com Daniel 7 é direta e histórica, apontando para um império final concreto. Diferente de Horton, Walvoord concentra-se na figura pessoal que encabeça o sistema.

Santo Agostinho rejeita a identificação primária da Besta com um indivíduo específico. Para ele, a Besta do mar é a Civitas Terrena em sua expressão máxima, o poder político que se rebela contra Deus e exige obediência absoluta. Roma pagã foi uma figura histórica da Besta, mas não sua realização final.

São Tomás de Aquino harmoniza essas leituras ao afirmar que a Besta representa o corpo moral do poder injusto. Ele admite a possibilidade de um líder final anticristão, mas sustenta que a essência da Besta está na perversão da finalidade da autoridade, quando o governo deixa de servir ao bem comum e se torna tirânico.

No comparativo, percebe-se que Horton e Agostinho privilegiam a dimensão sistêmica e histórica, Walvoord enfatiza a manifestação pessoal futura, e Tomás atua como síntese, integrando indivíduo e estrutura sob um critério moral. Todos, porém, concordam que a Besta do mar representa o poder político hostil a Deus.

A Besta que sobe da terra, o Falso Profeta (Apocalipse 13:11–18), é vista por Stanley Horton como um poder religioso enganador, que legitima a primeira Besta por meio de sinais e falsa espiritualidade. Horton alerta que essa Besta se parece com cordeiro, mas fala como dragão, simbolizando líderes religiosos que mantêm aparência de piedade enquanto traem a verdade.

John Walvoord interpreta o Falso Profeta como um líder religioso literal e futuro, aliado direto do Anticristo. Para ele, trata-se de uma figura histórica concreta que promoverá a adoração da primeira Besta e imporá a marca com consequências econômicas reais, ainda que envolva decisão consciente de lealdade.

Santo Agostinho entende essa Besta como a corrupção da religião, quando o culto deixa de apontar para Deus e passa a servir ao poder humano. A marca da Besta, para ele, não é física, mas espiritual: está na mente e nas obras daqueles que aderem aos valores da Cidade dos Homens.

São Tomás de Aquino segue Agostinho ao interpretar a marca como adesão intelectual e prática ao erro. Para Tomás, o Falso Profeta representa o mau uso da razão e da fé, quando a religião se afasta da verdade e se torna instrumento de dominação moral e social.

Comparativamente, Horton e Agostinho enfatizam o engano religioso presente, Walvoord destaca a figura futura literal, e Tomás fornece a leitura ética que integra ambas. Os quatro concordam que o maior perigo dessa Besta não é a violência, mas o engano espiritual travestido de piedade.

A análise conjunta revela que, apesar das diferenças metodológicas, os quatro teólogos convergem em pontos essenciais: as três Bestas representam um mal organizado, articulado e temporário, sempre subordinado à soberania de Deus. Horton chama a Igreja ao discernimento espiritual, Walvoord à vigilância escatológica, Agostinho à leitura ética da história e Tomás à ordem moral da razão iluminada pela fé. Em todos, a mensagem final do Apocalipse permanece a mesma: o Dragão, as Bestas e todo poder anticristão serão derrotados, e o Cordeiro reina para sempre.

quinta-feira, dezembro 18, 2025

A Visão do Rio do Profeta Ezequiel

 

Rio de Ezequiel 47

João Cruzué

A visão do rio profeta Ezequiel no capítulo 47 apresenta uma das mais poderosas mensagens de esperança e renovação das Escrituras. A imagem das águás que brotam do próprio trono de Deus, começando bem pequeno, mas crescendo progressivamente, revela o poder transformador do Espírito Santo. Esse rio representa muito mais que águas comuns — ele é a manifestação divina que traz renovação completa a tudo que toca. Onde suas águas chegam, a vida floresce e o impossível vem à luz.

Água aos Tornozelos: O Primeiro Contato

Quando Ezequiel começa sua jornada pelo rio, a água chega apenas aos tornozelos. Este nível representa o início da experiência espiritual, o primeiro toque com a presença divina. Nesta fase, ainda há total controle sobre os movimentos, os pés permanecem firmes no chão e existe uma sensação de segurança. É possível caminhar livremente, escolher a direção e até voltar atrás sem dificuldade. Muitas pessoas permanecem confortavelmente neste estágio, experimentando apenas o suficiente da presença de Deus para refrescar os pés cansados da jornada, mas sem se arriscar a ir mais fundo.

Este nível inicial traz bênçãos reais, mas limitadas. A água refresca, oferece alívio, proporciona algum conforto. No entanto, permanece apenas uma experiência periférica, tocando somente as extremidades da vida. As mudanças são superficiais, ainda que genuínas. Existe uma consciência da presença divina, mas ela não permeia completamente a existência. A transformação acontece, mas de forma parcial e contida.

Água aos Joelhos: Dobrar-se para Avançar

Mil côvados adiante, Ezequiel encontra a água na altura dos joelhos. Este nível representa um avanço significativo na jornada espiritual. Para continuar caminhando, torna-se necessário levantar as pernas com mais esforço, e cada passo requer intenção deliberada. A água começa a oferecer resistência, e o movimento exige mais energia do que antes. Este é o nível da disciplina, onde a vida espiritual deixa de ser apenas ocasional e passa a exigir compromisso genuíno.

Os joelhos também simbolizam a postura de oração e adoração. Neste estágio, desenvolve-se uma compreensão mais profunda da necessidade de humildade e rendição. Não é possível atravessar o rio com a mesma facilidade que antes — cada passo aqui requer consideração. A caminhada se torna mais lenta, mais ponderada. De joelhos, muitos descobrem que a vida espiritual genuína demanda mais do que momentos ocasionais de devoção; ela exige persistência diária e determinação constante para prosseguir, mesmo quando há resistência.

Água à Cintura: O Ponto de Equilíbrio

Mais mil côvados mais à frente, a água alcança a cintura de Ezequiel. Este é talvez o nível mais desafiador, pois representa um ponto de transição crítico. A cintura é o centro de gravidade do corpo, e quando a água chega nesta altura, o equilíbrio se torna precário. Não é mais possível ignorar a força da corrente. Ela empurra, puxa, exige atenção constante. Caminhar agora  requer esforço considerável, e existe sempre a possibilidade de ser derrubado se não houver cuidado.

Neste nível, metade do corpo está submersa, enquanto a outra metade permanece acima da água. Simbolicamente, representa um conflito: o desejo de manter o controle e a necessidade de render-se completamente. É um estágio de tensão, onde a tentação de recuar para águas mais rasas se torna forte. Muitos retrocedem neste ponto, desconfortáveis com a perda progressiva de controle e autonomia. A corrente é forte o suficiente para arrastar, mas ainda é possível resistir a ela com esforço próprio.

Este é também o nível onde as escolhas se tornam cruciais. Continuar avançando significa aceitar que não será mais possível manter os pés firmemente plantados no chão. Significa reconhecer que a força da corrente é maior que a força humana, e que a próxima etapa exigirá rendição total. É o último momento onde ainda existe a ilusão de controle, o último ponto onde se pode escolher entre dirigir a própria jornada ou entregar-se completamente ao fluxo divino.

Águas Profundas: Mergulho Total

Finalmente, após mais mil côvados, o rio se torna tão profundo que os pés não alcançam mais o fundo. Este é o nível da rendição completa, onde toda ilusão de controle desaparece. Não é mais possível caminhar — a única opção é nadar, permitindo que a água sustente todo o peso do corpo. Neste estágio, depende-se inteiramente da capacidade da água de manter à tona. Lutar contra a corrente não apenas se torna inútil, mas também perigoso.

É neste nívelque se atinge a maturidade espiritual plena, onde a confiança substitui completamente o controle. Aqui, não se escolhe a direção — é a corrente que leva. Não se determina a velocidade — é o rio que decide. É uma experiência de total dependência, onde cada respiração depende da capacidade de permanecer na superfície, flutuando nas águas que agora dominam completamente. Para muitos, este é o nível mais libertador, pois finalmente cessa a luta exaustiva de tentar dirigir a própria vida.

Nas águas profundas, descobrem-se dimensões da presença divina impossíveis de experimentar em níveis mais rasos. A intimidade se aprofunda, a perspectiva se expande, e a vida adquire uma fluidez que antes parecia impossível. O que parecia perda de controle revela-se como verdadeira liberdade. O rio carrega para lugares que jamais poderiam ser alcançados pelo esforço próprio, e a jornada se transforma de uma caminhada trabalhosa em um fluxo natural e poderoso.

A Transformação do Mar Morto

O destino do rio também carrega significado profundo. As águas descem em direção ao Mar Morto, um lugar historicamente estéril onde nenhuma forma de vida poderia subsistir. Quando o rio celestial alcança essas águas mortas, ocorre uma transformação miraculosa — o que estava morto ganha vida, peixes abundam onde antes nada existia, e a esterilidade dá lugar à fertilidade. Esta imagem representa o poder restaurador divino sobre situações aparentemente sem solução — relacionamentos destruídos, esperanças perdidas, ciclos de dor que parecem eternos.

Árvores de Cura e Provisão

Às margens do rio, árvores especiais crescem, produzindo frutos todos os meses e folhas com propriedades curativas. Esta imagem representa uma vida espiritual abundante e frutífera, que não depende de estações ou circunstâncias externas. A presença de Deus gera provisão contínua e cura permanente. Essas árvores simbolizam aqueles que permanecem conectados à fonte divina, experimentando renovação constante e tornando-se instrumentos de bênção e restauração para outros.

A Mensagem Perene

A mensagem central de Ezequiel 47 permanece relevante através dos séculos: o toque divino transforma radicalmente qualquer situação. A progressão do rio convida a uma jornada de aprofundamento contínuo, onde cada nível revela novas dimensões da vida espiritual. Não importa quão árida, morta ou impossível uma circunstância pareça — as águas que fluem do trono celestial têm poder para renovar completamente. Esta visão profética oferece esperança genuína de que a renovação é sempre possível quando há abertura para mergulhar nas águas da vida.

SP-18/12/2025






Jeremias, O Profeta que Ninguém Queria Ouvir

 

Profeta Jeremias

Por João Cruzué

Jeremias é, talvez, o profeta que melhor retrata a dor de falar em nome de Deus e não ser ouvido. Chamado ainda jovem, ele não foi enviado para anunciar vitórias, prosperidade, cura divina, ou tempos fáceis, mas para proclamar juízo, arrependimento e retorno à aliança. 

Desde o início, sua missão foi marcada pela rejeição. Reis, sacerdotes e o próprio povo fecharam os ouvidos à sua voz, preferindo mensagens suaves e profetas que confirmassem seus desejos. 

A grande decepção de Jeremias nasce exatamente aí: saber que a verdade de Deus estava sendo desprezada por aqueles que mais precisavam ouvi-la.

Ao longo de seu ministério, Jeremias experimentou o isolamento profundo. Foi ridicularizado, ameaçado de morte, espancado e lançado numa cisterna como alguém que precisava ser silenciado. Ele amava o povo, chorava por Jerusalém e anunciava a destruição não com prazer, mas com lágrimas. Sua decepção não era apenas ministerial, mas existencial: falar, advertir, sofrer — e ainda assim ver a obstinação do coração humano prevalecer. 

Jeremias descobriu que fidelidade a Deus não garante aplausos, mas muitas vezes solidão.

Em momentos de angústia extrema, o profeta abriu sua alma diante do Senhor. Chegou a amaldiçoar o dia em que nasceu e questionar o sentido de sua própria vocação. Essas confissões revelam a tensão entre o chamado divino e a fragilidade humana. Jeremias não era um herói imune à dor; era um homem ferido por carregar uma palavra viva em um ambiente hostil. Sua decepção não o afastou de Deus, mas o levou a um diálogo profundo e honesto com Ele.

Apesar de tudo, Jeremias não conseguiu abandonar sua missão. Ele mesmo confessou que a palavra do Senhor era como fogo ardendo em seus ossos, impossível de conter. Ainda que ninguém quisesse ouvi-lo, ele continuou falando. Essa persistência revela que sua fidelidade não dependia do resultado visível, mas da obediência. 

A decepção, longe de destruí-lo, purificou sua fé, tornando-a mais madura, dolorosa e verdadeira.

A história de Jeremias ensina que o valor de uma mensagem não se mede pela aceitação do público, mas pela sua origem em Deus. 

O profeta que ninguém queria ouvir foi, na verdade, um dos mais fiéis porta-vozes do Senhor. Sua grande decepção se transformou em testemunho eterno de que obedecer a Deus pode custar tudo, mas ainda assim vale a pena. Jeremias permanece como voz incômoda, porém necessária, para todas as gerações que preferem o conforto à verdade.


SP-18/12/2025



Quando um Pastor Precisa de um Pastor

 

Pastores

Por Wayde I. Goodall

https://enrichmentjournal.ag.org - ano 1996

Embora passem grande parte do tempo com pessoas, relacionamentos profundos e transparentes com seus pares são raros. Estima-se que 70% dos ministros não tenham um amigo íntimo. O mesmo percentual apresenta hoje uma autoimagem mais baixa do que quando iniciou no ministério. Ministros podem pastorear grandes igrejas e ter inúmeros conhecidos, mas permanecer isolados e solitários. Isso é trágico. Amizades entre pares são importantes. Cuidar uns dos outros é bíblico. Ter pessoas diante das quais prestamos contas é essencial.

Daniel fazia parte de um grupo de quatro — Hananias, Misael, Azarias e Daniel. Esse grupo de amigos unidos cria uns nos outros e orava em favor uns dos outros (ver Daniel 2:16-18). Nosso Senhor Jesus formou um grupo chamado apóstolos e, dentro desse grupo, havia ainda um círculo menor com Pedro, Tiago e João. Paulo parecia ter um grupo específico de ministros com os quais passava muito tempo. Quando estavam no seminário, João e Charles Wesley, George Whitefield e vários outros faziam parte de um grupo chamado Clube Santo. Esse grupo se apoiava mutuamente, e muito se escreveu indicando que eles mantinham uns aos outros em prestação de contas quanto à vida cristã.

Grupos de prestação de contas certamente não são novidade. Tive o privilégio de fazer parte de grupos assim várias vezes, em diferentes contextos ministeriais. Essas experiências estão entre as mais ricas que já tive no ministério. Laços profundos foram formados. Cuidávamos sinceramente uns dos outros. Direcionamento espiritual era frequentemente oferecido. Orávamos uns pelos outros. Se algum membro começasse a se afastar de suas convicções ou da fé, o grupo o chamava à responsabilidade.

Howard Hendricks, conhecido conferencista e professor do Seminário Teológico de Dallas, estudou 237 casos de homens de Deus que experimentaram queda moral. Ele encontrou apenas um fator comum: nenhum dos 237 mantinha relacionamentos de prestação de contas com outros homens. Aqueles que levam a sério uma vida pura e eficaz diante do Senhor encontrarão mais força quando caminham acompanhados de verdadeiros irmãos.


Por que formar um grupo?

Uma das razões é que as pessoas precisam de relacionamentos — amigos comprometidos e piedosos que as encorajem, amem e orem por elas. Louie Giglio define um grupo de prestação de contas da seguinte forma:

“Um grupo de prestação de contas é um lugar onde você é consistentemente franco, aberto, honesto e vulnerável quanto às suas fragilidades potenciais e reais, em um ambiente de amor mútuo, confiança, aceitação e desafio, com o objetivo de ser conformado à imagem de Cristo e concluir bem a corrida.”

O escritor de Eclesiastes afirmou: “Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. Porque, se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante” (4:9-10). Em grupos de prestação de contas, os membros precisam concordar com princípios básicos: oração, confidencialidade, honestidade, busca do bem mútuo e compromisso com cada pessoa do grupo.

Pessoas com lutas semelhantes tendem naturalmente a se unir. Ministros enfrentam desafios semelhantes em sua vocação, além de pressões específicas na vida pessoal e familiar. Grupos muito grandes reduzem a intimidade, comprometem a confidencialidade e geralmente criam dificuldades de agenda.

Uma abordagem sensível é essencial. Ore sobre quem deve ser convidado e peça que a pessoa também ore a respeito da formação do grupo. Dê tempo para que cada possível membro avalie o nível de compromisso necessário. A liderança pode ser compartilhada após a definição de diretrizes claras, a menos que Deus levante claramente um líder específico.


Perguntas de prestação de contas

Charles Swindoll, Chuck Colson, Steve Farrar e outros recomendam perguntas como:

  • Você esteve com alguma mulher esta semana de forma inadequada ou que pudesse parecer imprópria aos olhos de outros?

  • Você foi completamente irrepreensível em todas as suas transações financeiras esta semana?

  • Você se expôs a material sexualmente explícito esta semana?

  • Você passou tempo diário em oração e nas Escrituras esta semana?

  • Você cumpriu o chamado do seu ministério esta semana?

  • Você acabou de mentir para mim?

Os irmãos Wesley, George Whitefield e outros de seu grupo usavam o seguinte compromisso:

  1. Não ouviremos nem buscaremos voluntariamente nada de negativo uns sobre os outros.

  2. Se ouvirmos algo negativo, não nos apressaremos em acreditar.

  3. Comunicaremos o fato diretamente à pessoa envolvida o mais rápido possível.

  4. Até que isso seja feito, não falaremos uma palavra a mais sobre o assunto a ninguém.

  5. Nem depois disso comentaremos com terceiros.

  6. Não abriremos exceção a essas regras, a menos que a consciência nos obrigue absolutamente.

Jerry Jenkins oferece conselhos úteis no que chama de “cercas de proteção moral”, enfatizando que ministros precisam uns dos outros não apenas para saber que alguém se importa e ora por eles, mas também para celebrar vitórias espirituais e permanecer firmes diante das investidas do inimigo

Assim como leões isolam a presa do rebanho para atacá-la, Satanás busca isolar aqueles que caminham sozinhos no ministério.


SP- 18/12/2025





O Alto Custo de Estar Perdido


O Que Podemos Fazer a Respeito


Sunset

Por Alan R. Johnson


Embora meditar sobre o juízo eterno seja algo doloroso, a Igreja não pode descartar essa verdade por causa do desconforto que provoca, nem porque os não cristãos zombam dessas ideias. A nossa resposta ao desafio de alcançar os perdidos precisa começar agora.

“Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido” (Lucas 19:10).

“Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores…” (1 Timóteo 1:15).

 

Estávamos sentados em um pátio, junto ao muro externo de um templo famoso. Eu estava com amigos que me convidaram para participar de uma pesquisa sobre um dos povos menos alcançados do mundo. Diante de mim, havia de 200 a 300 idosos, conversando animadamente. Atrás de nós, erguia-se um santuário. Aprendemos que aquelas pessoas passavam um mês inteiro na capital realizando rituais religiosos antes de retornarem às suas aldeias.

Foi um momento profundamente comovente para todos nós, quando a realidade nos atingiu com força avassaladora: todos aqueles idosos estavam fora do alcance de qualquer testemunho cristão. Já próximos do fim de suas vidas, pertencentes a um povo com um dos menores acessos ao evangelho no mundo, eles encaravam a eternidade sem nenhum conhecimento da mensagem salvadora de Jesus.

Passei quase 28 anos vivendo entre um povo budista, cuja população conta com apenas 0,3% de cristãos protestantes, de qualquer vertente. Ao meu redor há milhões de pessoas que jamais conheceram um cristão ou ouviram uma apresentação relevante do evangelho. O isolamento em relação à mensagem cristã não é, para mim, um conceito acadêmico distante. A condição espiritual perdida da humanidade me angustia profundamente. Há dias em que esse peso parece insuportável.

Ao nos afastarmos daquele pátio, meus olhos se encheram de lágrimas e meu coração foi tomado por um profundo clamor em oração. No mundo de hoje, falar que pessoas estão perdidas e separadas de Deus é algo impopular, especialmente no Ocidente. Aqueles que afirmam que todos os caminhos levam a Deus considerariam equivocada a minha dor por essas pessoas. Contudo, as Escrituras respondem às objeções e às perguntas tanto de cristãos quanto de não cristãos. Precisamos voltar à Bíblia para compreender o que significa estar perdido e como devemos responder a um mundo perdido.



O Alto Custo de Estar Perdido

Quando Jesus definiu Sua missão dizendo que veio “buscar e salvar o que se havia perdido”, Ele resumiu Sua obra em verdades centrais da fé bíblica. A Bíblia ensina que Deus criou o ser humano à Sua imagem para viver em comunhão com Ele. A rebelião humana rompeu esse relacionamento. Aos olhos de Deus, estamos perdidos. Desviamo-nos do propósito para o qual fomos criados — experimentar comunhão com Ele — e do destino para o qual fomos chamados — viver em Sua presença como Seu povo. Como essa condição espiritual resultou de uma escolha livre, tornamo-nos responsáveis diante de Deus pelo pecado e pela rebelião. Estar perdido significa também necessitar de salvação do juízo.

A visão bíblica da humanidade como perdida, separada de Deus e necessitada de salvação e livramento do juízo está no coração do plano redentor de Deus. Essa é também a base para compreender toda a Escritura. O teólogo Christopher Wright afirma: “Toda a Bíblia pode ser apresentada como uma resposta muito longa a uma pergunta muito simples: O que Deus pode fazer a respeito do pecado e da rebelião da raça humana?”.

O livro de Gênesis não apenas narra como a humanidade se perdeu, mas também revela o alto custo dessa queda. Quando Adão e Eva desobedeceram a Deus, houve consequências temporais e espirituais. Em Gênesis 3, a queda despedaça todas as dimensões da vida humana — espiritualmente, no relacionamento com Deus; socialmente, nos relacionamentos humanos; e ambientalmente, na relação com a criação.

Wright observa que Gênesis 3 a 11 revela tanto a estrutura básica do projeto criador de Deus quanto os elementos de Sua graça. Contudo, “em outro nível, tudo está tragicamente à deriva em relação à bondade original do propósito de Deus. A terra está sob a sentença da maldição por causa do pecado humano. Os seres humanos continuam ampliando o catálogo do mal ao longo das gerações — ciúme, ira, assassinato, vingança, violência, corrupção, embriaguez, desordem sexual, arrogância”.

Os problemas que vemos nos primeiros capítulos de Gênesis e também em nossas sociedades hoje são sintomas de um relacionamento quebrado com Deus. Estar espiritualmente perdido traz consequências terríveis para a qualidade da vida humana. Paulo afirma que as experiências humanas presentes revelam a ira de Deus (Romanos 1:18) e que as pessoas colhem, nesta vida, os frutos de suas escolhas (Romanos 1:24–32).

Ainda que o juízo e os efeitos do pecado nesta vida sejam temporais, eles apontam para consequências espirituais ainda mais sérias. No Éden, Deus advertiu Adão e Eva de que a consequência da desobediência seria a morte (Gênesis 2:17). À medida que avançamos nas Escrituras, o Espírito Santo revela progressivamente mais sobre a morte espiritual e o Dia do Juízo pelos pecados. A esperança dos justos e o destino dos ímpios começam a tomar forma no Antigo Testamento. No Novo Testamento, surge a expectativa de um dia vindouro de ira, já anunciada pela pregação de João Batista (Mateus 3:7).

É, porém, nas palavras do próprio Jesus que encontramos o ensino mais explícito sobre o Juízo Final. Utilizando diversas imagens, Ele fala do inferno e do juízo como realidades terríveis.

O restante do Novo Testamento mantém essa mesma compreensão. Por causa da natureza caída da humanidade, somos, por natureza, filhos da ira (Efésios 2:3). Há um tempo futuro de ira (Romanos 5:9; 1 Tessalonicenses 1:10). O salário do pecado é a morte (Romanos 6:23). Aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois disso o juízo (Hebreus 9:27). Há um Dia de Juízo e de destruição dos ímpios (2 Pedro 2:9). O livro do Apocalipse revela o grande Trono Branco, onde serão julgados aqueles que rejeitam a Cristo (Apocalipse 20:11–15).

Intérpretes pentecostais sinceros, que levam a Bíblia a sério, lutam para compreender plenamente esses textos que falam do inferno. Essas verdades ultrapassam nossa experiência humana. Diante das realidades eternas, a linguagem humana falha, e alcançamos os limites do nosso entendimento. As imagens — muitas delas ditas pelo próprio Jesus — são intensas: fornalha ardente, fogo que nunca se apaga, o verme que não morre, trevas, choro e ranger de dentes, fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos, punição eterna, lago de fogo e separação da presença do Senhor. Embora haja divergências entre estudiosos quanto a detalhes, há um consenso de que o inferno é um lugar de sofrimento indescritível, e que a Bíblia se preocupa mais em destacar a seriedade do juízo vindouro do que em explicar sua natureza exata.

A condição perdida do ser humano e o juízo que se aproxima são verdades bíblicas desconfortáveis e cheias de questionamentos. Os não cristãos zombam dessas ideias, e muitos cristãos têm ignorado cada vez mais o ensino bíblico sobre céu e inferno. Segundo uma pesquisa de 2007, apenas 11% dos cristãos americanos acreditam que exista uma única religião verdadeira. Isso significa que muitos que se identificam como cristãos pentecostais já não creem que Deus julgará aqueles que rejeitam o evangelho, pois consideram que existam vários caminhos eficazes para Deus.

A ideia de que as pessoas estão espiritualmente perdidas e debaixo do juízo divino ofende os não cristãos, que usam esse ensino para atacar o caráter de Deus, chamando-O de cruel por punir eternamente os pecadores.

Diante desse cenário, a Igreja precisa se aprofundar nas Escrituras e articular com clareza a fé bíblica. Necessitamos da direção do Espírito Santo e de grande sabedoria para dialogar com os incrédulos.

Embora seja doloroso refletir sobre o juízo eterno, não podemos abandonar essa verdade por causa do desconforto. Negligenciá-la esvazia tudo o que a Bíblia ensina sobre Deus, o pecado e a obra de Cristo na cruz. Precisamos lembrar que, ao mesmo tempo em que a Bíblia é clara sobre o juízo, ela também é clara sobre a liberdade humana e sobre o quanto Deus fez para nos oferecer salvação. Jesus veio aos seus, mas os seus não o receberam (João 1:11). A luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz (João 3:19). Paulo declara que os homens suprimem a verdade pela injustiça e são indesculpáveis por rejeitarem o conhecimento de Deus revelado na criação (Romanos 1:18–20). O Apocalipse mostra que, mesmo em meio a juízos terríveis, muitos não se arrependerão das obras de suas mãos (Apocalipse 9:20).

Um estudioso afirma que o inferno demonstra o quanto Deus valoriza a liberdade humana: Ele não forçará ninguém a passar a eternidade em Sua presença contra a própria vontade. Ainda assim, a Bíblia é um livro de esperança, anunciando uma salvação rica e abundante oferecida a todos. A nossa resposta aos perdidos deve refletir a resposta de Deus.


O Que Podemos Fazer Pelos Perdidos Hoje?

Para aqueles que creem no ensino bíblico sobre a humanidade perdida, a tarefa pode parecer esmagadora. Mas os mesmos textos que falam de juízo também proclamam que Deus abriu um caminho de salvação. O pecador pode ser reconciliado com o Deus vivo.

A Bíblia é, acima de tudo, boas-novas. Ela anuncia que um dia Deus restaurará todas as coisas (Efésios 1:10). Jesus deu Sua vida em resgate por muitos (Marcos 10:45). Ele nos chama para participar de Sua missão de buscar e salvar os perdidos. O Pai não quer que ninguém se perca (Mateus 18:14), e há grande alegria no céu por um pecador que se arrepende (Lucas 15:7,10). Pela cruz, Jesus nos livra da ira vindoura (Romanos 5:9). Cristo veio ao mundo para salvar pecadores (1 Timóteo 1:15). Ele destruiu a morte e trouxe à luz a vida e a imortalidade pelo evangelho (2 Timóteo 1:10).

A condição perdida do mundo não deve nos paralisar, mas nos impulsionar. Esse é o coração das missões pentecostais desde Atos 1:8: poder do Espírito Santo para testemunhar até os confins da terra.

Este é o tempo em que vivemos. Deus nos chamou — individualmente e como movimento — para participar de Sua missão. Para isso, precisamos de uma renovada visão bíblica dos perdidos e de um peso sobrenatural do Espírito Santo.


Os Perdidos e a Necessidade da Obra do Espírito

Em Gênesis 3:9, Deus chama Adão: “Onde estás?”.

Essas palavras revelam o coração buscador de Deus. Somente o Espírito Santo pode gerar em nós esse mesmo amor e essa mesma urgência pelos perdidos. Cuidar do destino eterno das pessoas não é natural; é uma obra do Espírito em nossos corações.

Se voltarmos à simplicidade do Pentecostes — oração, poder e testemunho — seremos renovados. Não por força humana, mas pelo quebrantamento diante de Deus. Precisamos cair de joelhos, reconhecer nossa insuficiência e clamar por misericórdia, poder e estratégias divinas.

Se para aqueles idosos no pátio talvez fosse tarde demais, ainda há esperança para multidões, desde a sua cidade até os confins da terra. Elas precisam ouvir o convite amoroso da salvação em Cristo. Precisam voltar para a casa do Pai e não estar mais perdidas.


SP-18/12/2025.






quarta-feira, dezembro 17, 2025

O Massacre de Judeus durante celebração do Hanukkah em Bondi Beach

 

Bondi Pavilion

Joao Cruzué

O que deveria ser uma tarde de celebração religiosa à beira-mar transformou-se, em poucos minutos, em um dos mais mais sombrios acontecimentos da história recente da Austrália. No domingo passado, dia 14 de dezembro de 2025, um evento público de Hanukkah, que reunia famílias, idosos e crianças em Bondi Beach, foi interrompido por um ataque armado que espalhou pânico, correria e mortes em um dos pontos turísticos mais conhecidos de Sydney. A escolha do local e do público não deixou dúvidas às autoridades: tratava-se de um ataque direcionado à comunidade judaica, rapidamente classificado como terrorismo de motivação antissemita.

A palavra  Hanukkah deriva do verbo hebraico חנך (ḥanákh), que significa dedicar, inaugurar ou consagrar. Historicamente, o termo refere-se à rededicação do Templo de Jerusalém após sua profanação no século II a.C., durante o domínio de Antíoco IV Epifânio. Por isso, embora seja popularmente chamada de “Festa das Luzes”, essa é uma designação simbólica e posterior. O sentido literal e original de Hanukkah está ligado à restauração do culto, da fé e da identidade religiosa judaica, e não apenas ao milagre da luz.

O Hanukkah é uma das celebrações mais significativas do calendário judaico. Com duração de oito dias, a festividade relembra a resistência do povo judeu contra a opressão religiosa e cultural e o chamado milagre do azeite, quando uma pequena quantidade de óleo, suficiente para apenas um dia, manteve acesa a chama do Templo de Jerusalém por oito dias consecutivos. 

É uma celebração associada à liberdade religiosa, perseverança, identidade e esperança, marcada pelo acendimento progressivo da menorá, cânticos, refeições comunitárias e encontros familiares — exatamente o espírito que motivou a reunião pacífica realizada à beira da praia.

Essa memória remonta ao século II a.C., período em que a Judeia estava sob o domínio do Império Selêucida. O rei Antíoco IV Epifânio impôs uma política agressiva de helenização forçada, proibindo práticas centrais do judaísmo, como a circuncisão, a observância do sábado e o estudo da Torá. O Templo de Jerusalém foi profanado, sacrifícios pagãos foram impostos e a fé judaica passou a ser criminalizada. Foi nesse contexto de perseguição sistemática que eclodiu a Revolta dos Macabeus, um levante não apenas militar, mas espiritual, cujo êxito passou a simbolizar a resistência contra a supressão da liberdade religiosa — núcleo histórico e teológico do Hanukkah.

Retornando ao assunto principal, segundo a polícia de Nova Gales do Sul, os autores do ataque em Bondi foram pai e filho, Sajid Akram, de 50 anos, e Naveed Akram, de 24. Armados, eles abriram fogo contra a multidão durante cerca de dez minutos, gerando cenas de desespero em um espaço aberto e sem rotas claras de fuga. Sajid morreu no confronto com a polícia ainda no local, enquanto Naveed foi gravemente ferido, hospitalizado e posteriormente formalmente acusado. As denúncias contra ele são de extrema gravidade: 15 homicídios, dezenas de tentativas de homicídio e crimes enquadrados na legislação antiterrorismo australiana, com possibilidade de prisão perpétua.

O balanço humano do massacre é devastador. Quinze pessoas morreram e dezenas ficaram feridas, algumas em estado grave. Entre as vítimas estão idosos, adultos, uma criança, líderes comunitários e uma sobrevivente do Holocausto, o que conferiu ao episódio uma carga simbólica particularmente dolorosa. Os funerais começaram dias depois sob forte comoção, vigilância policial reforçada e manifestações de solidariedade vindas de líderes religiosos, chefes de Estado e organizações internacionais.

Em meio ao caos, também surgiram relatos de coragem. Civis tentaram proteger desconhecidos, improvisaram socorros e, em pelo menos um caso, enfrentaram diretamente um dos atiradores. Policiais, alguns fora de serviço, reagiram sob risco extremo para conter o ataque e evitar um número ainda maior de vítimas. Esses gestos, embora incapazes de apagar a tragédia, revelaram o contraste entre a brutalidade do ato e a solidariedade humana diante do terror.

À medida que a investigação avançou, vieram à tona questões inquietantes. As autoridades confirmaram que o suspeito sobrevivente já havia sido investigado anos antes por possível radicalização, sem que houvesse elementos suficientes para impedir legalmente seu acesso a armas. Também surgiram indícios de inspiração em ideologias extremistas internacionais, reacendendo o debate sobre falhas na integração entre serviços de inteligência, sistemas de licenciamento de armas e mecanismos preventivos de avaliação de risco.

O massacre de Bondi provocou uma reação política imediata. O governo estadual anunciou a convocação extraordinária do Parlamento para discutir o endurecimento das leis sobre armas, a revisão dos critérios de concessão e renovação de licenças e novas estratégias de prevenção ao extremismo violento. Mesmo em um país reconhecido por controles rigorosos desde o massacre de Port Arthur, o episódio expôs vulnerabilidades práticas que agora pressionam por reformas adicionais.

Por fim, o atentado ultrapassou as fronteiras australianas ao alimentar uma onda de desinformação e estigmatização nas redes sociais, com falsas acusações e generalizações contra pessoas e comunidades sem qualquer vínculo com o crime. Esse efeito colateral mostrou que atentados contemporâneos não produzem apenas vítimas físicas, mas também feridas sociais profundas. Bondi Beach, símbolo de lazer, convivência e pluralidade, tornou-se assim um marco trágico de como o ódio pode invadir até os espaços mais abertos e cotidianos da vida pública.

SP - 17/12/2025.


REFERÊNCIAS

ASSOCIATED PRESS. Australian police charge alleged Bondi Beach gunman as funerals begin. AP News, 2025. Disponível em: https://apnews.com/. Acesso em: 17 dez. 2025.

AUSTRÁLIA. Prime Minister of Australia. Official statements and press releases. Canberra, 2025. Disponível em: https://www.pm.gov.au/. Acesso em: 17 dez. 2025.

AUSTRÁLIA. New South Wales Police Force. Media releases and official updates. Sydney, 2025. Disponível em: https://www.police.nsw.gov.au/news. Acesso em: 17 dez. 2025.

AUSTRÁLIA. New South Wales Government. Government announcements and legislative measures. Sydney, 2025. Disponível em: https://www.nsw.gov.au/. Acesso em: 17 dez. 2025.

BBC NEWS. Sydney attack: What we know about the Bondi Beach shooting. London, 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/news. Acesso em: 17 dez. 2025.

BRITANNICA, The Editors of Encyclopaedia. Hanukkah. Encyclopaedia Britannica, 2024. Disponível em: https://www.britannica.com/topic/Hanukkah. Acesso em: 17 dez. 2025.

BRITANNICA, The Editors of Encyclopaedia. Antiochus IV Epiphanes. Encyclopaedia Britannica, 2024. Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Antiochus-IV-Epiphanes. Acesso em: 17 dez. 2025.

EURONEWS. Tiroteio em Bondi Beach durante celebração judaica choca a Austrália. Lyon, 2025. Disponível em: https://www.euronews.com/. Acesso em: 17 dez. 2025.

JEWISH VIRTUAL LIBRARY. Hanukkah (Festival of Lights). New York, 2024. Disponível em: https://www.jewishvirtuallibrary.org/hanukkah. Acesso em: 17 dez. 2025.

JEWISH VIRTUAL LIBRARY. The Maccabean Revolt. New York, 2024. Disponível em: https://www.jewishvirtuallibrary.org/maccabean-revolt. Acesso em: 17 dez. 2025.

MY JEWISH LEARNING. Hanukkah 101: History and significance. New York, 2024. Disponível em: https://www.myjewishlearning.com/article/hanukkah-101/. Acesso em: 17 dez. 2025.

REUTERS. Sydney funerals begin after Bondi Beach Hanukkah attack. London, 2025. Disponível em: https://www.reuters.com/world/asia-pacific/. Acesso em: 17 dez. 2025.

THE GUARDIAN. Bondi Beach shooting sparks debate on gun laws in Australia. London, 2025. Disponível em: https://www.theguardian.com/australia-news. Acesso em: 17 dez. 2025.

UNITED STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM. Holocaust Encyclopedia. Washington, DC, 2024. Disponível em: https://www.ushmm.org/. Acesso em: 17 dez. 2025.