terça-feira, novembro 25, 2025

O Reino de Deus na Bíblia

 Grãos de mostarda

Salvadora persica

 João Cruzué

O Reino dos Deus é o grande tema que atravessa todo o Novo Testamento como um fio de ouro. Tudo começa com João Batista clamando no deserto: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus!” (Mt 3:2). Logo em seguida, o próprio Jesus inicia seu ministério com as mesmas palavras (Mt 4:17). Esse Reino não é, em primeiro lugar, um lugar no mapa, mas o governo ativo, vivo e poderoso de Deus invadindo a história humana. É Deus dizendo: “Chegou a hora de eu reinar de forma nova e definitiva no meio do meu povo e, através dele, sobre toda a criação”.

Jesus deixa claro que o Reino já chegou até nós na sua própria pessoa. Quando os fariseus o acusam de expulsar demônios por Belzebu, ele responde: “Se é pelo Espírito de Deus que eu expulso demônios, então é porque o Reino de Deus já chegou até vós” (Mt 12:28). As curas, os milagres, o perdão dos pecados, a ressurreição de mortos — tudo isso são sinais concretos, visíveis e palpáveis de que o poder do mundo futuro já está operando no presente. O Reino irrompeu como uma explosão de vida no meio de um mundo de morte.

Ao mesmo tempo, Jesus ensina que o Reino ainda não chegou em sua forma final e gloriosa. Por isso ele manda os discípulos orarem todos os dias: “Venha o teu reino” (Mt 6:10). Ele fala de um dia futuro em que os justos “brilharão como o sol no reino de seu Pai” (Mt 13:43) e em que o Filho do Homem voltará em glória para julgar as nações (Mt 25:31-46). Estamos vivendo, portanto, no “já” do Reino (ele já começou) e no “ainda não” (ainda aguardamos sua consumação). Essa tensão define a vida cristã: já somos cidadãos do Reino, mas ainda suspiramos pela sua manifestação total.

Uma das características mais chocantes do Reino é quem entra nele. Jesus diz que só entra quem se torna como uma criança: simples, dependente, sem pretensão de merecimento (Mc 10:14-15; Mt 18:3). Os ricos, os poderosos, os que confiam em si mesmos acham quase impossível passar pela “porta estreita”. Já os pobres de espírito, os pecadores que reconhecem sua miséria, as prostitutas e os cobradores de impostos arrependidos estão entrando à frente dos religiosos profissionais (Mt 21:31). O Reino subverte os valores do mundo.

Entrar e permanecer no Reino exige duas coisas inseparáveis: arrependimento verdadeiro e fé em Jesus como o Rei enviado por Deus. Não adianta ser descendente de Abraão ou cumprir rituais externos. É preciso nascer de novo, nascer “da água e do Espírito” (Jo 3:3-5). Quem entra vive uma vida transformada: ama a Deus sobre todas as coisas e ama o próximo como a si mesmo. Jesus resume toda a Lei nesses dois mandamentos e diz que deles “dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22:37-40). Obediência amorosa é a marca do cidadão do Reino.

Jesus usa dezenas de parábolas para explicar como o Reino funciona. Ele é como a minúscula semente de mostarda que se torna uma grande árvore (Mt 13:31-32), como fermento que leveda silenciosamente toda a massa (Mt 13:33), como um tesouro escondido no campo ou uma pérola de valor incalculável — quem o encontra vende tudo com alegria para possuí-lo (Mt 13:44-46). É também como um banquete de casamento para o qual os convidados originais (Israel incrédulo) recusaram vir, então as portas são abertas para todos os povos, bons e maus, mas quem entrar sem a “roupa de festa” (justiça de Cristo) será expulso (Mt 22:1-14).

O crescimento do Reino é, muitas vezes, invisível aos olhos do mundo. Começa pequeno, quase imperceptível — doze pescadores galileus, uma cruz romana, um túmulo vazio —, mas avança irresistivelmente. Jesus compara isso à semente que cresce sozinha, “primeiro a erva, depois a espiga, por fim o grão cheio na espiga” (Mc 4:26-29). Um dia, porém, esse grão se tornará a maior de todas as árvores. Quando Cristo voltar, ele entregará o Reino ao Pai, após ter destruído todo domínio, autoridade e poder, inclusive a própria morte (1Co 15:24-28).

A ética do Reino é revolucionária e muitas vezes escandalosa. Bem-aventurados os pobres, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os perseguidos (Mt 5:3-12). Os cidadãos do Reino amam os inimigos, abençoam quem os amaldiçoa, oram por quem os persegue, perdoam setenta vezes sete vezes, não julgam para não serem julgados, andam a segunda milha, dão a capa além da túnica. Essa vida só é possível porque o Rei já viveu tudo isso perfeitamente por nós e nos dá seu Espírito para vivermos o mesmo.

Não existe entrada no Reino sem cruz. Jesus foi coroado Rei exatamente quando foi levantado na cruz (Jo 12:32). Ele diz com todas as letras: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-me” (Lc 9:23). Sofrimento, rejeição, humilhação fazem parte do pacote. O caminho da glória passa necessariamente pelo Calvário. Quem quiser reinar com ele precisa primeiro sofrer com ele (2Tm 2:12; Rm 8:17).

No final de tudo, o Reino será plenamente revelado em glória indizível. Haverá novos céus e nova terra, a Cidade Santa descerá como noiva adornada para seu marido, Deus habitará com os homens, enxugará toda lágrima, e não haverá mais morte, nem luto, nem choro, nem dor (Ap 21:1-4). Os redimidos de todas as tribos, línguas, povos e nações estarão diante do trono e do Cordeiro, com vestes brancas e palmas nas mãos, e reinarão para todo o sempre (Ap 7:9-17; 22:5). O Reino dos Céus terá se tornado o Reino eterno de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos (Ap 11:15).

Esse é o magnífico retrato que o Novo Testamento pinta do Reino: já iniciado, crescendo escondido, avançando pela pregação do evangelho e pelo poder do Espírito, mas que explodirá em glória total quando o Rei voltar para fazer novas todas as coisas.


SP-25/11/2025.

 


domingo, novembro 23, 2025

Critica Cristã ao Humanismo Secular

 

Sol da Justiça

João Cruzué

O humanismo secular, em sua essência, estabelece o ser humano como centro absoluto da realidade e fundamento último da verdade, da moral e do sentido da vida. Ao rejeitar qualquer referência ao transcendente e reduzir a dignidade humana a um projeto exclusivamente racional e autossuficiente, essa corrente filosófica propõe uma visão antropocêntrica radical: o homem como medida de todas as coisas, independente de Deus e autor único de seus próprios valores. 

Embora apresente contribuições relevantes — como a defesa dos direitos civis, da liberdade e da valorização da ciência —, o humanismo secular incorre em profundas contradições quando pretende afirmar uma ética universal sem reconhecer um fundamento absoluto que lhe dê consistência.

Do ponto de vista cristão, a dignidade humana e os valores éticos não podem ser sustentados solidamente quando desvinculados de sua origem transcendente. Se o ser humano é apenas um produto do acaso biológico e cultural, e se não existe verdade objetiva nem propósito absoluto, então qualquer discurso sobre dignidade, justiça ou solidariedade torna-se frágil e relativo. A história demonstra que, quando a autonomia humana é elevada ao nível de princípio supremo, o resultado não é emancipação, mas frequentemente opressão: regimes totalitários do século XX, sustentados por discursos pseudocientíficos e racionalistas, provaram como o ser humano sem referência moral transcendente torna-se capaz de atrocidades legitimadas pela própria razão orgulhosa.

O humanismo secular proclama liberdade, mas muitas vezes a reduz à capacidade de cada indivíduo estabelecer seus próprios critérios sem responsabilidade diante de um Criador. 

Nessa lógica, não há fundamento sólido para condenar injustiças objetivas: se cada consciência é a única autoridade sobre si mesma, qualquer padrão moral comum torna-se arbitrário. Por isso, o secularismo frequentemente oscila entre relativismo moral e autoritarismo ético — pois, quando não há verdade objetiva, os mais fortes acabam impondo seus interesses sob o discurso de progresso ou racionalidade.

A perspectiva cristã, ao contrário, afirma que a verdadeira dignidade humana está enraizada no fato de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (imago Dei) e que sua liberdade só encontra plenitude quando orientada à verdade e ao bem. O Evangelho afirma que não somos autossuficientes, mas dependentes da graça e do amor divino, e que a autonomia absoluta não liberta — ela escraviza ao orgulho, ao egoísmo e à ilusão de autodomínio. 

Cristo ensina que a grandeza humana se manifesta no serviço e no amor sacrificial, e não na exaltação soberba de si mesmo.

O humanismo secular prega esperança baseada no progresso humano, mas ignora a realidade profunda do pecado e da inclinação egoísta que perpassa todas as estruturas sociais. Sem reconhecimento da queda e da necessidade de redenção, sua confiança irrestrita no homem torna-se ingenuidade teórica e imprudência prática. A história contemporânea — marcada por guerras, desigualdades extremas, exploração e cultura de descarte — evidencia que o progresso técnico não produz necessariamente progresso moral. 

Como dizia C. S. Lewis, "não adianta acelerar o trem se ele está indo na direção errada."

A crítica cristã afirma que o humanismo secular, ao tentar exaltar o homem sem Deus, acaba por reduzi-lo. Um humanismo realmente pleno só pode existir quando reconhece que a dignidade humana é dom e não conquista, e que o bem comum não se constrói apenas com ciência e poder, mas com amor, verdade, justiça e humildade diante do Criador. 

Portanto, uma sociedade verdadeiramente humana não é aquela onde o homem ocupa o trono, mas aquela onde Cristo ocupa o centro — pois somente quando Deus é Deus, o homem pode ser verdadeiramente homem.


SP- 23/11/2025.