quinta-feira, agosto 28, 2008

Aborto - Inscrições nas Audiências Públicas do STF


Comentário de João Cruzué
Para o Blog Olhar Cristão

Ao tomar conhecimento das inscrições de instituições e personalidades (abaixo listadas) perante o STF para apresentação de argumentos pró e contra a descriminalização do aborto para fetos anencéfalos, pude entender ou penso que entendi o porquê, de apesar de tantas Igrejas Evangélicas neste país, tantos conferencistas "internacionais", teólogos e mestres, apenas uma Igreja se inscreveu e esteve presente para se posicionar sobre o assunto: a Igreja Universal qo Reino de Deus que se posicionou favorável à descriminalização.

Também vi a enxurrada de manifestações das outras lideranças evangélicas criticando a posição da IURD. Conhecendo agora os dois lados da questão fiquei na dúvida. Por um lado a maioria das lideranças evangélicas, na minha opinião, estão corretas em não apoiar a descriminalização do aborto de anencéfalos. Mas o fato de não se inscreverem, conscientemente ou não, julgam que não é interessante marcar posição no caso ou no fundo respaldam a posição do Bispo da Igreja Universal e de todos os inscritos que votarem a favor.

É sempre mais cômodo criticar do que participar na hora certa das grandes questões nacionais.

E assim tem sido sobre muitas outras coisas importantes. Se os crentes são 1/4 da população brasileira, ainda não têm lideranças que de fato os represente no tempo e lugar apropriados. Que este caso sirva de alerta para colocarmos "a barba de molho" sobre questões muito mais importantes que estão em curso tanto no Congresso quanto no STF. Por exemplo o Pl 122.

E seguir os fatos que deram causa a nosso comentário:


STF - Audiência nº 54

" STF- Razão da convocação das audiências

E os dados que estão no site do STF - Supremo Tribunal Federal.

1) Inscritos para a primeira audiência em 26.08.2008

1. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB
Representante: Padre Luiz Antônio Bento
Currículo: Doutor em Bioética pela Universidade Lateranense e Academia Alfonsiana de Roma, Assessor Nacional da Comissão Episcopal para a Vida e a Família da CNBB, e autor do livro Bioética. Desafios éticos no debate contemporâneo. São Paulo, Paulinas, 2008.

Representante: Dr. Paulo Silveira Martins Leão Junior
Currículo: Procurador do Estado do Rio de Janeiro e Presidente da União dos Juristas Católicos da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Vem trabalhando há anos em temas de bioética e biodireito.

2. Igreja Universal
Representante: Bispo Carlos Macedo de Oliveira
Currículo:

3. Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família
Representante: Dr. Rodolfo Acatauassú Nunes
Currículo: Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia Geral da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre e Doutor em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Livre-Docente pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

4. Católicas pelo Direito de Decidir
Representante: Maria José Fontelas Rosado Nunes
Currículo: Socióloga, doutora pela École des Hautes em Sciences Sociales, Paris (1991); Mestra em Ciências Sociais pela PUC/São Paulo (1984) e pela Université Catholique, Louvain – la – Neuve, Bélgica (1986). É Professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pesquisadora CNPq e membro dos Conselhos do NEMGE/USP e da Revista de Estudos Feministas, entre vários outros. É autora de artigos e capítulos de livros em obras nacionais e internacionais, algumas das quais receberam prêmios, como o da UNESCO (1995), Jabuti e Casa Grande & Senzala (1998). Seu campo de interesse é o cruzamento das questões de gênero e religião. Fundou e dirige a ONG Católicas pelo Direito de Decidir. Em 2005, foi indicada pela Associação Mil Mulheres pela Paz, juntamente com outras 51 brasileiras, para receber coletivamente o prêmio Nobel da Paz.

5. Associação Médico-Espírita do Brasil – AME
Representante: Marlene Rossi Severino Nobre
Currículo: Médica ginecologista aposentada, especializada em prevenção do câncer; participou de inúmeros seminários e estágios na área médica, inclusive estágios nos Hospitais Broca e Boucicault, em Paris, e curso de formação em Psicoterapia no Instituto de Psiquiatria e Psicoterapia da Infância e Adolescência (PPIA), Dra. Amélia Thereza de Moura Vasconcellos, em São Paulo. Foi Diretora do Posto de Assistência Médica (PAM) do INAMPS, da Várzea do Carmo, em S. Paulo, bem como Chefe do Serviço de Clínicas e Chefe do Serviço de Patologia Clínica desse mesmo PAM. Preside atualmente a Associação Médico-Espírita Internacional (AME-Int), e a Associação Médico-Espírita do Brasil. Tem participado de inúmeros congressos nacionais e internacionais.

2) Inscritos para a segunda audiência em 28.08.2008

1. Conselho Federal de Medicina
Representante: DR. ROBERTO LUIZ D’ÁVILA
Currículo: Médico Cardiologista; Coordenador da Câmara sobre Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos; Conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina e do Conselho Federalç de Medicina; Ex-Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina; 1º Vice-Presidente do Conselho Federal de Medicina; Membro do Grupo de Trabalho do Ministério da Saúde sobre Morte Súbita; Mestre em Neurociências e Comportamento; Professor Adjunto da UFSC; Coordenador da Câmara Técnica de Informática em Saúde; doutorando em Medicina/Bioética pela Universidade do Porto/Portugal.

2. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
Representante: PROF. DR. JORGE ANDALAFT NETO
Currículo: Prof. Titular de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade de Santo Amaro. Mestre e Doutor em Obstetrícia pela Unifesp - Escola Paulista de Medicina. Membro da Comissão Nacional de Aborto Previsto em Lei da Febrasgo.

3. Sociedade Brasileira de Medicina Fetal
Representante: NÃO INDICADO ATÉ O MOMENTO

4. Sociedade Brasileira de Genética Médica
Representante: PROFESSOR DOUTOR SALMO RASKIN
Currículo: Médico pediatra e geneticista; presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica; especialista em Genética Molecular (DNA) pela Universidade de Vanderbilt, Nashville (EUA); especialista em Genética Clínica pela Sociedade Brasileira de Genética Médica; habilitação em Genética Clínica Molecular pela Sociedade Brasileira de Genética Médica; doutor em Genética pela Universidade Federal do Paraná; autor de artigos científicos publicados em periódicos médicos internacionais; autor de livro sobre o Teste de Paternidade por DNA; professor adjunto de Medicina, professor de pós-graduação e coordenador do curso de especialização em Genética Humana da PUC-PR; professor adjunto do Curso de Medicina da Unicemp; professor adjunto do Curso de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná (Fepar); médico geneticista dos hospitais Nossa Senhora das Graças, Pequeno Príncipe e Evangélico, de Curitiba-PR; um dos 10 cientistas brasileiros que integram, desde sua fundação, o Projeto Genoma Humano da HUGO – Human Genome Organization - órgão internacional de pesquisa do genoma humano.

5. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Representante: DOUTOR THOMAZ RAFAEL GOLLOP
Currículo: Ginecologista e Obstetra do Hospital Israelita Albert Einstein Coordenador do Serviço de Cirurgia do Assoalho Pélvico (Minimamente Invasiva) do Hospital Pérola Byington - SUS-SP Professor Livre Docente em Genética Médica-USP - São Paulo/SP Professor da disciplina de Ginecologia na Faculdade de Medina de Jundiaí - SP

6. DEPUTADO FEDERAL JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI.
Currículo: Deputado Federal, Professor Titular por concurso emérito da USP e da Unicamp e Membro da Academia Nacional de Medicina, cadeira 22. Foi Secretário de Educação (1986-1987) e de Saúde (1987-1991) do Estado e também do Município de São Paulo. Presidente da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (1986-1992), Assessor da OMS para Assuntos de Saúde da Mulher desde 1993 e Reitor da Unicamp (1982-1986).

7. DEPUTADO FEDERAL LUIZ BASSUMA
Currículo: É Engenheiro de Petróleo pela Universidade Federal do Paraná. Foi Vereador da cidade de Salvador, Deputado Estadual da Bahia pelo Partido dos Trabalhadores. Está no 2º mandato de Deputado Federal pelo PT. Dedica-se às questões relacionadas com a energia, defesa do consumidor e é Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida – Contra o Aborto.

8. PROFESSORA LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA
Currículo: Professora titular do Departamento de Biologia Molecular da Universidade de Brasília. Presidente do Movimento Nacional da Cidadania em Defesa da Vida – Brasil Sem Aborto.

9. Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – ANIS
Representante: DÉBORA DINIZ
Currículo: É antropóloga, doutora em Antropologia e pós-doutora em Bioética. Atualmente é professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da organização não-governamental Anis – Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero e compõe a diretoria da Associação Internacional de Bioética.


3) Inscritos para a terceira audiência em 04.09.2008

1. Associação de Desenvolvimento da Família
Representante: THEREZINHA DO NASCIMENTO VERRESCHI
Currículo: Médica especialista em endocrinologia, Conselheira do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

2. Escola de Gente
Representante: CLAUDIA WERNECK
Currículo: Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com pós-graduação em Comunicação e Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz.
Autora de diversos livros e artigos sobre inclusão, discriminação e diversidade, publicados no Brasil e no exterior. Desde 1992, tem atuado na disseminação do conceito de sociedade inclusiva em diferentes países, com foco na América Latina. Fundadora e superintendente da organização da sociedade civil Escola de Gente – Comunicação em Inclusão, que é membro titular, desde 2005, do Conselho Nacional de Juventude junto à Presidência da República. Integra as redes internacionais de lideranças da área social Avina (Suíça) e Ashoka (EUA).

3. Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos.
Representante: DRA LIA ZANOTTA MACHADO
Currículo: Lia Zanotta Machado possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1967), mestrado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (1979), doutorado em Ciências Humanas (Sociologia) pela Universidade de São Paulo (1980) e pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales (1993/1994). Atualmente é professora titular de Antropologia da Universidade de Brasília. Lia Zanotta integra o Conselho Diretor da Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, tendo integrado a Comissão que elaborou o anteprojeto de lei sobre a Revisão da Legislação Punitiva e Restritiva ao Aborto no Brasil.

4. Dra. CINTHIA MACEDO SPECIAN, Título de Especialista em Pediatria, Habilitação em Neurologia Pediátrica, Coordenadora do Serviço de NeoNatologia e da UTI NeoNatal do Hospital S.Francisco, CPF: 772 843 809 34, RG 28 281 589 2, CRM-SP: 69138;

5. Dr. DERNIVAL DA SILVA BRANDÃO, CRM 52 00471.1, Médico com Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia – TEGO, Curso de especialista em Medicina do Trabalho – PUC – Rio de Janeiro, Membro Titular da Academia Fluminense de Medicina e Presidente da Comissão de Ética e Cidadania da Academia Fluminense de Medicina; e,

6. Dra. ELIZABETH KIPMAN CERQUEIRA
Titulo de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia, Professora Adjunta por 2 anos na Faculdade de Ciência Médicas da Santa Casa de São Paulo, Secretária de Saúde do Município de Jacareí por 4 anos, Co-fundadora do Hospital e Maternidade São Francisco de Assis em Jacareí onde foi Diretora Clínica por 6 anos, Gerente de Qualidade do Hospital São Francisco, Diretora do Centro Interdisciplinar de Estudos Bioéticos do Hospital São Francisco, CPF: 422 080 098 00, RG 2 561 108, CRM-SP: 14 064."

STF Audiência Pública 54

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Comentário Final - Diga-me leitor evangélico, sobre os comentários que fiz no início desta reportagem, por acaso eles se basearam em uma interpretação errada dos fatos?

João Cruzué
cruzue@gmail.com




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quarta-feira, agosto 27, 2008

O processo da secularização



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Ilustração - João Cruzué

Celuy Roberta Hundzinski Damásio*

"O problema da secularização persiste em toda a Europa e vem, cada vez mais, tornar-se assunto de primeira ordem. Para compreendermos melhor a forte secularização européia é interessante olharmos a historia: o espírito das luzes e da Revolução Francesa do século XVII. A Europa conheceu um anti-clericalismo violento que, enfaticamente na França, deveria “esmagar a Igreja”, como disse Voltaire. Os meios intelectuais propagaram essas idéias voltadas, sobretudo, para a economia. Quando a escola tornou-se obrigatória, sendo função do Estado central, as crianças foram encharcadas dessa inteligência secularizada.

O termo “secularização” já aparecia nos escritos néo-testamentários do apostolo Paulo designando sob o aspecto “saeculum”, o século[1]: trata-se da temporalidade deste mundo, a dimensão mundana da vida humana, associada à dimensão do pecado. Compreende-se assim, que a expressão “retornar ao século” significa retornar ao mundo profano, identificando-se desta forma, com a laicização. Mais globalmente, a secularização designa o processo visível desde o final da Idade Média que vê atividades ou dimensões da vida humana ligados à esfera religiosa como a Arte, a Ética, a Moral ou a Política cortar-se de toda referência ao sagrado ou transcendência. Hoje, a expressão secularização é usada para definir um processo no qual o mundo e a história humana se compreendem a partir deles mesmos, de maneira propriamente imanente.

Foi, em 1922, na obra Teologia Política de Carl Schimitt que o termo “Säkularisation” aparece pela primeira vez: um neologismo alemão baseado no francês “sécularisation”, indicando a translação política moderna de noções provindas da teologia e reinvestidas no vocabulário da vida política. Em 1941, Martin Heidegger começou, também, a fazer uso desse termo, estimulando sua propagação.

Desde que os homens conquistaram o mar e começaram a fazer grandes viagens, as sociedades puderam ser comparadas umas às outras, fazendo com que houvesse um maior questionamento sobre sua organização. Os séculos XVII e XVIII foram herdeiros dessa racionalização progressiva do pensamento social. Nessa época, triunfam a filosofia das luzes e o pensamento racionalista e individualista moderno; as artes e as ciências emancipam-se progressivamente da tutela da Igreja. O estado moderno se constrói centralizado e burocrático.

Com essa mudança epistemológica, filosófica, política e social, a religião se torna um objeto a ser pensado, podendo ser representada como uma realidade positiva, relativa, histórica, como uma construção institucional ligada a um conjunto doutrinal abstrato, controlando as práticas, impondo normas.

Esse processo desenrolou-se lentamente, com elementos que influenciaram desde o século XIV, relativizando valores que caracterizam nosso universo racional e intelectual no qual as religiões – na Europa, sobretudo o cristianismo – foram perdendo sua credibilidade.

Segundo o sociólogo D. Hervieu-Léger, a secularização é o impacto da modernidade – em diferentes níveis: econômico, social, político, intelectual, simbólico, etc. – sobre a religião ou mais exatamente, sobre a configuração tradicional das relações entre a religião e a sociedade.

Ela envia, primeiramente, a um fenômeno jurídico-político: a separação das Igrejas e do Estado. Com todas as transformações, o Estado moderno, temendo perder a soberania, não tolera o domínio da instância religiosa, mas quer estreitar juridicamente, suas relações com ela, a fim de proteger sua independência. A secularização designa igualmente, a localização da religião fora da esfera pública, e seu limite ao domínio privado. Enfim, ela remete a um processo de laicização pelo qual as diversas instituições sociais conquistam sua autonomia dotando-se de ideologias, referências e regras próprias.

Não importa em que domínio, a religião entra em concorrência com uma nova visão do lugar do homem num mundo a conquistar e a organizar. Como a Igreja, que era a peça mestra do dispositivo de socialização e do controle social das sociedades do passado, perde essa função, aí, o conceito de secularização pode, extensivamente, designar a perda de influência da religião na sociedade.

Com isso, foram-se criando movimentos religiosos, que desvinculavam-se, total ou parcialmente, dos grandes sistemas religiosos tradicionais. Pois, houve uma liberação formal de profissões da fé. Juntamente com o enfraquecimento da religiosidade clássica veio o retorno ao sagrado, por essas novas correntes que ao invés de contradizer o movimento geral de secularização das sociedades vêm atuar como seu prolongamento: exprime ao mesmo tempo um protesto contra a incerteza devida à crise da mudança, e um tipo de religiosidade compatível com a nova sociedade.

Félicité de Lammennais (1782-1854)- juntamente com Louis de Bonald e Joseph de Maistre – já questionava se a Igreja deveria ou não adaptar-se à sociedade em torno dela, e em seu conjunto sua resposta era, preferencialmente positiva, entretanto suas idéias foram condenadas por excesso, em 1832, pelo papa Gregório XVI; decepcionado, ele abandona a Igreja. Isso ocasionou a “descristianização” do mundo operário, mas suas idéias com relação à liberdade, independência e pobreza, foram mais tarde, retomadas por seguidores mennaisianos.

O que houve, durante todo esse percurso, foi a descentralização do poder das instituições religiosas clássicas, não significando o desaparecimento das Igrejas tradicionais. Esse poder foi transferido para o Estado, que denomina-se leigo. Aí cabem os questionamentos mais difíceis de serem respondidos: como pode o Estado ser leigo se não é constituído 100% por pessoas leigas? Quero dizer com isso que há uma profissão de religiosidade persistente nas pessoas que constituem o Estado, ainda que essa profissão seja dissimulada ou personalizada: 63% dos suecos designam-se “cristãos à sua maneira”, essa realidade estende-se por toda Europa e não atinge, somente, o cristianismo.

Há uma dificuldade geral em separar o cultural do religioso, o que não devemos estranhar, pois o homem é um todo e não partes. Assim sendo, o parlamento, para ser laico, deveria ser composto somente de pessoas laicas, o que ocasionaria um processo discriminativo. Somente suprimir os signos religiosos em lugares públicos não interfere na formação individual de cada ser humano. Não proporcionando, desta maneira, a verdadeira laicidade estatal.

Porém, penso que o grande problema hodierno, mas fruto de todo esse processo, é a secularização ou a laicização por conveniência. Há um grande número de atitudes tomadas em nome da secularização que atinge interesses próprios de cada linha política. E há, também, o lado anti-secularização que atua em benefício próprio. Não quero afirmar, aqui, que todas as resoluções ou causas têm esse intuito, mas temos vários exemplos disso.

Estamos, na França, em plena discussão sobre o feriado de pentecostes. Foi suprimido o dia de folga sendo alegado que a lei que instaura um dia de solidariedade – adotada pelo parlamento em 30/06/2004 – permitirá financiar os cuidados às pessoas idosas pela “Sécurité Saciale” – Segurança Social (Saúde Publica). Entretanto, várias empresas privadas conservarão o feriado, compensando com um minuto a mais de trabalho por dia.

No início, a discussão para a abolição do feriado era que fosse suprimida uma comemoração religiosa, por causa da laicidade. O foco, agora, converteu-se para o dinheiro público, e as discussões sobre o assunto, não abordam somente a secularização. Além do mais, falava-se na época em que a lei foi votada, em um feriado para outras profissões religiosas. O que seria a laicidade, nesse caso?

Sabemos que em toda essa problemática, mora o risco de transformar ciência em cientificismo, laicidade (sentido nobre do reconhecimento da divergência dos sistemas de crenças) em laicismo (utilização do espaço público para desvalorizar ou ridicularizar as crenças), da mesma maneira que pode-se degenerar o Estado em estadismo. Todos esses desencadeamentos voluntários descartam as religiões, tentando mesmo, destruí-las.

O problema não está na separação da Igreja e do Estado, mas na maneira como se faz e nos objetivos que levam a isso. Há uma acomodação em cima de teorias, até bem fundadas, que levam os poderes a fazer o que bem quiserem de acordo com o que lhe é mais conveniente. Esse lado da questão deve ser bem tratado, averiguado e detectado por todo cidadão para que seja, no mínimo, denunciado. Sobretudo, não devemos ignorar que o ser humano não é somente composto pela sociedade ou pela religião, pelo intelecto ou pelo sentimento, e que tanto uma faceta quanto à outra, compõem o Estado, bem como a Igreja. Não há discordância que não possa ser discutida e superada, desde que ambos os lados estejam despojados da ganância e do interesse próprio. Utópico? Eu diria: difícil, mas não impossível".

*Doutoranda no Institut Catholique de Paris e Université Marne-la-Vallée
Revista Espaço Acadêmico




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