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terça-feira, outubro 30, 2012

Carta a um jovem universitário cristão

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Alderi Souza de Matos* 

Caro irmão em Cristo, 
 
Você tem o privilégio de frequentar um curso superior, algo que não está disponível para muitos brasileiros como você. Todavia, esse privilégio implica em muitas responsabilidades e em alguns desafios especiais. Um desses desafios diz respeito a como conciliar a sua fé com determinados ensinos e conceitos que lhe têm sido transmitidos na vida acadêmica.

Até ingressar na universidade, você viveu nos círculos protegidos do lar e da igreja. Nunca a sua fé havia sido diretamente questionada. Talvez por vezes você tenha se sentido um tanto desconfortável com certas coisas lidas em livros e revistas, com opiniões emitidas na televisão ou com alguns comentários de amigos e conhecidos. Porém, de um modo geral, você se sentia seguro quanto às suas convicções, ainda que nunca tivesse refletido sobre elas de modo mais aprofundado.

Agora, no ambiente secularizado e muitas vezes abertamente incrédulo da universidade, você tem ficado exposto a idéias e teorias que se chocam frontalmente com a sua fé até então singela, talvez ingênua, da infância e da adolescência. Os professores, os livros, as aulas e as conversas com os colegas têm mostrado outras perspectivas sobre vários assuntos, as quais parecem racionais, científicas, evoluídas. Alguns de seus valores e crenças parecem agora menos convincentes e você se sente pouco à vontade para expressá-los. Para ajudá-lo a enfrentar esses desafios, eu gostaria de fazer algumas considerações e chamar a sua atenção para alguns dados importantes.

Em primeiro lugar, você não deve ficar excessivamente preocupado com as suas dúvidas e inquietações. Até certo ponto, ter dúvidas é algo que pode ser benéfico porque o ajuda a examinar melhor a sua fé, conhecer os argumentos contrários e adquirir convicções mais sólidas. O apóstolo Paulo queria que os coríntios tivessem uma fé testada, amadurecida, e por isso recomendou-lhes: “Examinem-se para ver se vocês estão na fé; provem a si mesmos” (2 Co 13.5). As dúvidas mal resolvidas realmente podem ser fatais, mas quando dão oportunidade para que a pessoa tenha uma fé mais esclarecida e consciente, resultam em crescimento espiritual e maior eficácia no testemunho. O apóstolo Pedro exortou os cristãos no sentido de estarem “sempre preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês” (1 Pe 3.15).

Além disso, você deve colocar em perspectiva as afirmações feitas por seus professores e colegas em matéria de fé religiosa. Lembre-se que todas as pessoas são influenciadas por pressupostos, e isso certamente inclui aqueles que atuam nos meios universitários. A idéia de que professores e cientistas sempre pautam as suas ações pela mais absoluta isenção e objetividade é um mito. Por exemplo, muitos intelectuais acusam a religião de ser dogmática e autoritária, de cercear a liberdade das pessoas e desrespeitar a sua consciência. Isso até pode ocorrer em muitos casos, mas a questão aqui é a seguinte: Estão os intelectuais livres desse problema? A experiência mostra que os ambientes acadêmicos e científicos podem ser tão autoritários e cerceadores quanto quaisquer outras esferas da atividade humana. Existem departamentos universitários que são controlados por professores materialistas de diversos naipes – agnósticos, existencialistas e marxistas. Muitos alunos cristãos desses cursos são ridicularizados por causa de suas convicções, não têm a liberdade de expor seus pontos de vista religiosos e são tolhidos em seu desejo de apresentar perspectivas cristãs em suas monografias, teses ou dissertações. Portanto, verifica-se que certas ênfases encontradas nesses meios podem ser ditadas simplesmente por pressupostos ou preconceitos anti-religiosos e anticristãos, em contraste com o verdadeiro espírito de tolerância e liberdade acadêmica.

Você, estudante cristão que se sente ameaçado no ambiente universitário, deve lembrar que esse ambiente é constituído de pessoas imperfeitas e limitadas, que lidam com seus próprios conflitos, dúvidas e contradições, e que muitas dessas pessoas foram condicionadas por sua formação familiar ou educacional a sentirem uma forte aversão pela fé religiosa. Tais indivíduos, sejam eles professores ou alunos, precisam não do nosso assentimento às suas posições anti-religiosas, mas do nosso testemunho coerente, para que também possam crer no Deus revelado em Cristo e encontrem o significado maior de suas vidas.

Todavia, ao lado dessas questões mais pessoais e subjetivas, existem alegações bastante objetivas que fazem com que você se sinta abalado em suas convicções cristãs. Uma dessas alegações diz respeito ao suposto conflito entre fé e ciência. O cristianismo não vê esse impasse, entendendo que se trata de duas esferas distintas, ainda que complementares. Deus é o criador tanto do mundo espiritual quanto do mundo físico e das leis que o regem. Portanto, a ciência corretamente entendida não contradiz a fé; elas tratam de realidades distintas ou das mesmas realidades a partir de diferentes perspectivas. O problema surge quando um intelectual, influenciado por pressupostos materialistas, afirma que toda a realidade é material e que nada que não possa ser comprovado cientificamente pode existir. O verdadeiro espírito científico e acadêmico não se harmoniza com uma atitude estreita dessa natureza, que decide certas questões por exclusão ou por antecipação.

Mas vamos a alguns tópicos mais específicos. Você, universitário cristão, pode ouvir em sala de aula questionamentos de diversas modalidades: acerca da religião em geral (uma construção humana para responder aos anseios e temores humanos), de Deus (não existe ou então existe, mas é impessoal e não se relaciona com o mundo), da Bíblia (um livro meramente humano, repleto de mitos e contradições), de Jesus Cristo (nunca existiu ou foi apenas um líder carismático), da criação (é impossível, visto que a evolução explica tudo o que existe), dos milagres (invenções supersticiosas, uma vez que conflitam com os postulados da ciência), e assim por diante. Não temos aqui espaço para responder a todas essas alegações, mas perguntamos: Quem conferiu às pessoas que emitem esses julgamentos a prerrogativa de terem a última palavra sobre tais assuntos? Por que deve um universitário cristão aceitar tacitamente essas alegações, tantas vezes motivadas por preferências pessoais e subjetivas dos seus mestres, como se fossem verdades definitivas e inquestionáveis?

O fato é que, desde o início, os cristãos se defrontaram com críticas e contestações de toda espécie. Nos primeiros séculos da era cristã, muitos pagãos acusaram os cristãos de incesto, canibalismo, subversão e até mesmo ateísmo! Foram especialmente contundentes as críticas feitas por homens cultos como Porfírio e Celso, que questionaram a Escritura, as noções de encarnação e ressurreição, e outros pontos. Eles alegavam que o cristianismo era uma religião de gente ignorante e supersticiosa. Em resposta a esses ataques intelectuais surgiu um grupo de escritores e teólogos que ficaram conhecidos como os apologistas e os polemistas. Dentre eles podem ser citados Justino Mártir, Irineu de Lião, Tertuliano, Clemente de Alexandria e Orígenes, que produziram notáveis obras em defesa da fé cristã.

Em nosso tempo, também têm surgido grandes defensores da cosmovisão cristã, tais como Cornelius van Til, C. S. Lewis, Francis Schaeffer, R. C. Sproul, John Stott1 e outros, que têm utilizado não somente a Bíblia, mas a teologia, a filosofia e a própria ciência para debater com os proponentes do secularismo. Além deles, outros autores têm publicado obras mais populares acerca do assunto, apresentando argumentos convincentes em resposta às alegações anticristãs. Dois bons exemplos recentes são o livro de Lee Strobel, Em Defesa da Fé (www.editoravida.com.br), que possui um capítulo especialmente instrutivo sobre uma questão até hoje não aclarada pela ciência, ou seja, a origem da vida, e o livro de Phillip Johnson, Ciência, Intolerância e Fé (www.ultimato.com.br), cujo subtítulo já diz muito: “A cunha da verdade: rompendo os fundamentos do naturalismo”. É importante que você, universitário cristão, leia esses autores, familiarize-se com seus argumentos e reflita de maneira cuidadosa sobre a sua fé, a fim de que possa resistir à sedução dos argumentos divulgados nos meios acadêmicos.

Outra iniciativa importante que você deve tomar é aproximar-se de outros estudantes que compartilham as mesmas convicções. É muito difícil enfrentar sozinho as opiniões contrárias de um sistema ou de uma comunidade. Por isso, envolva-se com um grupo de colegas cristãos que se reúnam para conversar sobre esses temas, compartilhar experiências, apoiar-se mutuamente e cultivar a vida espiritual. Muitas universidades têm representantes da Aliança Bíblica Universitária (ABU) e de outras organizações cristãs idôneas que visam precisamente oferecer auxílio aos estudantes que se deparam com esses desafios. Não deixe também de participar de uma boa igreja, onde você possa encontrar comunhão genuína e alimento sólido para a sua vida com Deus.

Em conclusão, procure encarar de maneira construtiva os desafios com que está se defrontando. Veja-os não como incômodos, mas como oportunidades dadas por Deus para ter uma fé mais madura e consciente, para conhecer melhor as Escrituras, para inteirar-se das críticas ao cristianismo e de como responder a elas, para dar o seu testemunho diante dos seus professores e colegas, por palavras e ações. Saiba que você não está só nessa empreitada. Além de irmãos que intercedem por sua vida, você conta com a presença, a força e a sabedoria do Senhor. Muitos já passaram por isso e foram vitoriosos. Meu desejo sincero é que o mesmo aconteça com você. Deus o abençoe!

Nota:
1. Entre os livros de John Stott, leia Por Que Sou Cristão , recém-lançado pela Editora Ultimato.

*Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da igreja Presbiteriana do Brasil.

cruzue@gmail.com

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quarta-feira, junho 15, 2011

Centenário da Assembleia de Deus no Brasil

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Pesquisa na Revista do Mackenzie


Reverendo Alderi Souza de Matos*

O PENTECOSTALISMO NO BRASIL

A partir de Los Angeles, e especialmente de Chicago, o pentecostalismo rapidamente se irradiou para vários outros países. O movimento entrou cedo (1910). No início o crescimento nesses e em outros países foi lento, mas se intensificou a partir da década de 50. Desde os anos 70, o pentecostalismo também se expandiu na América Central, especialmente na Guatemala e El Salvador, onde representa respectivamente 30% e 20% da população. No Chile, cerca de 80% dos protestantes são pentecostais. Nesse país, o pentecostalismo marcou a nacionalização do protestantismo. São muitas as razões da expansão pentecostal na América Latina: as vicissitudes históricas da obra evangelística e pastoral católica, o limitado trabalho das denominações protestantes, o misticismo das culturas ibero-americanas, os graves problemas econômicos, políticos e sociais.

A primeira manifestação de entusiasmo religioso no protestantismo brasileiro é atribuída por Émile Léonard ao movimento liderado por Miguel Vieira Ferreira (1837-1895). Esse engenheiro, presbítero e pregador leigo da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, membro de uma família aristocrática de São Luís do Maranhão, acreditava que Deus ainda se revelava diretamente às pessoas, como nos tempos bíblicos. Dotado de um temperamento místico, certa vez teve uma espécie de transe, ficando totalmente imóvel por longo período de tempo. Disciplinado pela igreja por insistir nas suas idéias, o Dr. Miguel retirou-se com um grupo de crentes, a maior parte parentes seus, e criou a Igreja Evangélica Brasileira (1879), que subsiste até hoje. Todavia, esse grupo é diferente em vários aspectos do movimento pentecostal surgido algumas décadas mais tarde.

O sociólogo Paul Freston fala sobre “três ondas” ou fases de implantação do pentecostalismo no Brasil.24 A primeira onda, ainda nos primeiros anos do movimento pentecostal norte-americano, trouxe para o país duas igrejas: a Congregação Cristã no Brasil (1910) e as Assembléias de Deus (1911). Essas igrejas dominaram amplamente o campo pentecostal durante quarenta anos. A Assembléia de Deus foi a que mais se expandiu, tanto numérica quanto geograficamente.

A Congregação Cristã, após um período em que ficou limitada à comunidade italiana, sentiu a necessidade de assegurar sua sobrevivência por meio do trabalho entre os brasileiros. É interessante o fato de que, quando chegaram os primeiros pentecostais, todas as denominações históricas já haviam se implantado no país: anglicanos, luteranos, congregacionais, presbiterianos, metodistas, batistas e episcopais. Todavia, o seu crescimento havia sido modesto. Em 1931, fazendo um levantamento sobre o protestantismo nacional, Erasmo Braga ironicamente dedicou apenas umas poucas linhas à Assembléia de Deus e nem se referiu à Congregação Cristã no Brasil.

A segunda onda pentecostal ocorreu na década de 50 e início dos anos 60, quando houve uma fragmentação do campo pentecostal e surgiram, entre muitos outros, três grandes grupos ainda ligados ao pentecostalismo clássico: Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo (1955) e Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962), todas voltadas de modo especial para a cura divina.

Essa segunda onda coincidiu com o aumento do processo de urbanização do país e o crescimento acelerado das grandes cidades. Freston argumenta que o estopim dessa nova fase foi a chegada da Igreja Quadrangular com os seus métodos arrojados, forjados no berço dos modernos meios de comunicação de massa, a Califórnia.26 Esse período revela uma tendência digna de nota – a crescente nacionalização do pentecostalismo brasileiro. Enquanto que a Igreja Quadrangular ainda veio dos Estados Unidos, as outras duas surgidas na mesma época tiveram raízes integralmente brasileiras.

A terceira onda histórica do pentecostalismo brasileiro começou no final dos anos 70 e ganhou força na década de 80, com o surgimento das igrejas denominadas “neopentecostais”, com sua forte ênfase na teologia da prosperidade. Sua representante máxima é a Igreja Universal do Reino de Deus (1977), mas existem outros grupos significativos como a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), Igreja Renascer em Cristo, Comunidade Sara Nossa Terra, Igreja Paz e Vida, Comunidades Evangélicas e muitas outras. Assim como a ênfase da primeira onda foi o batismo com o Espírito Santo e o conseqüente falar em línguas, a da segunda onda foi a cura e a da terceira, o exorcismo e a mensagem da prosperidade. Uma importante precursora dos grupos neopentecostais foi a Igreja de Nova Vida, fundada pelo canadense “bispo” Robert McAllister, que rompeu com a Assembléia de Deus em 1960. Essa igreja foi pioneira de um pentecostalismo de classe média, menos legalista, e investiu muito na mídia. Foi também a primeira igreja pentecostal a adotar o episcopado no Brasil. Sua maior contribuição foi o treinamento de futuros líderes como Edir Macedo e seu cunhado Romildo R. Soares.

Outros grupos pentecostais e neopentecostais brasileiros resultaram da chamada “renovação carismática”. Esse movimento surgiu nos Estados Unidos no início dos anos 60, com a ocorrência de fenômenos pentecostais nas igrejas protestantes históricas e também na Igreja Católica Romana.28 No Brasil, a “renovação” produziu divisões em quase todas as denominações mais antigas, com o surgimento de grupos como a Igreja Batista Nacional, a Igreja Metodista Wesleyana e a Igreja Presbiteriana Renovada. Essa adoção de crenças e práticas carismáticas, principalmente na área do culto, continua afetando em maior ou menor grau as denominações tradicionais até hoje. A esta altura, é oportuno considerar alguns representantes significativos do pentecostalismo brasileiro.

Assembléia de Deus

Essa igreja, que veio a se tornar a maior denominação pentecostal e evangélica do Brasil, bem como uma das maiores do mundo, também teve as suas raízes em Chicago, a cidade norte-americana onde o pentecostalismo mais cresceu nos primeiros tempos e na qual 75% da população era constituída de imigrantes ou filhos de imigrantes. Entre estes estavam dois suecos de origem batista: Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg (1885-1963). Vingren, filho de um jardineiro, foi para os Estados Unidos em 1903 e estudou no seminário da igreja batista sueca em Chicago. Em seguida, pastoreou algumas igrejas e abraçou o pentecostalismo, época em que conheceu o colega Daniel Berg. Este era filho de um líder batista e também havia emigrado para os Estados Unidos. Retornando ao seu país em 1908, descobriu que um amigo de infância, Levi Pethrus, havia se tornado pentecostal. Ele seria posteriormente o líder do pentecostalismo sueco. Influenciado por Pethrus, Berg abraçou a fé pentecostal quanto retornava para os Estados Unidos em 1909. Conhecendo Vingren, os dois se uniram pelo ideal missionário. Enquanto oravam com um patrício, este profetizou que deveriam ir para um lugar chamado Pará.

Os dois obreiros fixaram-se em 1911 em Belém do Pará, onde passaram a freqüentar a igreja batista, cujo pastor, Erik Nilsson ou Eurico Nelson, também era sueco. Alguns meses depois, a mensagem pentecostal de Vingren e Berg produziu uma divisão na igreja, surgindo assim o primeiro grupo da nova denominação, que inicialmente foi chamado “Missão de Fé Apostólica”, um dos nomes dos primeiros grupos pentecostais dos Estados Unidos. Só alguns anos mais tarde foi adotado o nome Assembléia de Deus.

A partir de 1914, outros missionários suecos começaram a chegar para auxiliar os pioneiros. O auge da presença sueca na Assembléia de Deus ocorreu nos anos 30 e praticamente cessou após 1950. O ano de 1930 foi muito significativo, porque marcou a nacionalização do trabalho. Na primeira Convenção Geral, realizada em Natal, com a presença de 11 suecos e 23 líderes brasileiros, a igreja adquiriu autonomia em relação à missão sueca, que lhe transferiu todas as propriedades. Houve também a virtual transferência da sede nacional de Belém para o Rio de Janeiro.

Mais tarde surgiu uma ligação mais estreita com os Estados Unidos, cujos missionários têm exercido influência na área da educação teológica. Analisando essa trajetória, Paul Freston observa que os missionários suecos, que tanta influência tiveram nos primeiros quarenta anos da Assembléia de Deus no Brasil, vieram de um país religiosa, social e culturalmente homogêneo, no qual eram marginalizados.

Como membros de uma minoria desprivilegiada, eles tinham poucos recursos financeiros e rejeitavam a ênfase no aprendizado formal, fatores esses que influenciaram a igreja brasileira. Assim, as Assembléias de Deus, bem como outros grupos pentecostais pioneiros, não estabeleceram as relações de dependência que caracterizaram as missões históricas.

Nos primeiros quinze anos, a expansão da igreja limitou-se ao norte e nordeste. Todavia, na época da nacionalização, em 1930, já estava presente em vinte estados, contando com cerca de 40.000 congregados. Quanto às peculiaridades da igreja, Freston aponta para o seu sistema de governo “oligárquico e caudilhesco”, que seria fruto da influência cultural nordestina.

Exemplo disso são os diferentes “ministérios”, nem sempre amistosos entre si, e a grande autoridade exercida pelo “pastor presidente”, verdadeiro bispo de uma cidade ou região, sendo essa posição geralmente atingida após uma lenta ascensão. Nas últimas décadas têm ocorrido crises resultantes desse modelo de liderança, do fenômeno da ascensão social dos adeptos e da concorrência com novos grupos pentecostais. A maior crise enfrentada pela igreja foi o cisma que deu origem à Convenção Nacional das Assembléias de Deus de Madureira. Esse ministério havia sido fundado pelo gaúcho Paulo Macalão, filho de um general, que entrou em conflito com os missionários suecos, críticos do seu rigor legalista.

Consagrado pastor por Levi Pethrus em 1930, ele se tornou independente e passou a abrir trabalhos em vários estados. As tensões crescentes após sua morte (1982) levaram à exclusão de Madureira pela Convenção Geral (1989), que assim deixou de representar cerca de um terço da Assembléia de Deus no Brasil.

Ao contrário da Congregação Cristã, que não tem literatura própria, a Assembléia de Deus publica desde 1930 um periódico oficial, Mensageiro da Paz, e possui uma editora de grande expressão. A igreja enfrenta forte tensão entre manter a tradição conservadora e populista e aceitar novos valores como a ênfase no aprimoramento intelectual. Freston destaca que a formação cultural ultrapassada faz com que os líderes “percam terreno para grupos pentecostais mais novos, com menos tradições arraigadas para dificultar sua adaptação à moderna cultura urbana brasileira”. Ainda assim, a Assembléia de Deus é um fenômeno impressionante, com os seus mais de 8 milhões de afiliados (quase metade de todos os pentecostais brasileiros), muito mais numerosos que os da congênere americana, com 2 milhões.

Com o passar do tempo, essa igreja vem se tornando mais parecida com as outras denominações evangélicas, revelando maior sobriedade no seu culto e uma preocupação crescente com a preparação intelectual e teológica dos seus obreiros.


*O autor é ministro presbiteriano, professor de história da igreja no Centro Presbiteriano de Pós- Graduação Andrew Jumper, em São Paulo, e historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil.


Fonte: Revista do Mackenzie




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