quarta-feira, outubro 16, 2019

O dia das coisas pequenas



"Quem Desprezará o Dia das Coisas pequenas?"
(Zacarias 4:10)


Foto de crianças do Peru
Projeto Piura de Missões do Pr. Leonardo Gonçaves



João Cruzué

Temos um casal de irmãos brasileiros, Pr. Leonardo e Jonara Gonçalves trabalhando com missões em terras peruanas. Eu pedi, e fui presenteado com lindas fotos de crianças do Projeto Piura, uma missão da Igreja Batista lá no Peru. Em homenagem ao trabalho dele, estou redigindo este texto que fala sobre crianças na Igreja. Eu já sou um "tiozão" de 57 anos de idade, cara feia, e dizem os da casa rabugento... Na verdade a "cara" é feia, mas o coração é mole. Eu gosto de crianças. Fico muito triste com a forma com que elas são tratadas dentro da Igreja. Separadas, acusadas de barulhentas, sem modos, ciganas dentro do templo, sujeitas a broncas do púlpito. Assim com advertiu o Profeta Zacarias, também vou somar com ele e dizer que não podemos desprezar o dia das coisas pequenas.

Em 1995, eu estava dirigindo uma congregação da Assembléia de Deus no Parque Santo Antônio. Era um dos bairros onde mais se matava na periferia da Zona Sul de São Paulo. Era minha primeira experiência como pastor de Igreja, e estava no meu primeiro ano. A congregação era muito simples, um prédio alugado onde se acomodava cerca de 100 pessoas. A maioria delas de famílias de pernambucanos emigrantes da Região dos engenhos falidos, povo muito paciente que nos suportou com bravura e muito oraram por mim e minha casa.

No primeiro domingo de minhas atividades como dirigente daquela Igreja, observei um fato curioso: durante a Escola Dominical, as crianças se ajoelhavam no chão para desenharem com lápis de cor nas lições que estavam apoiadas no assento dos bancos. Aquilo chamou minha atenção. Entre os membros daquela congregação havia um jovem senhor que era marceneiro, e junto com ele fizemos planos para construir duas mesas de fórmica.

Dito e feito. Compramos uma grande chapa de madeira, a folha de fórmica, cola, lixas, pregos, um cortador de fórmica, sarrafos para as laterais e cavaletes. Mãos à obra e duas mesas ficaram prontas. Depois de montadas sobre dois cavaletes, cada, ficaram exatamente na altura de uma criança. E nós vimos que aquilo era bom, parafraseando o primeiro capítulo de Gênesis.

Não sei de onde surgiu tantas crianças. Cerca de 30 a 40. A partir daquela data, até os dias de hoje, nenhuma criança daquela Igreja precisou se ajoelhar no chão frio para estudar ou desenhar sua lição. Foi o investimento de maior retorno que eu vi naquele lugar.

Cada Igreja tem aquele grupo que mais se destaca no culto ao Senhor. Na AD do Parque Santo Antônio era o grupo infantil. Minha filha caçula, na época, tinha quatro aninhos. Quando ela cantava com a irmã mais velha, imitava um contralto, pois era uma voz rouca, grave, parecendo um besourinho. Sabe o que aconteceu? Deus deu uma unção de louvor tão forte, que ao solar alguns hinos no grupo das crianças, a Igreja se alegrava em Espírito. Aquela unção continuou até a adolescência. A voz de besourinho sumiu e em seu lugar Deus colocou um timbre maravilhoso. Amanhã é dia de meu aniversário e se eu pudesse, lhe pediria que cantasse aquele Hino "Milagres" que o Robson cantava.

O coral infantil daquela Igreja era o melhor grupo da congregação. Entre quase setenta congregações do Setor, ficava entre os três primeiros. Crianças simples, que moravam quase todas em terrenos da Prefeitura à beira de Córregos. Mas o louvor era de primeiro mundo.Angelical. Sabedora disso, uma vizinha nossa da Igreja Presbiteriana, que trabalhava na Casa de Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo em Santo Amaro, indicou o nosso coralzinho para cantar em um evento da Igreja Metodista Alemã, ou algo parecido, que acontecia todo ano no Bairro do Brooklin.

Na época, as crianças já possuíam lindas e longas becas azuis e brancas que desciam ao chão. Entre os corais que se apresentaram, deixando a modéstia de lado, foi o melhor ou um dos melhores. Na mesma semana, atendi um telefonema de um senhor nos convidando para cantar em um evento de Natal no Salão de Convenções do Anhembi - o maior de São Paulo. Recusamos o convite, mas ficamos muito honrados.

E tudo começou com um olhar e a constatação de que o chão frio não era o melhor lugar de apoio para se desenhar uma lição de Escola Dominical. Hoje, não estou mais no ministério pastoral. Mas, se algum dia o Senhor me quiser à frente de outra congregação, meu primeiro investimento sabe onde será? Na área infantil.

O desprezo a esta gente pequena e a rabugice contra o barulho e o corre-corre, não passa despercebido pelos olhos de uma criança, quando ela está na Igreja. Ela é pequena no tamanho, mas percebe muito bem quando não é bem recebida e nem aceita. Deveríamos tratá-las como príncipes, estender o tapete vermelho quando entrasse na Igreja, sob um mar de aplausos. É isto que estamos vendo? Eu creio que não.

Não estaria longe da verdade se dissesse que muitas famílias cristãs não sabem mais como fazer para levar seus filhos adolescentes aos cultos. Uma multidão deles estão amargos, tristes, deprimidos quando chega o domingo e não têm mais vontade de ir na Igreja. Eu sei que há muitas outras causas, mas quem é que deixaria de ir em um lugar onde sempre foi bem recebido e amado? Por que será que ambientes e músicas não cristãs estão atraindo tanto os filhos dos crentes? Pode ser que, quando pequenos, não eram bem recebidos nem tratados como gente - porque eram só "crianças".

O culto na Igreja não pode ser apenas um tempo e espaço exclusivo de adultos. Não sou favorável a que elas fiquem separadas durante o culto. Isto tem cheiro de segregação. Gueto!

Investir no Ministério Infantil traz altos retornos. Se os nossos filhos adolescentes têm mais prazer de ir a qualquer lugar, menos na Igreja, isto é sinal de que algo está errado e precisa ser corrigido. Em tempos tão difíceis em que os agentes do tráfico estão recrutando os filhos dos mais pobres para seguir "plano de carreira" no ramo do "pó", a Igreja evangélica precisa traçar uma estratégia nova e fazer planos e criar projetos, para transformar o tempo do culto e de outras atividades a coisa mais prazerosa da vida de uma criança.

Jesus é o exemplo de amor e visão do ministério infantil.


cruzue@gmail.com
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domingo, setembro 22, 2019

O vale de ossos secos e a esperança nossa de cada dia





Wilma Rejane

Veio sobre mim a mão do Senhor, e ele me fez sair no Espírito  e me pôs no meio de um vale que estava cheio de ossos. E me fez passar em volta deles; e eis que eram mui numerosos sobre a face do vale, e eis que estavam sequíssimos. E me disse: Filho do homem, porventura viverão estes ossos? E eu disse: Senhor DEUS, tu o sabes. Então me disse: Profetiza sobre estes ossos, e dize-lhes: Ossos secos, ouvi a palavra do Senhor. Assim diz o Senhor DEUS a estes ossos: Eis que farei entrar em vós o espírito, e vivereis. E porei nervos sobre vós e farei crescer carne sobre vós, e sobre vós estenderei pele, e porei em vós o espírito, e vivereis, e sabereis que eu sou o Senhor.Então profetizei como se me deu ordem. E houve um ruído, enquanto eu profetizava; e eis que se fez um rebuliço, e os ossos se achegaram, cada osso ao seu osso. Ezequiel 37:1-7

A mensagem em Ezequiel fala literalmente sobre:

I-  A revitalização de Israel, pois, naquela época as tribos haviam se espalhado; Judá, Benjamin e Levi  levadas em cativeiro para Babilônia. Era tempo de angústia. Jerusalém estava em ruínas, as tribos espalhadas entre as nações, parecia o fim de um povo. O vale de esqueletos era como um raio x de Deus sobre Israel: um Israel triste e abatido. Deus, porém revigoraria Israel, transformando-o novamente em uma nação.

II- Também fala do Israel espiritual,  igreja de Cristo, composta por pessoas renovadas pelo Espírito Santo. Pessoas que outrora estavam perdidas, mortas em pecados, e atenderam ao chamado de arrependimento. Estes, em Cristo, venceram a morte. 

Delimitados os temas literais da mensagem em Ezequiel, podemos aqui abordar outros aspectos igualmente importantes presentes na passagem do Vale de Ossos secos. São observações que ampliam nosso olhar sobre a cena, a fim de aprendermos mais com Deus, fortalecendo-nos em fé e obediência. 

Aquele vale

O Vale de ossos secos, apresentado por Deus ao profeta Ezequiel é uma visão de horror, evocada para trazer esperança, a esperança revivida do pó de cadáveres, uma esperança que somente Deus pode dar, nada nem ninguém seria capaz de adentrar naquele ambiente para ressuscitar aquelas pessoas. 

Um vale fica entre montanhas, olhar para o alto quando se está em um vale pode ser animador, porque enxerga-se uma saída, um horizonte diferente que indica mudança. É isso que nos diz um conhecido Salmo: “ 121:1 Elevo os meus olhos para os montes; de onde me vem o socorro? 2 O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra”. Os esqueletos não podiam ver, então Deus envia Ezequiel para que eles possam ouvi-lo.

Outro aspecto que chama minha atenção é o dos esqueletos estarem ao ar livre, sobre a terra e não enterrados. E eles estavam sequíssimos! 

Ezequiel rodeia aqueles esqueletos, se põe entre eles, fala com eles!


A grandeza dos detalhes

Refletir sobre a mensagem de Ezequiel sobre o vale de ossos secos é contemplar Deus na história da criação humana e das nações em todas as épocas. Israel foi um povo perseguido, espalhado, foram  mortos aos milhões no Holocausto nazista, contudo, se ergueu novamente como Nação em  14 de maio de 1948. Israel é uma referência profética desde o início e assim será até o fim dos tempos. Porque assim como a Mão de Deus estava sobre Ezequiel naquele vale, está também sobre Israel.

Interpreto os esqueletos sobre a terra como sendo um estado provisório, ossos em decomposição, porém que aguardam uma resolução. É como se Deus tivesse-os sob seu olhar, um olhar que os rodeia, que se põe entre eles, observa atentamente a fim de reverter aquele estado terminal. A seu tempo. 

A sequidão dos ossos indica muito tempo de morte, e ainda assim Deus os transforma em corpos saudáveis, com tendões, carne, pele, músculos, vida!!! Isto significa Redenção, algo que acontecerá com o Israel Físico e com a Igreja (Colossenses 1: 13,14 – Romanos 11:26).

Lições para todos os dias

Não há coisa alguma impossível para Deus (Lucas 1:37). Se há determinadas áreas em nossas vidas que se assemelham aquele vale de ossos secos, Deus é a esperança e a certeza de restauração. 

Deus perguntou a Ezequiel: 
- Porventura viverão estes ossos?
 Ele disse: - Senhor Deus, tu o sabes.

Ezequiel era um homem de fé. Ele sabia que Deus não operava seguindo lógica humana, pois, em uma visão meramente humana, aqueles esqueletos jamais voltariam a viver. A resposta estava com Deus que criara todas as coisas e o homem do pó da terra ( Gênesis 2:7). Terra e osso não eram um fim para Deus, mas um começo, recomeço, matéria-prima para milagres!

Quantas vezes queremos perder as esperanças porque não vemos saída, não conseguimos enxergar nada mais além de um vale de morte. Não vemos montes, nem horizontes. Nos sentimos abandonados, esquecidos. Mas Deus está atento, Ele diz: “ouçam a minha voz, ela está presente também nos vales ”. 

Continuemos orando pela salvação de nossa família. Continuemos firmes nos caminhos do Senhor na certeza de que Ele vela por nós, conhece nossas angústias e sofrimentos e Ele nos ama. Aqueles esqueletos estavam na superfície, visíveis, ao alcance porque Deus agiria de modo milagroso sobre eles! Claro que não há distância ou profundidade onde Deus não chegue. Ele ressuscitou a Lázaro, de Betânia, quando este estava no túmulo (João 11). Lázaro estava na tumba, envolto a lençóis e uma pesada pedra fechava seu túmulo, mas todos esses acessórios de morte não foram capazes de esconder Lázaro do olhar de Deus, para Deus Lázaro estava como aqueles esqueletos: na superfície, aguardando a redenção!

Deus o abençoe.