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| Amós, capítulo 9 |
João Cruzué
Há algo perturbador na visão que se abre
no capítulo 9 de Amós: o Senhor não está no altar para receber ofertas, mas
para destruí-lo. Golpeia os capitéis, faz tremer os umbrais, despedaça tudo
sobre a cabeça dos presentes. É o colapso das instituições sagradas, o
desmoronamento de tudo aquilo que parecia sólido como pedra.
Para quem vivia naquela época, o
templo era mais que um edifício religioso. Era o símbolo da presença divina, a
garantia de proteção, o centro da identidade nacional. Ver Deus destruindo seu
próprio santuário era como assistir um pai incendiando a casa da família. Não
faz sentido. Não deveria acontecer. Mas acontece.
Talvez seja esse o ponto mais
incômodo da profecia de Amós: Deus não está preso às nossas instituições
religiosas. Ele não é refém de nossas tradições, por mais antigas e veneráveis
que sejam. Quando essas estruturas se tornam cúmplices da injustiça, quando
servem para encobrir a opressão ao invés de combatê-la, elas mesmas se tornam
alvos do juízo divino.
O texto tem uma ironia cruel. O
povo achava que estava seguro porque tinha o templo, os rituais corretos, a
linhagem certa. Mas Amós destrói essa ilusão com uma pergunta devastadora:
"Não sois para mim como os etíopes, ó israelitas?" Ou seja, vocês que
se acham tão especiais, tão diferentes, tão superiores aos outros povos — o que
os torna melhores? A resposta implícita é: nada! Absolutamente nada.
E então vem aquela perseguição
implacável. Não adianta fugir, cavar, escalar, mergulhar. Os olhos de Deus
estão sobre eles "para o mal, e não para o bem". É uma inversão total
da teologia confortável. O Deus que deveria proteger agora persegue. O Deus que
deveria abençoar agora sentencia.
Mas há uma reviravolta no final
do capítulo que não pode ser ignorada. Depois de toda devastação, surge a
promessa de reconstrução. Não imediatamente, não sem consequências, mas
eventualmente. A casa de Jacó não será totalmente destruída. Deus vai peneirar
Israel entre as nações como se peneira grãos, mas não deixará nenhum grão cair na terra.
Essa imagem da peneira é fascinante.
Deus não descarta tudo — separa. Elimina a palha, mas conserva o grão.
O exílio não é apenas castigo, é também purificação. A destruição não é fim, é
recomeço. As ruínas da tenda de Davi serão reerguidas, os muros reconstruídos.
O que Amós profetiza no capítulo 9 é
uma espécie de morte para ressurreição. Não dá para reformar a estrutura
apodrecida; é preciso deixá-la cair. Não dá para maquiar a injustiça com
piedade; é preciso extirpar o mal pela raiz. Só depois, sobre os escombros da
arrogância e da hipocrisia, é que se pode edificar algo verdadeiro.
Vivemos tempos em que muitas certezas estão desabando.
Instituições que pareciam eternas estão se revelando frágeis.
Lideranças que se diziam ungidas estão se mostrando corruptas. Sistemas que prometiam
justiça perpetuam desigualdades. E talvez, como nos dias de Amós, precisemos
ouvir que nem tudo que rui merecia ficar de pé.
A grande questão é: estamos
dispostos a ser peneirados ou preferimos nos agarrar às ruínas, fingindo que o
altar não está rachando?
