sábado, setembro 29, 2012

O paradoxo da solidão na era digital


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Hall 9000
João Cruzue 

A era da massificação digital já começou. Quem assistiu o filme "O Substituto" de Jonathan Mostow, protagonizado por Bruce Willis vai entender como é. Seres humanos isolados e deprimidos em suas casas, sendo representados por robôs-sósias, avatares humanos, sempre jovens, bem vestidos, representando socialmente durante o dia. E quando vem a noite, voltam para seus cabides, enquanto seus "originais" levantam-se sozinhos em uma casa vazia. Sozinhos, com milhares de seguidores zumbis no twitter e no facebook. A era do paradoxo real-digital, 

A família não mais se comunica verbalmente. A filha, no quarto, pede um remédio para a mãe, na cozinha, por um SMS. A vizinha  tem um perfil no facebook onde coloca as fotos da última viagem, que o esposo ainda nem viu. 

O artista decadente digita algumas vezes por dia  seus bilhetes no twitter que a maioria não lê. Envia centenas de pensamentos e frases pelo facebook, que a maioria não presta atenção. 

Todo mundo postando e pouca gente lendo.

Todos se comunicando e relacionando em um processo    relacionamento social de faz de contas - que na verdade não passa de um monólogo transmitido por programas-robôs, como no filme "Matriz". A massificação de mensagens que leva ao fastio.

Para onde isto nos leva?

Creio que já podemos observar alguma coisa. A coisificação dos relacionamentos sociais. Twitters, faces, whatsapp, instagran, viber.  Uma geração de protagonistas digitais generosos, comunicativos, espirituosos. Por outro lado, na vida real estas pessoas são diferentes:  Egocêntricas, críticas ao extremo, frias, insensíveis e anti-solidárias, despossuídas de sensibilidade humana e de verdadeiro  espírito solidário. Este descompasso entre o digital e o real, o ser-o-que-não-é, ao meu sentir, é um gatilho perfeito para a solidão e a depressão. 

Uma geração de potenciais depremidos, que o excesso de tempo junto às maquinas faz desaprender como se relacionar de verdade.

Eu percebo que quanto mais trabalho com recursos eletrônicos mais automatizado vou ficando. O homem como extensão de um dispositivo eletrônico. Um apêndice. Esta interação eletrônica excessiva pode me tornar insensível e frio como a máquina. 

Creio que estamos mesmo caminhando para sermos comandados por máquinas. Não por robocops, homens de ferro ou darth vaiders, mas por algo do tipo "Hall 9000" de Stanley Kubrick. A potencialidade da IA (Inteligência Artificial) já é uma realidade. Tudo nas sombras. Você não vê, não ouve, não sente, mas aquilo está "te" monitorando lá. Aliás, isto não é nenhuma novidade: Quando você abre uma conta no Face ou no Google, seus dados e seus hábitos de consumo estão registrados lá. Se o "Hall 9000" já era inteligente e desconfiado, imagina o que os algorítimos de nossa era possam fazer em um processador moderno...

Estamos perdendo o hábito da solidariedade. Cada um por si e Deus por todos. Os insensíveis da parábola do bom samaritano estão se replicando em nossos dias. Hoje, os sacerdotes e levitas apressados e individualistas estão na casa dos milhões. E os feridos e necessitados também andam pela casa dos bilhões. O déficit de solidariedade só aumenta e a falta dela brota incontida dentro de cada família.

Como podemos nos precaver do pior?

Não sei se isto é possível, mas alguém precisa ensinar o uso racional e mostrar o perigo oculto do uso excessivo dos eletrônicos. Eles foram criados para nos oferecer facilidades, mas estão criando dificuldades, pois viciam. Fazem perder a noção do tempo. Nos levam a procurar ambientes fechados e isolados para  fazer nossa "comunicação"  às centenas. Milhares. Mas perdemos a habilidade de dar bom dia ao pai e a mãe dentro da própria casa.

A falta de comunicação pelo excesso de comunicação.  A depressão colhida pelo descompasso entre a realidade e a imaginação. Sozinhos e deprimidos em meio a milhares de "amigos"




Beautiful Blue Danubio







quinta-feira, setembro 27, 2012

Testemunho do Pastor Florisvaldo de Oliveira

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Pinheiro de Natal

João Batista Cruzué

Em 2002,  eu já estava no segundo ano de um projeto de literatura para os presídios paulistas. Desempregado, ocupava meu tempo em uma missão que eu tinha certeza que fora o Espírito Santo me dera. No mês de dezembro daquele ano, eu recebi um cartão de natal, um pinheiro verde impresso em uma folha de sulfite, do irmão Florisvaldo de Oliveira. Vou contar como foi.

No começo de 2001 eu recebi uma  da P1 de Avaré. Um jovem presidiário achou uma literatura que tinha o carimbo da Missão Jerusalém, uma associação criada para lidar com literatura de evangelização.  Ele fazia parte de uma "igreja do cárcere" que se reunia para orar, evangelizar e fazer cultos nos fins de semana.  Vou dizer só os primeiros nomes. O dirigente do trabalho era o irmão Bento. O moço que me escreveu era o Irmão Rogério Gomes.

A P1 de Avaré fechou.  Fechou em abril do mesmo ,para reformas e transformação em uma unidade RDD - Regime de Detenção Diferenciada. Dos 70 membros e frequentadores daquela Igreja, o único que ficou ali foi  o cozinheiro - o irmão Dener. Todos os outros foram espalhados pelo interior do Estado por quase uma dezena de outras penitenciárias. O irmão Rogério Gomes tinha um outro xará, cujo sobrenome não me lembro.  Foi ele que no ano de 2002  me escreveu contando duas coisas: que o Dr. Nagashi Furukawa era um Cristão e que Florisvaldo de Oliveira tinha se convertido ao Evangelho e muitos presos crentes davam bom testemunho dele. 

Meu trabalho com literatura foi uma missão maravilhosa que Deus me permitiu fazer. A partir da primeira carta, eu desejava muito encher uma caixa com bíblias e revistas de escola dominical para enviar para o irmão Rogério Gomes, da P1 de Avaré. Mas o começo não foi tão fácil assim, pois no dia 18 de fevereiro de 2001 explodiu a primeira grande rebelião do PCC nos presídios de São Paulo. Até aquela data, as autoridades desmentiam a existência da organização. Nos jornais daquela semana eu colhi informações dos nomes dos municípios onde existiam as penitenciárias do Estado de São Paulo. 

Eu me assentei uma madrugada à mesa da cozinha e fui rabiscando um plano. Em dois anos, através de cartas escritas à mão, eu estabeleci a meta de fazer contato com irmãos dirigentes de 50 Igrejas do Cárcere.  Reuniões informais de presidiários que oram, leem a bíblia, evangelizam e ensinam a palavra de Deus. Hoje - 2012 - a assistência religiosa não tem restrições, mas em 2001, principalmente depois da grande rebelião em 29 unidades prisionais, esta assistência quase desapareceu. Talvez por isso, o Espírito Santo me deu aquele ministério.  Em dois anos e meio, eu fiz contato, por cartas sociais, com 48 dirigentes de igrejas do cárcere. Com a ajuda de muitas Igrejas e irmãos enviei mas de 30 caixas grandes com literatura evangélica para cerca de 30 presídios.

Até há pouco tempo, tinha uma caixa de sapatos com mais de 500 cartas recebidas dos irmãos convertidos do cárcere. A maioria pedindo literatura. Lembro de uma em especial, de um moço que fez besteira e estava preso em uma das penitenciárias de Sorocaba. Nem a família o visitava mais, e ele me pedia, pelo amor de Deus, que escreve qualquer coisa para ele. Depois de uns sete anos guardando aquelas cartas, eu decidi rasgá-las. Eu costumava ficar muito "orgulhoso" quando olhava para elas e para não ficar mostrando as evidências dos três anos (mais ou menos) que recolhia literatura usada nas Igrejas para mandar pelo correio para o cárcere, eu decidi deixar os feitos do passado para trás, e concentrar no presente, que no momento não tenho me esforçado tanto.

Do meio dessas tantas cartas, havia uma, do outro irmão Rogério da ex-P1 de Avaré. Foi ele que me contou da conversão do "Cabo Bruno". Dizia o irmão Rogério que ele tinha aceitado Jesus e que muitos presos davam bom testemunho de sua conversão. Eu escrevi uma carta para o irmão Florisvaldo em 2002 e como era perto do Natal, ele me mando um cartão de Natal. Um pinheiro verde desenhado pela impressora em um pedaço de folha de sulfite.

Há poucos dias ele foi solto da P-III de Tremembé. Quitou sua dívida com a sociedade. Mas como ele derrubou um muro espiritual tirando a vida de muitas pessoas, cumpriu em sua vida o que Jesus certa vez advertiu a Pedro. Aquele que vive pela espada, pela espada morrerá. É uma profecia bíblica citada pelo próprio Cristo. Quando este muro espiritual cai, não há mais como fechar a brecha.  Mesmo tendo se convertido, e procurado deixar a velha vida para trás, o passado bateu a porta do pastor Florisvaldo de Oliveira no final da noite de ontem - 26 de setembro de 2012. Foram 18 tiros. Nenhum familiar ficou ferido. 

Graças a Deus! Agora não foi ele quem puxou o gatilho. Que Deus conforte o coração de sua esposa, a mulher que evangelizava na prisão e o levou a Cristo.