quarta-feira, junho 09, 2010

O Processo de secularização


Celuy Roberta Hundzinski Damásio

"O problema da secularização persiste em toda a Europa e vem, cada vez mais, tornar-se assunto de primeira ordem. Para compreendermos melhor a forte secularização européia é interessante olharmos a historia: o espírito das luzes e da Revolução Francesa do século XVII. A Europa conheceu um anti-clericalismo violento que, enfaticamente na França, deveria “esmagar a Igreja”, como disse Voltaire. Os meios intelectuais propagaram essas idéias voltadas, sobretudo, para a economia. Quando a escola tornou-se obrigatória, sendo função do Estado central, as crianças foram encharcadas dessa inteligência secularizada.

O termo “secularização” já aparecia nos escritos néo-testamentários do apostolo Paulo designando sob o aspecto “saeculum”, o século[1]: trata-se da temporalidade deste mundo, a dimensão mundana da vida humana, associada à dimensão do pecado. Compreende-se assim, que a expressão “retornar ao século” significa retornar ao mundo profano, identificando-se desta forma, com a laicização. Mais globalmente, a secularização designa o processo visível desde o final da Idade Média que vê atividades ou dimensões da vida humana ligados à esfera religiosa como a Arte, a Ética, a Moral ou a Política cortar-se de toda referência ao sagrado ou transcendência. Hoje, a expressão secularização é usada para definir um processo no qual o mundo e a história humana se compreendem a partir deles mesmos, de maneira propriamente imanente.

Foi, em 1922, na obra Teologia Política de Carl Schimitt que o termo “Säkularisation” aparece pela primeira vez: um neologismo alemão baseado no francês “sécularisation”, indicando a translação política moderna de noções provindas da teologia e reinvestidas no vocabulário da vida política. Em 1941, Martin Heidegger começou, também, a fazer uso desse termo, estimulando sua propagação.

Desde que os homens conquistaram o mar e começaram a fazer grandes viagens, as sociedades puderam ser comparadas umas às outras, fazendo com que houvesse um maior questionamento sobre sua organização. Os séculos XVII e XVIII foram herdeiros dessa racionalização progressiva do pensamento social. Nessa época, triunfam a filosofia das luzes e o pensamento racionalista e individualista moderno; as artes e as ciências emancipam-se progressivamente da tutela da Igreja. O estado moderno se constrói centralizado e burocrático.

Com essa mudança epistemológica, filosófica, política e social, a religião se torna um objeto a ser pensado, podendo ser representada como uma realidade positiva, relativa, histórica, como uma construção institucional ligada a um conjunto doutrinal abstrato, controlando as práticas, impondo normas.

Esse processo desenrolou-se lentamente, com elementos que influenciaram desde o século XIV, relativizando valores que caracterizam nosso universo racional e intelectual no qual as religiões – na Europa, sobretudo o cristianismo – foram perdendo sua credibilidade.

Segundo o sociólogo D. Hervieu-Léger, a secularização é o impacto da modernidade – em diferentes níveis: econômico, social, político, intelectual, simbólico, etc. – sobre a religião ou mais exatamente, sobre a configuração tradicional das relações entre a religião e a sociedade.

Ela envia, primeiramente, a um fenômeno jurídico-político: a separação das Igrejas e do Estado. Com todas as transformações, o Estado moderno, temendo perder a soberania, não tolera o domínio da instância religiosa, mas quer estreitar juridicamente, suas relações com ela, a fim de proteger sua independência. A secularização designa igualmente, a localização da religião fora da esfera pública, e seu limite ao domínio privado. Enfim, ela remete a um processo de laicização pelo qual as diversas instituições sociais conquistam sua autonomia dotando-se de ideologias, referências e regras próprias.

Não importa em que domínio, a religião entra em concorrência com uma nova visão do lugar do homem num mundo a conquistar e a organizar. Como a Igreja, que era a peça mestra do dispositivo de socialização e do controle social das sociedades do passado, perde essa função, aí, o conceito de secularização pode, extensivamente, designar a perda de influência da religião na sociedade.

Com isso, foram-se criando movimentos religiosos, que desvinculavam-se, total ou parcialmente, dos grandes sistemas religiosos tradicionais. Pois, houve uma liberação formal de profissões da fé. Juntamente com o enfraquecimento da religiosidade clássica veio o retorno ao sagrado, por essas novas correntes que ao invés de contradizer o movimento geral de secularização das sociedades vêm atuar como seu prolongamento: exprime ao mesmo tempo um protesto contra a incerteza devida à crise da mudança, e um tipo de religiosidade compatível com a nova sociedade.

Félicité de Lammennais (1782-1854)- juntamente com Louis de Bonald e Joseph de Maistre – já questionava se a Igreja deveria ou não adaptar-se à sociedade em torno dela, e em seu conjunto sua resposta era, preferencialmente positiva, entretanto suas idéias foram condenadas por excesso, em 1832, pelo papa Gregório XVI; decepcionado, ele abandona a Igreja. Isso ocasionou a “descristianização” do mundo operário, mas suas idéias com relação à liberdade, independência e pobreza, foram mais tarde, retomadas por seguidores mennaisianos.

O que houve, durante todo esse percurso, foi a descentralização do poder das instituições religiosas clássicas, não significando o desaparecimento das Igrejas tradicionais. Esse poder foi transferido para o Estado, que denomina-se leigo. Aí cabem os questionamentos mais difíceis de serem respondidos: como pode o Estado ser leigo se não é constituído 100% por pessoas leigas? Quero dizer com isso que há uma profissão de religiosidade persistente nas pessoas que constituem o Estado, ainda que essa profissão seja dissimulada ou personalizada: 63% dos suecos designam-se “cristãos à sua maneira”, essa realidade estende-se por toda Europa e não atinge, somente, o cristianismo.

Há uma dificuldade geral em separar o cultural do religioso, o que não devemos estranhar, pois o homem é um todo e não partes. Assim sendo, o parlamento, para ser laico, deveria ser composto somente de pessoas laicas, o que ocasionaria um processo discriminativo. Somente suprimir os signos religiosos em lugares públicos não interfere na formação individual de cada ser humano. Não proporcionando, desta maneira, a verdadeira laicidade estatal.

Porém, penso que o grande problema hodierno, mas fruto de todo esse processo, é a secularização ou a laicização por conveniência. Há um grande número de atitudes tomadas em nome da secularização que atinge interesses próprios de cada linha política. E há, também, o lado anti-secularização que atua em benefício próprio. Não quero afirmar, aqui, que todas as resoluções ou causas têm esse intuito, mas temos vários exemplos disso.

Estamos, na França, em plena discussão sobre o feriado de pentecostes. Foi suprimido o dia de folga sendo alegado que a lei que instaura um dia de solidariedade – adotada pelo parlamento em 30/06/2004 – permitirá financiar os cuidados às pessoas idosas pela “Sécurité Saciale” – Segurança Social (Saúde Publica). Entretanto, várias empresas privadas conservarão o feriado, compensando com um minuto a mais de trabalho por dia.

No início, a discussão para a abolição do feriado era que fosse suprimida uma comemoração religiosa, por causa da laicidade. O foco, agora, converteu-se para o dinheiro público, e as discussões sobre o assunto, não abordam somente a secularização. Além do mais, falava-se na época em que a lei foi votada, em um feriado para outras profissões religiosas. O que seria a laicidade, nesse caso?

Sabemos que em toda essa problemática, mora o risco de transformar ciência em cientificismo, laicidade (sentido nobre do reconhecimento da divergência dos sistemas de crenças) em laicismo (utilização do espaço público para desvalorizar ou ridicularizar as crenças), da mesma maneira que pode-se degenerar o Estado em estadismo. Todos esses desencadeamentos voluntários descartam as religiões, tentando mesmo, destruí-las.

O problema não está na separação da Igreja e do Estado, mas na maneira como se faz e nos objetivos que levam a isso. Há uma acomodação em cima de teorias, até bem fundadas, que levam os poderes a fazer o que bem quiserem de acordo com o que lhe é mais conveniente. Esse lado da questão deve ser bem tratado, averiguado e detectado por todo cidadão para que seja, no mínimo, denunciado. Sobretudo, não devemos ignorar que o ser humano não é somente composto pela sociedade ou pela religião, pelo intelecto ou pelo sentimento, e que tanto uma faceta quanto à outra, compõem o Estado, bem como a Igreja. Não há discordância que não possa ser discutida e superada, desde que ambos os lados estejam despojados da ganância e do interesse próprio. Utópico? Eu diria: difícil, mas não impossível".

*Doutoranda no Institut Catholique de Paris e Université Marne-la-Vallée
Revista Espaço Acadêmico




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segunda-feira, junho 07, 2010

Carta de renúncia do Pastor Antonio Silva Santana, Tesoureiro da CGADB

Foto: P.A.
Pr. Antonio Silva Santana


"CARTA DE RENÚNCIA DA PRIMEIRA TESOURARIA DA MESA DIRETORA DA CONVENÇÃO GERAL DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS NO BRASIL."

(Texto compilado por João Cruzué/Blog Olhar Cristão)

À MESA DIRETORA:


Considerando que fui eleito como Primeiro Tesoureiro da mesa diretora da CGADB, em 24 de abril de 2009, por ocasião da 39ª Convenção das Assembleias de Deus no Brasil, realizada em Serra/ES;

Considerando que só tomei posse em 29 de julho de 2009, e não sendo me entregue os documentos fiscais, contábeis e bancários, e principalmente, relatórios da situação financeira, fiscal e contábil da CGADB até a posse;

Considerando que só a partir desta data é que fui tomando ciência da real situação fiscal e financeira da CGADB (Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil), encontrando saldo devedor no Banco Bradesco Agência 026 da Avenida 1º de Março, Conta Corrente 015.800-0 e muitos cheques emitidos pelo Tesoureiro anterior, que foram devolvidos de todas as contas correntes pertencentes à entidade;

Considerando ter encontrado a Tesouraria sem nenhum funcionário, os computadores bloqueados;

Considerando que ao longo deste período foi impossível de desenvolver o trabalho a mim confiado por 6.326 companheiros de ministério, que me outorgaram o mandato de primeiro Tesoureiro desta entidade;

Considerando que a cada dia fica impossível o levantamento de toda documentação contábil, fiscal e bancária, uma vez que não foi atendida a solicitação do Conselho Fiscal da CGADB lavrado em 12 de março de 2010 solicitando uma auditoria nas contas do mandato anterior a 2009;

Considerando o relatório da comissão especial lavrado em 25 de maio de 2010 contestado por mim, discordando do presidente desta comissão especial dos termos aludidos ao presente relatório onde está epigrafado que a tesouraria não apresentou relatório das receitas aferidas em janeiro de 2007 a dezembro de 2009;

Que não foram encaminhados os comprovantes efetuados em igual período;

Que não teve como efetuar as conciliações bancárias por falto dos extratos das respectivas contas desta entidade;

Que soube pelo então contador, Pr. Josuel Batista Ferreira, que a dívida fiscal [INSS] estava em processo de parcelamento junto à Receita Federal do Brasil, porém sem nenhum comprovante ou protocolo do mesmo;

Que toda documentação comprobatória das receitas e pagamentos dos anos anteriores até abril de 2009 como elencado no relatório, encontra-se sob a guarda do secretário adjunto, Pr. Cyro Melo e que no período subseqüente de abril a dezembro de 2009 por ordem do assessor da Presidência desta entidade, Pr. Antonio Ferreira, sendo recomendado pelo Pr. Cyro Melo que está com a documentação, que só poderia ser liberada ao contador com sua devida autorização e que até o presente momento não tenho conhecimento onde se encontram tais documentos, relatórios, balanços, etc.;

Que não assinei a confissão de dívida celebrada entre esta entidade [CGADB] e a US TRAVEL OPERADORA DE TURISMO LTDA. inscrita no CNPJ 06.314.936/0001-73 no valor de R$3.300.000,00 pagas em três parcelas, sendo a primeira parcela por transferência eletrônica nº 016524 e 0165928 em 23 de junho de 2009, e a segunda parcela por transferência eletrônica nº 0631213 em 23 de julho de 2009, e a última parcela por determinação exclusiva do presidente, não tenho informação se foi ou não paga;

Considerando que no relatório da comissão especial onde se apurou não ser necessária e completamente sem sentido a exigência de uma auditoria nas contas da entidade requeridas pelo Conselho Fiscal da mesma, e com parecer pela rejeição das mesmas, e por achar tremendas irregularidades;

Considerando o não entrosamento do sistema de informática da entidade principalmente na tesouraria, impossibilitando o bom desempenho deste tesoureiro;

Considerando ainda o aparecimento de inúmeros cheques emitidos pela CGADB , onde não constavam locais e datas de emissão, porém pré-datados, inclusive com vencimentos previstos para abril de 2010, com valores extremamente elevados, não tendo conhecimento das respectivas notas fiscais emitidos em nome da Convenção, pelos serviços prestados, e quem foram os beneficiários;

Considerando que diante de todos estes entraves torna-se impossível a reorganização das documentações pertinentes à tesouraria para que com maior profundidade se tenha uma real clareza da efetiva situação;

Considerando que o alto endividamento e os procedimentos não muito transparentes das contas a pagar, sem uma devida autorização expressa pelo tesoureiro, e a grande dificuldade por não ter contas liberadas junto aos bancos uma vez que até às mesmas contém restrição bancárias junto ao BACEN;

Venho em caráter irrevogável e irretratável RENUNCIAR ao cargo de Primeiro Tesoureiro da mesa diretora da CGADB – Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, a partir desta data.

Ciente de que com este meu gesto, posso de consciência tranqüila continuar o trabalho que há muito tempo venho desenvolvendo na presidência da Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Ribeirão Preto/SP, e poder junto com aqueles que a mim confiaram este tão elevado posto, estar certos de que me dediquei ao máximo para ver nossa CGADB diferente e com outra postura, principalmente no aspecto administrativo, o que infelizmente não consegui.

Agradeço a Deus, a minha família, ao ministério, e a todos que sempre depositou[depositaram] em mim plena e total confiança, e neste momento de uma decisão tão difícil se solidarizam comigo.

Abraço fraterno em Cristo.


Rio de Janeiro, 31 de maio de 2010.


a: Antonio Silva Santana

Firma reconhecida no 2º Cartório

Protocolo de Recebimento na Secretaria Geral da CGADB em 31 de maio de 2010

Fonte: rodriggss@hotmail.com



Comentários:

1) Aqui a Nota de Esclarecimento do Pr. José Wellington Presidente da CGADB:

2) Aqui uma análise do Pr. Geremias do Couto: Nota que nada Esclarece

2) O princípio da transparência agora é Lei (EC 131) para todos os órgãos públicos. Como evangélico, assembleiano e servidor público de Tribunal de Contas, espero que este princípio seja padrão nas ADs. A julgar pela carta do ex-tesoureiro, em matéria de transparência financeira, a Administração Pública está servindo de padrão para a Igreja. Não deveria ser o contrário? (João Cruzué).

2) A foto do Pr. Antonio foi copiada do site de P.A.