quinta-feira, abril 17, 2008

O mar e o vento


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Os discípulos cruzando o Mar da Galiléia
João Cruzué

Quero deixar algumas linhas sobre dificuldades de orientação para cristãos já amadurecidos, conhecedores da Palavra, mas insatisfeitos: à procura da Igreja perfeita, diferente, um porto seguro para congregar. Este dilema é bastante comum em nossos dias.

A Igreja do Senhor é perfeita, todavia, constituída de membros imperfeitos que por opção pessoal podem ser lapidados ou não pela palavra. Não sei porquê, mas por duas vezes Ernest Hemingway passou pela minha mente: quando dei título ao post ( O velho e o mar) e neste parágrafo, quando lembrei-me de parte daquele prefácio do Livro Por Quem os Sinos Dobram - "Nenhum homem é uma ilha". Uma tendência ao individualismo, ao isolamento pode produzir uma insatisfação com a própria Igreja. Neste ponto começamos ver no próximo defeitos que na verdade também estão em nós.

Jesus ordenou aos discípulos que cruzassem o "Mar" da Galiléia, enquanto ficava para trás, com certeza para orar. Interessante: se Jesus era Deus, por que precisava orar? A resposta era o hábito da comunhão com o Pai. Mas, há um algo didático neste hábito: se o Perfeito buscava comunhão, através da oração, para suas orientações diárias, os cristãos maduros também carecem do mesmo hábito para manter viva a mesma comunhão.

Os discípulos corriam perigo de morte e o Senhor os viu em plena luta e os socorreu: entrando no barco e repreendendo o vento e o mar. Há muitos cristãos à deriva açoitados pela força do vento e fúria do mar. O vento das novidades e o mar do secularismo. Ficamos insatisfeitos e esta insatisfação pode ser benéfica ou maligna.

Uma crise pode nos forçar um aumento da sede de comunhão com o Senhor. Neste sentido, é Deus quem nos coloca no barco e manda atravessar o mar. Embora não esteja no barco o tempo todo, ele nos observar atentamente. Isso produz experiência, crescimento e maior comunhão.

Outra crise de insatisfação pode nos açoitar - como a do filho pródigo. Esta não produz nem sede de oração, nem desejo de comunhão com Deus. São olhos que focam apenas defeitos naquilo que observam: excesso de ortodoxia, liturgias adormecedoras, pastores ignorantes, antagonistas em lugar de irmãos, o mundo parece mais interessante que a viver da fé. Aqui mora o perigo.

Não era a "casa" do filho pródigo que era defeituosa. Não havia nada errado com ela. O coração do moço, sim, estava envenenado pelo mundo. Sua insatisfação pessoal o levou ao desvario, ao desperdício e à derrota. As orações do pai - o trouxeram de volta, pois coube a ele o benefício da inexperiência.

A insatisfação de cristãos experientes pode ser mais complexa. Se por um lado é difícil encontrar uma Igreja que possa satisfazer a visão de cada um, por outro o conhecimento bíblico de lidar com a situação já faz parte da bagagem. Se Jesus, que era muito mais experiente e sábio que qualquer cristão maduro resolvia seus problemas de orientação e solidão através de mais comunhão, não há outro caminho buscá-la por orações sinceras. Se ele, como profundo conhecedor dos corações e da hipocrisia humana não desperdiçava seu tempo anotando defeitos, nem murmurando das pessoas, pois este comportamento mesquinho é maligno. O diabo quando nos vê, só enxerga coisa ruim, mas Jesus não é assim: Ele vê com olhos compassivos e ainda que a pessoa só tenha uma virtude, é sobre esta virtude que Ele foca e nos faz saber.

O "mar" está revolto por causa da fúria do vento? Quem sabe a solução não esteja em abandonar o barco, mas em trazer Jesus para dentro dele?

...Ou para dentro do seu coração!


João Cruzué
para o Blog Olhar Cristão
cruzue@gmail.com

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quarta-feira, abril 16, 2008

Bento 16 - nos Estados Unidos

"MINHA RESPOSTA A BENEDICTU"

Por Christopher Hitchens
Washington Post - 16 abril 2008

Tradução: João Cruzué

Na Terça feira, o papa disse que 'Estava profundamente envergonhado" pelo escândalo e assegurou aos católicos [americanos] que os seminários não tolerarão a pedofilia. "Ela é um grande sofrimento para a Igreja nos Estados Unidos, para a Igreja em geral, e para mim pessoalmente, que isto pode acontecer," disse Bento XVI aos repórteres. "Se eu lesse as histórias dessas vítimas, seria difícil para mim entender como foi possível que sacerdotes traíssem deste modo sua missão de trazer a cura e levar o amor do Deus para essas crianças.'

Em sua resposta, o Pontífice omitiu completamente a natureza do escândalo de pedofilia clerical. O escândalo não é a presença de pedófilos na igreja, mas a institucionalização do atentado violento ao pudor infantil pela proteção da informação e até promoção (por não-pedófilos) daqueles que são culpados dele. O ofensor mais doloroso neste aspecto é o [ex]cardeal americano Bernard Law*, atualmente uma figura honrada no Vaticano. Esta expressão do desprezo pelas vítimas faz do próprio Papa um cúmplice direto na mesma atrocidade que se emociona em denunciar".

Por Christopher Hitchens - Artigo Washington Post
Tradução: João Cruzué


NOTAS

1 . "O Cardeal Bernard Law foi o primeiro membro da cúpula da Igreja Católica a renunciar por causa dos escândalos de pedofilia de sacerdotes.Mais de 400 supostas vítimas de abusos por sacerdotes apresentaram acusações em Boston, e a arquediocese considera a possibilidade de se declarar em profunda crise. Law, que é acusado de tentar esconder os casos de sua então arquidiocese em Boston e transferir os sacerdotes acusados de pedofilia de uma paróquia para outra, disse que agora vai tirar férias.'Quero tirar férias, mas é importante dizer que continuarei disponível, se for preciso, para qualquer processo legal', acrescentou". Jornal Folha São Paulo 16.12.2002".

2 . Cardeal acusado de acobertar pedófilos reza pelo papa
ASSIMINA VLAHOU - da BBC Brasil, em Roma-
12/04/2005

O cardeal Bernard Francis Law, ex-arcebispo de Boston, foi recebido com protestos ao celebrar a missa em memória do papa João Paulo 2º, na Basílica de São Pedro. Envolvido no escândalo de abusos sexuais a menores por parte de padres na igreja católica dos Estados Unidos, Law foi obrigado a se demitir em 2002. Ele teria acobertado padres acusados de pedofilia e protegido-os, mandando-os para outras dioceses ou paróquias, sem avisar aos parentes das vítimas.

Nesta segunda feira, o cardeal Bernard Law foi escalado para celebrar uma das 9 missas que se realizam a cada dia em sufrágio da alma de João Paulo 2º desde o funeral.

Sermão

Na verdade, este convite era quase automático, visto que o cardeal é arcipreste da Basílica de Santa Maria Maior, em Roma - um título apenas honorífico. Em seu sermão, o cardeal americano recordou João Paulo 2º, dizendo que "nesta basílica o corpo do papa espera pela ressurreição".

Fora da basílica, dois representantes de vítimas de abusos sexuais de padres vindos especialmente dos Estados Unidos, protestavam contra a presença de Law.

Vítimas

Barbara Blain, presidente da associação das vítimas de Chicago, que conta com 5 mil componentes e que tem representantes em 60 cidades nos Estados Unidos, é uma delas.

Ela mesma diz ter sido vítima de abusos quando tinha 12 anos. Com uma foto de quando era menina pendurada no pescoço, Barbara se apresentou na praça de São Pedro, diante das câmeras de dezenas de televisões para manifestar sua indignação pelo fato de o cardeal de Boston estar rezando a missa em memória de João Paulo 2º.

"É incrível que o cardeal Law tenha um papel tão importante, que reze uma das missas em memória do papa, num momento como esse, de passagem de pontificado", disse aos jornalistas, debaixo de uma forte chuva e acompanhada por dois seguranças do Vaticano.

Barbara Blain disse ter vindo a Roma também para render homenagem à memória de João Paulo 2º. Antes de deixar a praça e se dirigir à basílica, afirmou que sua intenção é pedir ajuda e fazer de tudo para que a verdade sobre o cardeal Bernard Law seja conhecida.

"É incrível que Bernard Law seja um dos 115 cardeais que elegerão o novo papa. A esperança é que ninguém o ouça", afirmou.

Ela disse que centenas de católicos americanos estão chegando a Roma para participar dos protestos. É provável que a mensagem destas pessoas chegue até os cardeais. Mas encontrá-los é praticamente impossível.

Reunidos diariamente nas congregações anteriores ao conclave que começa dia 18 e escolherá o sucessor de João Paulo 2º, os cardeais não são acessíveis. Uma das raras possibilidades de vê-los em público é durante as missas em memória do pontífice morto no dia 2 de abril, como esta rezada pelo cardeal Law.

Eles estão proibidos até de dar entrevistas e se encontrar com jornalistas. Nas reuniões diárias, os cardeais debatem os principais problemas da Igreja Católica. Eles deverão definir a linha que o futuro papa vai seguir e os problemas mais urgentes que terá de enfrentar.

Escândalo

Cerca de 500 vitimas processaram a diocese de Boston, que conseguiu evitar a falência vendendo terrenos e propriedades. O custo dos ressarcimentos às vitimas ficou em torno de US$ 86 milhões. Segundo um relatório da igreja americana, ficou comprovado que em todo o país cerca de 4 mil padres foram acusados de abusos sexuais contra 10 mil jovens, na maioria meninos.

O caso tornou-se um dos maiores escândalos a atingir a Igreja Católica".
Artigo na Folha São Paulo-12.04.05



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