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domingo, novembro 23, 2025

Jó Apresenta sua Defesa Jurídica no Captulo 13

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Jó e seus amigos.

João Cruzué

O capítulo 13 do Livro de Jó representa um dos textos mais relevantes da literatura jurídica universal, constituindo verdadeiro manifesto sobre o direito de defesa e o devido processo legal. Jó, após refutar os argumentos de seus interlocutores nos capítulos anteriores, estabelece neste momento sua pretensão de apresentar formalmente sua causa diretamente perante Deus, dispensando intermediários que considera corruptos e incompetentes. A estrutura argumentativa do capítulo revela profundo conhecimento de princípios processuais que seriam formalizados milênios depois nos sistemas jurídicos modernos. Três elementos centrais emergem do texto: a reivindicação do acesso direto à justiça, a denúncia da má-fé dos acusadores, e a exigência de fundamentação específica das acusações.

O primeiro princípio jurídico fundamental articulado por Jó encontra-se no versículo 3: "Mas eu falarei ao Todo-Poderoso e desejo defender-me perante Deus". Esta declaração estabelece o direito inalienável à autodefesa (ius defensionis), reconhecido posteriormente em todos os sistemas jurídicos civilizados. O texto expressa não apenas o desejo de ser ouvido, mas a necessidade de apresentar razões diretamente ao julgador, sem intermediação de terceiros interessados. Este princípio corresponde ao audiatur et altera pars do direito romano e ao direito ao contraditório consagrado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal brasileira. A formulação de Jó antecipa em cerca de três milênios a construção teórica do devido processo legal substantivo e procedimental.

Nos versículos 4 a 7, Jó articula denúncia gravíssima contra seus interlocutores, acusando-os de serem "inventores de mentiras" e "médicos que de nada valem", chegando ao ponto de questioná-los: "Falareis perversamente por Deus e por ele falareis enganosamente?". Esta passagem estabelece princípio revolucionário: a vedação ao falso testemunho é absoluta, não admitindo exceções mesmo quando o beneficiário seja Deus. O texto afirma que nenhuma lealdade partidária, religiosa ou institucional justifica a corrupção da verdade processual. Este posicionamento antecipa a vedação ao falso testemunho (Êxodo 20:16, Código Penal brasileiro, art. 342) e fundamenta a exigência contemporânea de imparcialidade dos órgãos acusadores.

O versículo 15 contém uma das declarações mais poderosas sobre presunção de inocência já formuladas: "Ainda que ele me mate, nele esperarei; contudo, os meus caminhos defenderei diante dele". Jó assume o risco existencial extremo, mas não abdica do direito de defesa nem da afirmação de sua inocência. Esta passagem estabelece que a presunção de inocência não é concessão da autoridade, mas direito natural oponível até mesmo contra Deus. O texto transfere claramente o ônus da prova ao acusador, princípio expresso no brocardo latino ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat e consagrado no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

No versículo 22, Jó estrutura proposta revolucionária de contraditório bilateral: "Chama, e eu responderei; ou falarei eu, e tu me responderás". O texto não apenas reivindica ser ouvido, mas estabelece procedimento dialético com alternância de manifestações, garantindo paridade de armas entre acusação e defesa. Esta formulação antecipa o sistema acusatório moderno, no qual as partes têm igual oportunidade de manifestação perante o julgador imparcial. O modelo proposto por Jó corresponde ao contraditório dinâmico e efetivo exigido pela jurisprudência contemporânea do Supremo Tribunal Federal e da Corte Europeia de Direitos Humanos.

A exigência de fundamentação específica das acusações aparece no versículo 23: "Quantas culpas e pecados tenho eu? Notifica-me a minha transgressão e o meu pecado". Jó não aceita acusação genérica ou imotivada, demandando especificação precisa dos fatos imputados. Este princípio corresponde à exigência de motivação das decisões judiciais (CF/88, art. 93, IX) e à especificidade da acusação criminal (CPP, art. 41). A doutrina processual contemporânea reconhece que acusações genéricas violam o direito de defesa, impedindo a formulação de estratégia defensiva adequada. O texto de Jó estabelece que o direito fundamental não é apenas ser acusado, mas conhecer precisamente do que se é acusado.

Por fim, nos versículos 24 a 25, Jó questiona a proporcionalidade da persecução: "Por que escondes o teu rosto e me tens por teu inimigo? Acaso perseguirás uma folha arrebatada? Perseguirás restolho seco?". A metáfora da folha seca perseguida por poder infinito estabelece o princípio da proporcionalidade entre gravidade da falta e intensidade da punição. Este questionamento antecipa a teoria alemã da proibição do excesso (Übermassverbot) e o princípio constitucional da razoabilidade. Jó 13 oferece, portanto, fundamentos atemporais para um sistema de justiça que equilibre efetividade punitiva com proteção da dignidade humana, princípios que permanecem centrais em todos os ordenamentos jurídicos contemporâneos.


SP-23/11/2025.