pé de ingá
João Cruzué
Meu pai era um homem do campo; simples, honrado, trabalhador, econômico e mineiro de Ponte Nova. Construiu suas economias ao longo de 60 anos, manejando o cabo de uma enxada. Mas, depois dos 60, decidiu descansar e viver do conforto que conseguira. Ele, que gostava muito de andar a pé, decidira parar. Bico de papagaio. E por falta de exercícios, teve um contenda séria com um pé de ingá. Os dois perderam.
Soube, pela minha mãe, que na juventude, meu pai costumava ir a pé de Ponte Nova a Chopotó, ao longo da linha do "trem-de-ferro", da antiga "maria-fumaça", que seguia o itinerário Ponte Nova - Dom Silvério. No caminho, passava por Pontal, Chopotó... Não sei ao certo, mas falavam de 11 léguas.
Seu gosto por caminhadas foi diminuindo depois dos 60, e a partir dos 70 ainda mais, depois da queda de um tamborete. Um dia, ele for ver o nível da caixa d'água do sítio. Ele subia em um tamboretinho que costumava "dançar". Seu Melo era magro, mas não adiantou. O tal tamboretinho o derrubou, e a coluna já com os bicos de papagaio, piorou. Eu coloquei uma travessa lateral de madeira no móvel, mas o estrago já tinha sido feito.
Então Sô Melo, apelido de meu pai, passou a caminhar menos. Sentava-se, de vez em quando, à beira da estrada para ver o tempo passar. Aconselhado pelos vizinhos, voltou a exercitar-se, e eu acho que era apenas para agradá-los.
--Sô Melo, o senhor precisa fazer algum exercício, não pode ficar parado. Aqui vou abrir um parêntesis. Na língua culta é - Senhor. Em terras paulistas seria "Seu", mas na Região do Vale do Rio Caratinga é "Sô".
No sítio havia terreiros grandes, e terreiro de sítio suja muito. Ele decidiu, então, usar a vassoura algumas vezes por semana, varrendo os terreiros dos quatro lados da casa. O terreiro da esquerda ficava sujo com folhas de mangueira. O da porta da sala ficava resumido à calçada e não dava muito trabalho. No terreiro da direita, tinha um pé de abacate manteiga e outra mangueira; nenhum dos dois sujava muito. Mas, na porta da cozinha tinha um pé de ingá.
Angá, como era nosso costume mineiro local de falar. Esse era uma árvore folhuda e malcriada. Sim! malcriada, pois meu pai varria o terreiro da cozinha de manhã, e o angá, por desaforo, derrubava outro monte de folhas amarelas, à tarde.
--Melo, você já varreu o terreiro da cozinha? Imagino minha mãe a perguntar. E, com aquele monte de folhas no chão, creio que meu pai nem ousava resmungar. O varrido ficava por não varrido, e pronto.
Foi assim que meu pai foi pegando inimizade com aquele pé de angá. Até que um dia, se cansou e decidiu dar um basta. Passou a vida inteira plantando árvores, mas naquele dia pegou o facão de cortar cana e descascou o pé da árvore sem dó e sem piedade. O ingazeiro amarelou, definhou e, em menos de um ano, secou. O terreiro da cozinha depois disso não deu mais trabalho a meu pai. Estava sempre limpinho.
E por justamente diminuir os exercícios com a vassoura que meu Pai Melo veio falecer de ataque cardíaco em 1997, poucos anos depois da morte do pé de ingá.
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