quinta-feira, setembro 27, 2012

Testemunho do Pastor Florisvaldo de Oliveira

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Pinheiro de Natal

João Batista Cruzué

Em 2002,  eu já estava no segundo ano de um projeto de literatura para os presídios paulistas. Desempregado, ocupava meu tempo em uma missão que eu tinha certeza que fora o Espírito Santo me dera. No mês de dezembro daquele ano, eu recebi um cartão de natal, um pinheiro verde impresso em uma folha de sulfite, do irmão Florisvaldo de Oliveira. Vou contar como foi.

No começo de 2001 eu recebi uma  da P1 de Avaré. Um jovem presidiário achou uma literatura que tinha o carimbo da Missão Jerusalém, uma associação criada para lidar com literatura de evangelização.  Ele fazia parte de uma "igreja do cárcere" que se reunia para orar, evangelizar e fazer cultos nos fins de semana.  Vou dizer só os primeiros nomes. O dirigente do trabalho era o irmão Bento. O moço que me escreveu era o Irmão Rogério Gomes.

A P1 de Avaré fechou.  Fechou em abril do mesmo ,para reformas e transformação em uma unidade RDD - Regime de Detenção Diferenciada. Dos 70 membros e frequentadores daquela Igreja, o único que ficou ali foi  o cozinheiro - o irmão Dener. Todos os outros foram espalhados pelo interior do Estado por quase uma dezena de outras penitenciárias. O irmão Rogério Gomes tinha um outro xará, cujo sobrenome não me lembro.  Foi ele que no ano de 2002  me escreveu contando duas coisas: que o Dr. Nagashi Furukawa era um Cristão e que Florisvaldo de Oliveira tinha se convertido ao Evangelho e muitos presos crentes davam bom testemunho dele. 

Meu trabalho com literatura foi uma missão maravilhosa que Deus me permitiu fazer. A partir da primeira carta, eu desejava muito encher uma caixa com bíblias e revistas de escola dominical para enviar para o irmão Rogério Gomes, da P1 de Avaré. Mas o começo não foi tão fácil assim, pois no dia 18 de fevereiro de 2001 explodiu a primeira grande rebelião do PCC nos presídios de São Paulo. Até aquela data, as autoridades desmentiam a existência da organização. Nos jornais daquela semana eu colhi informações dos nomes dos municípios onde existiam as penitenciárias do Estado de São Paulo. 

Eu me assentei uma madrugada à mesa da cozinha e fui rabiscando um plano. Em dois anos, através de cartas escritas à mão, eu estabeleci a meta de fazer contato com irmãos dirigentes de 50 Igrejas do Cárcere.  Reuniões informais de presidiários que oram, leem a bíblia, evangelizam e ensinam a palavra de Deus. Hoje - 2012 - a assistência religiosa não tem restrições, mas em 2001, principalmente depois da grande rebelião em 29 unidades prisionais, esta assistência quase desapareceu. Talvez por isso, o Espírito Santo me deu aquele ministério.  Em dois anos e meio, eu fiz contato, por cartas sociais, com 48 dirigentes de igrejas do cárcere. Com a ajuda de muitas Igrejas e irmãos enviei mas de 30 caixas grandes com literatura evangélica para cerca de 30 presídios.

Até há pouco tempo, tinha uma caixa de sapatos com mais de 500 cartas recebidas dos irmãos convertidos do cárcere. A maioria pedindo literatura. Lembro de uma em especial, de um moço que fez besteira e estava preso em uma das penitenciárias de Sorocaba. Nem a família o visitava mais, e ele me pedia, pelo amor de Deus, que escreve qualquer coisa para ele. Depois de uns sete anos guardando aquelas cartas, eu decidi rasgá-las. Eu costumava ficar muito "orgulhoso" quando olhava para elas e para não ficar mostrando as evidências dos três anos (mais ou menos) que recolhia literatura usada nas Igrejas para mandar pelo correio para o cárcere, eu decidi deixar os feitos do passado para trás, e concentrar no presente, que no momento não tenho me esforçado tanto.

Do meio dessas tantas cartas, havia uma, do outro irmão Rogério da ex-P1 de Avaré. Foi ele que me contou da conversão do "Cabo Bruno". Dizia o irmão Rogério que ele tinha aceitado Jesus e que muitos presos davam bom testemunho de sua conversão. Eu escrevi uma carta para o irmão Florisvaldo em 2002 e como era perto do Natal, ele me mando um cartão de Natal. Um pinheiro verde desenhado pela impressora em um pedaço de folha de sulfite.

Há poucos dias ele foi solto da P-III de Tremembé. Quitou sua dívida com a sociedade. Mas como ele derrubou um muro espiritual tirando a vida de muitas pessoas, cumpriu em sua vida o que Jesus certa vez advertiu a Pedro. Aquele que vive pela espada, pela espada morrerá. É uma profecia bíblica citada pelo próprio Cristo. Quando este muro espiritual cai, não há mais como fechar a brecha.  Mesmo tendo se convertido, e procurado deixar a velha vida para trás, o passado bateu a porta do pastor Florisvaldo de Oliveira no final da noite de ontem - 26 de setembro de 2012. Foram 18 tiros. Nenhum familiar ficou ferido. 

Graças a Deus! Agora não foi ele quem puxou o gatilho. Que Deus conforte o coração de sua esposa, a mulher que evangelizava na prisão e o levou a Cristo.





quarta-feira, setembro 26, 2012

A oração da boa velhinha

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A oração da boa velhinha
adaptação de João Cruzué

"Quando nasci minha primeira oração foi um berro. Durante nove meses eu estava numa "boa" quando de repente, "vapo!" abri os olhos e não sabia respirar. Uma dor aguda foi aumentando, aumentado, até que não suportei mais; com todas as forças dei o maior berro que podia. Deus ouviu e como resposta respirei.

E continuei orando.

Com fome, eu orava; com dor de ouvido, eu orava; quando sujava a fralda, de novo. Isto foi ficando rotineiro e minha "oração" tornou-se chata. Até que aprendi a falar. Primeiro foi "mamãe", depois "papai", "vovô" - menos vovó, que naquela ocasião já estava com Deus. Não antes de pegar-me nos braços, pequenina, e também sussurar uma oração. Talvez seja por disso que eu tenha o mesmo dom espiritual.

Cresci orando. Cheguei à Universidade, orando. Casei-me, orando. Agora estou batendo às portas dos 50. Precupada, ontem a noite orei assim:

"Ó Senhor, tu sabes melhor do que eu que estou envelhecendo a cada dia. Sendo assim, Senhor, livra-me da tolice de achar que devo dizer algo, em toda e qualquer ocasião. Livra-me, também, Senhor, deste meu desejo enorme de querer pôr em ordem a vida dos outros. Ensina-me a pensar neles em como ajudá-los sem jamais me impor sobre eles. Mesmo considerando, com modéstia, ser uma lástima não passar adiante a sabedoria que acumulei até agora.

Senhor, Tu sabes que preciso preservar os amigos e uma boa relação com os filhos, e que posso por tudo a perder se ficar intrometendo-me na vida deles. Guarda-me também Senhor da tolice de querer contar tudo muito detalhado e dá-me asas para voar diretamente ao ponto que interessa.

Guarda-me de falar mal de alguém.

Senhor, eu sou doida por novelas, mas elas hoje estão muito "modernas". Outro dia, meu netinho, o Paulinho, entrou de repente na sala, justamente, na hora em que, do nada, apareceu na telona coisas que me fizeram ficar "vermelha". Senhor, o Paulinho me deu a maior "bronca", mais eu sou inocente. Eu preciso de alguma coisa nova para fazer que valha a pena.

Ensina-me a fazer silêncio sobre minhas dores e doenças. Elas estão aumentando e, com isso, a vontade de descrevê-las vai crescendo a cada ano que passa. Não ouso pedir o dom de ouvir com alegria a descrição das doenças alheias; seria pedir muito.

Mas, ensina-me, Senhor, a suportar ouvi-las com paciência. Ensina-me a maravilhosa sabedoria de saber que posso estar errada em algumas ocasiões. Já descobri que pessoas que acertam sempre são maçantes e desagradáveis. Mas, sobretudo Senhor, nesta prece de envelhecimento peço que mantenha-me mais amável possível.

Livra-me de ser uma santarrona, pois é difícil conviver com os santos. Mas uma velha muito rabugenta, Senhor, pode ser uma obra prima do diabo!

Poupe-me!

Amém!"

Oração da velhinha
adaptada por João Cruzué - cruzue@gmail.com
quando souber o nome do autor, colocarei os créditos.