quarta-feira, junho 03, 2009

As margaridas da Ladeira da Memória

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Largo da Memória
João Cruzué

"No início do século XIX o Largo da Memória, localizado no começo da antiga Rua da Palha, hoje Rua Sete de Abril, era o ponto de encontro dos moradores da província e caminho obrigatório dos viajantes que paravam ali, para encher os cantis na bica d'água"
[1]. Entretanto, o que chama minha atenção desde fevereiro (2009), quando voltei a trabalhar no Centro de São Paulo, é a ladeira que se inicia ao lado da Estação Anhangabaú do Metrô.

Sinto uma coisa boa, uma alegria especial, quando inicio a subida da ladeira debaixo de todas aquelas árvores. À direita, estão dois grandes pés de jatobás; à esquerda, eu contei cinco figueiras, sendo que a maior delas deve ser centenária. Mais à esquerda existem pés de Ipês, que somente vou saber se são rosa, preto ou amarelo, quando florirem no final do inverno.

Passando sob a sombra daquelas árvores eu sinto-me bem. Vivo. Contente. É um lugar que toca meu espírito como em nenhum outro lugar do Centro. A beleza das árvores e a brisa no rosto emociona-me. Parece que isto é uma repetição do passado, uma vez que tropeiros e provincianos do século XIX também gostavam de estar ali, principalmente por causa da bica de água potável. Um lugar de sombra boa e água fresca, definição clássica para o passado., que hoje só resta a boa sombra.

Há dias estava pensando escrever alguma coisa sobre esta ladeira tão famosa. Ficaria apenas nas árvores, se não surgisse outro assunto. Pela manhã quando subo a ladeira, vejo sempre duas senhoras com grandes vassouras de palmeira ajuntando as folhas do chão. Como ali venta muito, posso imaginar que não deve ser fácil varrer aquele lugar. São Paulo deu um nome carinhoso a estas senhoras que executam a varrição pública de São Paulo - elas são chamadas de "margaridas"

A razão do apelido não sei ao certo; é coisa de poeta, do Adoniran Barbosa, do tempo do "Trem das Onze. As Margaridas!

Segunda feira, a primeiro de junho de 2009, quando passei por ali presenciei uma cena muito cidadã, que me envaideceu e me fez ter orgulho das "margaridas" de São Paulo. Em meio a tanta gente granfina que passa pela Ladeira, vi uma moça muito bem vestida se dirigindo até uma "margarida" para pedir uma informação.

-- Moça, sabe onde fica a Praça Ramos?

E a "margarida" pôs o melhor sorriso e com segurança informou. Como não parei para ouvir a resposta, imaginei que tenha dito: "Depois da Ladeira você dobra à direita, caminha até o Teatro Municipal e pronto! Já está na Praça Ramos.

Por que a cena chamou minha atenção?

Quando a moça se dirigiu àquela "margarida", em lugar de ter perguntado ao guarda, ao executivo ou a qualquer outra pessoa, ela estava demonstrando a confiança e o respeito que a maioria dos paulistanos tem pelas mulheres que executam a varrição pública da Pauliceia. Enquanto muitos a sujam, elas tornam a Cidade limpa. A Ladeira é limpa toda manhã.

A "margarida" não percebeu, mas eu vi o seu sorriso. Ela "ganhou" o dia. E o presente quem deu, foi a moça granfina, deixando para trás um dia melhor, a julgar pelo semblante da "margarida."





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Um comentário:

Sylvio de Alencar. disse...

Parabéns, uma bela memória!!
Abraços!